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FAÇA O QUE TEM QUE SER FEITO

  


A história que reproduzirei a seguir foi contada pelo Rav Israel Spira zt"l (Polônia, 1889 - EUA, 1989), o Rebe de Bluzhov, que a testemunhou no Campo de Concentração de Janowska:

 

Todos os dias, ao amanhecer, os alemães nos levavam para fora do acampamento, para um dia de trabalho pesado que só terminava ao anoitecer. Cada dupla de trabalhadores recebia uma enorme serra e deveria cortar sua cota de toras. Por causa das condições terríveis e da fome, a maioria de nós mal conseguia ficar de pé. Mas nós serrávamos, sabendo que nossas vidas dependiam daquilo. Qualquer um que desmaiasse no trabalho ou deixasse de cumprir sua cota diária era morto na hora.

 

Um dia, enquanto eu puxava e empurrava a serra pesada com meu parceiro, fui abordado por uma jovem da nossa equipe de trabalho. A palidez em seu rosto mostrava que ela estava extremamente fraca.

 

- Rebe - sussurrou ela para mim - você tem uma faca?

 

Imediatamente entendi sua intenção e senti a grande responsabilidade que recaiu sobre mim.

 

- Minha filha - implorei, concentrando todo o amor e convicção em meu coração, no esforço de dissuadi-la de sua ação pretendida - Não tire sua própria vida. Eu sei que a vida agora é um inferno, do qual a morte parece uma libertação abençoada. Mas nunca devemos perder a esperança. Com a ajuda de D'us, sobreviveremos a esta provação e veremos dias melhores.

 

Mas a mulher parecia alheia às minhas palavras. "Uma faca", ela repetiu. "Eu preciso de uma faca agora".

 

Naquele momento, um dos guardas alemães percebeu nossa conversa sussurrada e se aproximou de nós. Ele exigiu saber o que estávamos conversando. Nós dois congelamos. Conversar durante o trabalho era uma transgressão grave. Muitos prisioneiros do campo haviam sido mortos por crimes muito menores. A mulher foi a primeira a se recuperar. "Eu pedi a ele uma faca", disse ela. Para meu horror, ela então dirigiu seu pedido ao guarda: "Me dê uma faca!". O alemão também adivinhou sua intenção, e um sorriso diabólico surgiu em seu rosto. Sem dúvida ele tinha visto os corpos daqueles que, em desespero, tiravam suas próprias vidas se jogando durante a noite na cerca eletrificada que cercava o acampamento. Mas aquela seria uma visão nova para ele. Ainda sorrindo, ele enfiou a mão no bolso e entregou-lhe uma pequena faca.

 

Pegando a faca, ela correu de volta para seu local de trabalho e se curvou sobre um pequeno pacote de trapos que havia colocado sobre um pequeno tronco. Desfazendo o embrulho rapidamente, ela tirou de lá um pequeno bebê. Diante dos nossos olhos espantados, de forma rápida e hábil, ela fez o Brit Milá no bebê. Logo em seguida ela recitou: "Baruch Atah Hashem... que nos ordenou que o inseríssemos no pacto de Avraham Avinu"

 

Embalando o bebê nos braços, ela acalmou seu choro. Então, ela olhou para o céu e disse: "D'us, oito dias atrás você me deu um filho. Eu sei que nem eu nem ele sobreviveremos por muito tempo neste lugar maldito. Mas agora, quando o levar de volta, o receberá como um judeu completo". Olhando sem medo para o guarda alemão, ela estendeu a faca sagrada e disse: "Sua faca. Obrigado".

 

Não sabemos se esta mulher e seu bebê sobreviveram. Porém, ela fez o que tinha que ser feito.

 

 


 

Na Parashá Ki Tissá, a Torá nos apresenta pela primeira vez a Betzalel, o "arquiteto-chefe" do Mishkan, como está escrito:

 

Eis que eu tenho chamado por nome a Bezalel, o filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, E o enchi do Espírito de Elohim, de sabedoria, e de entendimento, e de conhecimento, em todo o lavor,

(Shemot/Êxodo 31:2,3)

 

Segundo a tradição, naquele momento, Betzalel tinha apenas treze anos de idade. Certamente foi uma grande surpresa quando Moshé (Moisés) reuniu o povo e apresentou um jovem rapaz como o responsável pela construção do Mishkan. Mas Betzalel não decepcionou. Ele seguiu exatamente as instruções de Moshé e conseguiu construir com sucesso o Mishkan, mesmo com todos os seus complexos detalhes.

 

A maneira como a Torá apresentou Betzalel nos chama a atenção. Normalmente, ao apresentar pessoas pelo nome, a Torá menciona o nome da pessoa e o nome de seu pai, como Kalev ben Yefune (Calebe, filho de Jefoné) e Yehoshua bin Nun (Josué, filho de Nun), entre muitos outros exemplos. Por que com Betzalel foi diferente, já que o nome do seu avô também foi mencionado? E isto não ocorre apenas na primeira vez em que ele é apresentado, na Parashá Ki Tissá, mas também se repete quando ele é mencionado na Parashá Vayakel (Shemot 35:30) e na Parashá Pekudei (Shemot 38:22).

 

Outro detalhe interessante que chama a atenção é o fato de que o comentarista da Torá, Rashi, em Shemot/Êxodo 35:30 identificar Chur (na versão em português Hur) como sendo "o filho de Miriam". Por que é importante sabermos este detalhe?

 

Quem era Chur? Além de ser filho de Miriam, ele desempenhou um papel central quando o povo hebreu estava pretendendo fazer o "Bezerro de Ouro". Desesperados pela demora de Moshé em descer do Monte Sinai, uma multidão desejou construir um bezerro de ouro. Chur se opôs à multidão. Ele insistiu em dizer que eles estavam tomando uma atitude equivocada. Tragicamente, Chur pagou com sua própria vida por este protesto. Em sua obstinação, o povo acabou assassinando Chur. Talvez este seja um dos motivos pelos quais Aharon (Aarão) tentou apenas ganhar tempo, ao invés de também enfrentar a multidão.

 

Mas será que Chur estava certo? Foi correto Chur ter se levantado contra o povo ou ele deveria ter feito como Aharon, e somente tentar ganhar tempo? Poderíamos pensar que foi um erro de Chur, pois aparentemente ele morreu em vão, já que o bezerro foi construído. No entanto, Elohim fez questão de mostrar que não foi um erro. Ele apreciou tanto o que Chur fez que acabou escolhendo seu neto, Betzalel, como arquiteto-chefe do Mishkan.

 

Diante de uma situação controversa, Chur adotou uma postura que, embora impopular, revelou-se a mais correta. Em certas ocasiões, defender o que é justo exige coragem para desafiar a opinião da maioria, mesmo que as chances de sucesso sejam ínfimas.

 

Chur, ao se opor à construção do bezerro de ouro, não tinha a certeza de que seus esforços surtiriam efeito. No entanto, ele sabia que aquela era a atitude certa a tomar, e não hesitou em se levantar contra a multidão.

 

A vida nos apresenta, frequentemente, dilemas nos quais devemos escolher entre o caminho da popularidade e o da integridade. Optar por fazer o que é certo, independentemente da aceitação ou das chances de êxito, é a marca de um caráter íntegro e corajoso.

 

De onde Chur tirou esse traço de caráter? De onde ele aprendeu a lição de que uma pessoa deve às vezes fazer o seu melhor, dar o seu melhor, mesmo quando o sucesso é improvável? A resposta está no detalhe que Rashi forneceu ao dizer que Chur era filho de Miriam. Esta também era a forma de viver que Miriam escolheu.

 

Quando o cesto de Moisés foi depositado no Nilo, Miriam o acompanhou discretamente. Qual seria o propósito? Tal ação aparentava ser um esforço em vão! O que Miriam almejava alcançar?

 

Quando Batia, a filha do Faraó, encontrou o bebê no cesto, Miriam, com cautela, aproximou-se e ofereceu-lhe um conselho. Seria Miriam tola? Como uma escrava ousaria dirigir-se à princesa do Egito e aconselhá-la sobre o que fazer com aquele bebê? Tal atitude parecia um esforço inglório!

 

Por que Miriam tentou fazer coisas que pareciam impossíveis? Ela sentiu que era a coisa certa a se fazer. Esta era a filosofia de vida dela. Se teria sucesso ou não, ela sabia que isso não dependia dela.

 

Explica o Rav Yssocher Frand que percebemos aqui um padrão: Miriam nunca desistia de fazer o que era certo. Ela fazia sempre o seu melhor, mesmo sem saber se chegaria ao sucesso. Miriam fazia o que podia em cada situação.

 

O Rav Israel Salanter zt"l (Lituânia, 1810 - Prússia, 1883) dava aos seus alunos três conselhos:


"Vocês não precisam imitar as pessoas; nunca façam apenas um esforço mínimo e superficial; saibam que nem sempre é necessário ter sucesso, o que é necessário é fazer a nossa parte".

 

O que Elohim espera de nós é o esforço, fazer o que é certo, independente das circunstâncias. Essa era filosofia de vida que Miriam transmitiu ao seu filho Chur. Quando Chur foi confrontado com uma situação que parecia sem esperança, mesmo assim ele se levantou para fazer algo, pois sabia que era a coisa certa a se fazer.

 

 Chur era "filho de Miriam", aquela que fazia as coisas apenas porque era o certo a se fazer. Em recompensa por essa dedicação, Betzalel acabou tendo o mérito de construir a Casa de Hashem.

 

 

R' Efraim Birbojm

Texto revisado e adaptado por Francisco Adriano Germano

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