Um homem com roupas esfarrapadas
parou na frente de um pequeno bar, tirou do bolso um metro, mediu a porta e
começou a falar em voz alta: "Dois metros de altura por oitenta centímetros
de largura". Admirado, como se não acreditasse no que a medida indicava,
mediu-a de novo. Tornou a medi-la várias vezes. Curiosas, as pessoas que
passavam por ali começaram a parar. Primeiro um pequeno grupo, depois uma
multidão. Olhavam, curiosos, o homem que media sem parar a porta do bar. O
homem então olhou para a multidão e exclamou, impressionado:
- Parece mentira. Esta porta
mede apenas dois metros de altura por oitenta centímetros de largura. No
entanto, por ela passou todo o meu dinheiro, meu carro, o pão dos meus filhos.
Passaram os meus móveis e a minha casa. E não foram somente os bens materiais.
Por ela também passou a minha saúde e toda a felicidade do meu lar. Além disso,
passaram também a minha dignidade e os meus sonhos. Todos os meus planos de
vida passaram por esta porta, dia após dia, gole por gole.
- Hoje eu não tenho mais nada -
continuou o homem - Nem família, nem saúde, nem esperança. Mas quando
passo na frente desta porta, ainda ouço o chamado da bebida, aquela que é a
responsável pela minha desgraça. Ela ainda me chama insistentemente, dizendo
"Só mais um copo! Só hoje! Uma dose apenas!". Ainda escuto sua
sugestão zombadora: "Beba só socialmente". Esta era a senha, esta era
a isca. E mais uma vez eu caía na armadilha, dizendo para mim mesmo:
"Quando eu quiser, eu paro". Isso é o que muita gente pensa, mas isto
é uma mentira. É a pior mentira, pois é mentir para si mesmo. Eu comecei com um
copo, mas hoje a bebida me dominou completamente. É por isso que eu lhes digo:
esta porta, a porta do vício, é a porta mais larga do mundo! Ela tem enganado
muita gente. Por esta porta, de aparência tão estreita, pode passar tudo o que
temos de mais importante na vida. Hoje eu sei dos malefícios do vício, mas
muita gente ainda não sabe. Ou sabe e finge que não sabe, para não admitir que
está sob o domínio dos seus vícios.
Visivelmente amargurado, aquele
homem se afastou, a passos lentos, deixando para as pessoas que o escutaram
motivos de profundas reflexões. Tudo em excesso é ruim. Tudo sem controle faz
mal
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Nesta semana lemos a Parashá
Beshalach (literalmente "Quando enviou"), que descreve a
triunfal saída do povo hebreu do Egito, após mais de 200 anos de terrível
escravidão. Porém, a alegria do povo hebreu não durou muito. Sem saber que tudo
fazia parte dos planos de Elohim, que ainda guardava o castigo final para os
egípcios, os hebreus se depararam com um mar intransponível diante deles e
perceberam, aterrorizados, que os egípcios os perseguiam para levá-los de volta
à escravidão. Desesperados, eles gritaram para Elohim e reclamaram com Moshé
(Moisés). Elohim então comandou que eles entrassem no mar, algo que parecia
ilógico. Somente quando eles deram os primeiros passos foi que aconteceu o
incrível milagre da Abertura do Mar Vermelho, diante dos olhos de milhões de
testemunhas.
Além disso, após atravessarem o
mar, os judeus puderam testemunhar a destruição final do exército egípcio,
quando o mar se fechou sobre eles, afogando-os e lançando seus corpos na praia.
A Torá então afirma que "Naquele dia Elohim libertou Israel das mãos do
Egito, e Israel viu as pessoas mortas na praia" (Shemot 14:30). Porém,
este versículo desperta um grande questionamento. Se a Abertura do Mar ocorreu
somente no sétimo dia após a saída do Egito, então por que a Torá enfatiza que
"Naquele dia Elohim libertou Israel das mãos do Egito"? A libertação
já não havia ocorrido quando eles saíram do Egito?
Explica o Ibn Ezra (Espanha, 1092
- 1167), famoso comentarista da Torá, que mesmo depois de já terem saído do
Egito, os hebreus ainda sentiam muito medo do Faraó, e somente se sentiram
completamente livres do jugo egípcio quando viram a destruição final deles.
Isto significa que o sentimento de serem dominados pelos egípcios não se
dissipou quando eles escaparam. Foi somente naquele dia, quando viram os
egípcios destruídos, que eles puderam realmente se libertar completamente de
sua autoimagem de "Escravos do Faraó".
Uma ideia similar é transmitida
na Hagadá de Pessach, que afirma: "Fomos escravos do Faraó no Egito.
Hashem, nosso Elohim, nos tirou de lá com mão forte. E se Elohim não tivesse
tirado nossos pais do Egito, nós, nossos filhos e os filhos dos nossos filhos
seríamos escravos do Faraó no Egito". Mas como a Hagadá pode afirmar
que seríamos escravos até hoje, se o Império Egípcio já se desintegrou há
milhares de anos?
Uma possível resposta é que a
Hagadá não está se referindo a uma escravidão física no Egito, e sim a um
elemento psicológico de submissão ao Faraó e seu povo. Nós certamente já
teríamos nos tornado fisicamente livres, mas nunca teríamos escapado e superado
a dominação egípcia. Ao contrário, teríamos sido libertados de forma
"padrão" com a desintegração do Império Egípcio, porém teria sido uma
libertação apenas parcial, pois nunca teríamos quebrado a nossa autoimagem de
um povo controlado por outras nações, que não é livre para se expressar de uma
maneira plena.
Apesar de se referir a um evento
ocorrido há mais de 3 mil anos, este ensinamento é atual e importante, pois
traz as bases de como vencer o desafio de lidar com forças negativas que
exercem poder sobre nós. Isto não incluiu apenas a proximidade de pessoas
abusivas, que tentam nos controlar de maneira não saudável, mas também os
vícios destrutivos e outras armas do Yetser Hará (Má inclinação), como o desejo
desenfreado. O que a saída do povo hebreu do Egito e a Abertura do Mar podem
nos ensinar na prática nesta área?
Em primeiro lugar, aprendemos que
há dois estágios distintos no processo de se libertar das influências
negativas. O primeiro estágio é escapar da fonte de negatividade,
da mesma forma que o povo hebreu saiu fisicamente do Egito. O segundo
estágio é superar completamente ou eliminar a fonte de negatividade, o
que ocorreu através da destruição do exército egípcio no mar.
Embora escapar da fonte de
dominação seja um estágio extremamente importante, ainda é insuficiente para
libertar completamente a pessoa, pois ela só se torna completamente livre
quando consegue atingir o segundo estágio. É por isso que a Torá ressalta que
"Naquele dia Elohim libertou Israel das mãos do Egito", pois
foi somente quando o povo judeu viu os egípcios mortos na praia, isto é, quando
as força de negatividade foram completamente destruídas, que o povo judeu foi
capaz de se libertar completamente da escravidão egípcia.
Por que este ensinamento é tão
importante? De acordo com o Rav Yehonasan Gefen, a maioria das pessoas não sabe
que existem dois estágios para se libertar de vícios destrutivos. Para sair de
um vício, o primeiro passo é a pessoa reconhecer em que estágio ela se
encontra. É muito importante uma pessoa ter claro quando ela ainda se encontra
em uma situação na qual não superou completamente sua submissão a algum tipo de
influência negativa, pois tudo o que ela fez foi escapar momentaneamente do
vício. Esta é uma das estratégias utilizadas para libertar pessoas de certos
vícios, fazendo com que elas tenham claridade de que o que elas conseguiram por
enquanto foi apenas uma fuga, um primeiro estágio, mas que o processo ainda não
está completo.
Por exemplo, pessoas que pararam
de fumar, mesmo há muitos anos, ainda continuam se definindo como "fumantes".
Desta maneira, elas estão constantemente lembrando a si mesmas dos riscos de
uma recaída nas armadilhas do vício e, portanto, cuidadosamente evitam até
mesmo um único cigarro. Por outro lado, se uma pessoa ainda está no primeiro
estágio, mas se convence de que não há mais nenhum resquício de seu vício,
então ela se sente pronta para fumar um cigarro com a certeza de que isto não a
afetará. Porém, na maioria dos casos, um único e "inofensivo"
cigarro é o suficiente para impulsionar a pessoa novamente para as garras do
seu perigoso vício.
É possível que estes dois
estágios estejam aludidos nas explicações que o Rambam (Maimônides) (Espanha,
1135 - Egito, 1204) dá ao explicar os diferentes níveis de Teshuvá (arrependimento).
O Rambam, nas "Leis de Teshuvá", afirma que a Teshuvá completa
somente pode ser atingida quando a pessoa é colocada exatamente na mesma
situação na qual ela previamente tropeçou, mas desta vez ela consegue superar o
seu Yetser Hará. Já um nível mais baixo de Teshuvá é quando a pessoa passa
pelos 4 estágios necessários (arrependimento, abandonar o erro, confissão e o
comprometimento com o futuro), porém ainda não chegou ao nível de superar
completamente seu Yetser Hará e, caso passasse pela mesma situação,
provavelmente cairia de novo. Provavelmente o Rambam está explicando que o
primeiro estágio de Teshuvá se refere a escapar deste Yetser Hará, enquanto o
segundo estágio de Teshuvá, a Teshuvá completa, se refere a superar
completamente este Yester Hará.
Porém, na prática, como é
possível atingir este segundo estágio? Como podemos nos libertar completamente
de forças negativas que nos cercam e exercem tanto poder sobre nós, como os
desejos e os vícios? Obviamente que não é uma tarefa simples e cada caso
necessita de uma análise particular e de uma estratégia específica.
Entretanto, há dois pontos
esclarecedores que aprendemos da Abertura do Mar. Não foram os hebreus que
destruíram os egípcios, foi Elohim quem os destruiu. Isto nos ensina que está
além da capacidade humana superar completamente o nosso Yetser Hará, como
afirmam os sábios do Talmud (Kidushin 30b): "Diz Rabi Shimon ben Levi:
'O Yetser do ser humano se fortalece e tenta destruí-lo todos os dias... e se
não fosse pela ajuda de Elohim, não seriamos capazes de derrotá-lo'".
Isto significa que, para derrotarmos o nosso Yetser e as forças que nos
bloqueiam, precisamos pedir ajuda para Elohim.
Por outro lado, também aprendemos
do evento da Abertura do Mar que não podemos meramente ficar sentados,
aguardando a salvação de Elohim. Quando Moshé clamou a Elohim, Ele respondeu
que Moshé deveria parar de clamar e que o povo deveria entrar no mar. Somente
depois que o povo deu seus primeiros passos foi que o mar se abriu. Portanto, é
essencial a pessoa ter a consciência do enorme esforço, autocontrole e força de
vontade exigidos para realmente superar completamente um vício.
Portanto, fica a lição de que é
impossível vencer o Yetser Hará e os nossos vícios sem a ajuda de Elohim. Por
outro lado, a pessoa deve estar disposta a fazer um esforço, para mostrar a Elohim
que realmente tem vontade de mudar, de melhorar, de escapar daquilo que a
bloqueia.
Quando a pessoa demonstra para Elohim que está pronta, então Ele faz o resto. Somente com esta combinação, a consciência do nosso estágio, o nosso clamor para Elohim e o esforço inicial, poderemos nos libertar completamente de tudo o que não nos deixa crescer.
R' Efraim Birbojm
Texto adaptado por Francisco Adriano Germano
Baruch HaShem! Como este estudo nos leva ao entendimento profundo a maneira pela qual devemos agir para subjugarmos o nosso maior inimigo, ou seja a nós mesmos! Queira o Eterno fortalecer a cada um de nós em nossas lutas conosco mesmo!
ResponderExcluirUm bom ensino, muito edificante.
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