A expressão judaica Baruch
Hashem é a mais emblemática manifestação judaica de gratidão e
reconhecimento, significando "Bendito seja o Senhor" ou "Louvado
seja o Senhor".
Baruch Hashem (ברוך השם) que traduzida para o português significa “Bendito seja o Nome”
(em referência ao nome YHWH), é usada pelo povo judeu em conversas cotidianas
como uma forma de expressar gratidão a Elohim por tudo. Muitas vezes é colocado
no topo de cartas pessoais (ou e-mails), às vezes abreviado como B”H ou ב”ה.
É comumente usada em gentilezas
trocadas. Por exemplo, quando se pergunta “como vai você”, a resposta
apropriada é “Baruch Hashem, vai tudo bem”. Os usos mais típicos são: “Baruch
Hashem, encontramos uma vaga de estacionamento” ou “Deixei cair aquela caixa de
ovos, mas Baruch Hashem, nenhum deles quebrou”.
Em suas peregrinações pelas
modestas comunidades judaicas da Europa Oriental, o sábio Baal Shem Tov
indagava sobre a condição de seus conterrâneos. Independentemente das privações
que enfrentassem, a resposta era unânime: 'Baruch Hashem'. Uma expressão tão
arraigada em seus corações quanto a fé que nutriam. Ainda que carentes de
erudição ou posses, reconheciam em suas vidas a bênção divina, manifestando uma
gratidão que transcendia as circunstâncias.
Quando perguntado o porquê deles
fazerem isso, Baal Shem Tov respondeu citando o versículo: "Você é santo,
entronizado nos louvores de Israel" (Salmo 22: 4). Assim, toda vez que um
judeu diz Baruch Hashem, ele ou ela está ajudando a fazer um trono para a
Shechiná, a Presença Divina.
As palavras Baruch Hashem
aparecem na parashá desta semana. Mas elas não são pronunciadas por um judeu. A
pessoa que as diz é Yitro (Jetro), sogro de Moshe (Moisés). Juntando-se a Moshe
após o êxodo, trazendo com ele a esposa e os filhos de Moshe, e ouvindo de seu
genro tudo o que havia acontecido no Egito, ele diz:
Louvado seja o Senhor [Baruch
Hashem], que o resgatou das mãos dos egípcios e do faraó, e que resgataram o
povo das mãos dos egípcios (Ex. 18:10).
A expressão em questão é
utilizada em apenas mais três ocasiões na Torá. É notável que todos os
personagens que a empregam se encontram fora do pacto estabelecido com Abraão.
O primeiro é Noach (Noé):
"Louvado seja o Senhor, o Elohim de Sem" (Gênesis 9:26). O segundo é
o servo de Avraham (Abraão), a quem ele envia para encontrar uma esposa para
Yitzchak (Isaque): "Louvado seja o Senhor, o Elohim do meu senhor Avraham,
que não abandonou Sua bondade e fidelidade ao meu senhor" (Gen. 24:27). E
o terceiro é Yitro na parashá desta semana. 1
Isso é significativo? Por que
esse louvor a Elohim é atribuído a Noach, Eliezer e Yitro, enquanto os
israelitas, com a exceção marcante do Cântico no Mar, se ouvem queixas
constantes?
Pode ser simplesmente que
essa seja a natureza humana: vemos mais claramente do que outros o que falta em
nossas vidas, enquanto outros veem mais claramente as bênçãos que temos. Nós
reclamamos, enquanto outros se perguntam sobre o que estamos reclamando quando
temos muito a agradecer. Essa é uma explicação.
É, no entanto, possível que um
argumento mais fundamental esteja sendo feito. A Torá está sinalizando sua ideia
mais sutil e menos compreendida: que o Elohim de Israel é de toda a
humanidade. Como o rabino Akiva colocou:
"Amado é a humanidade,
pois foi criado à imagem de Elohim. Amado é Israel, pois eles são chamados
filhos de Elohim". 2
Cremos que Elohim é universal.
Ele criou o universo. Ele desencadeou os processos que levaram a estrelas,
planetas, vida e humanidade. Sua preocupação não se limita a Israel. Como
dizemos na oração de Ashrei, "Suas misericórdias estão em todas as Suas
obras". Você não precisa ser judeu para ter um senso de reverência
pelo Criador ou reconhecer, como Yitro, Sua mão em eventos milagrosos. Seria
difícil encontrar outra literatura religiosa que conferisse tanta dignidade a
figuras que estão fora de suas fronteiras.
Isso vale não apenas para as três
figuras que disseram Baruch Hashem. A Torá chama o contemporâneo de Avraham
(Abraão), Malkitzedek (Melquisedeque), rei de Shalem, de "Sacerdote a Elohim
Altíssimo". Ele também abençoou a Elohim:
Bendito seja Avram por Elohim
Altíssimo, criador do céu e da terra. E abençoado seja o Elohim Altíssimo que
entregou seus inimigos em suas mãos (Gênesis 14: 19-20).
Em Gênesis 18, Avraham desafiou Elohim
pela justiça de Sua punição proposta a Sodoma: "O juiz de toda a terra
não fará justiça?" Mas apenas dois capítulos depois, Avimelech, rei de
Gerar, é instruído por Elohim para ficar longe de Sarah porque ela era a esposa
de Avraham, mesmo que Avraham tivesse dito que ela era sua irmã. Em termos
muito reminiscentes de Avraham, Avimelech desafiou Elohim: "Senhor,
destruirás uma nação inocente?"
Ou considere o fato de que o
título de nossa própria parashá nesta semana, que contém os Dez Mandamentos,
bem como o evento mais significativo em toda a história israelita, o pacto no
Sinai, leva o nome de um não-israelita. Além disso, imediatamente antes da
revelação no Sinai, a Torá nos diz como foi Yitro, o Sacerdote Midianita, que
ensinou Moisés a organizar a liderança do povo.
Essas são expressões notáveis de generosidade espiritual para
aqueles que estão “fora da aliança”.
Em Sucot (Tabernáculos/Tendas),
lemos a profecia de Zacarias que, nos próximos dias, todas as nações virão a
Jerusalém para celebrar a festa de Sucot (Zc 14:16-19).
A história e a biologia
evidenciam uma tendência inerente à mente humana de dividir o mundo: 'nós'
versus 'eles'. Essa divisão frequentemente se manifesta em comportamentos
altruístas em relação ao próprio grupo e em atitudes hostis em direção a grupos
externos. A percepção de que 'nós' somos moralmente superiores, detentores da
verdade e da justiça, enquanto 'eles' são inferiores, enganosos e merecedores
de punição, tem sido a raiz de inúmeros conflitos ao longo da história.
E é por isso que a Tanach (o chamado “Antigo Testamento”) ensina o contrário. Noach, Eliezer e Yitro eram pessoas de Elohim sem serem “membros” efetivos de Israel. Até o povo de Nínive se tornou um exemplo de como prestar atenção a um profeta e se arrepender. Elohim abençoou Yishmael (Ismael) e Yitzchak.
Essas são lições
poderosas.
Rabino Lord
Jonathan Sacks
Menachem
Posner
Texto revisado e adaptado por
Francisco Adriano Germano
NOTAS
1. Existem outros dois
exemplos oblíquos. Labão chama o servo de Avraham: "Você que é abençoado
pelo Senhor" (Gênesis 24:31). Avimelech, rei de Gerar, diz sobre Yitzchak:
"Você é abençoado pelo Senhor" (Gênesis 26:29). Observe novamente que
nenhum dos oradores faz parte da aliança.
2. Mishnah Avot 3:14.
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