Certa vez um
advogado recebeu um telefonema no meio da noite. Do outro lado da linha estava
uma mulher muito aflita. Ela explicou que era a esposa de um homem que há anos
trazia mercadorias do Paraguai e vendia no Brasil, conseguindo um bom lucro.
Porém, ele havia acabado de ser parado em uma blitz da polícia. Quando o
policial abriu o porta-malas do carro e viu uma enorme quantidade de produtos
eletrônicos sem nenhuma nota fiscal, imediatamente deu ordem de prisão ao homem
e o conduziu à delegacia. A mulher concluiu afirmando que ela estava disposta a
pagar qualquer preço para libertar o marido da prisão. O advogado aceitou
assumir o caso. Logo de manhã cedo foi visitar seu cliente na cadeia. Conseguiu
pagar uma fiança para que o contrabandista respondesse o caso em liberdade. Em
uma reunião antes da audiência com o juiz, o advogado, que tinha muitos anos de
experiência, falou ao contrabandista:
- Como você foi
pego em flagrante, vai ser difícil justificar tantos equipamentos eletrônicos
no seu carro sem nenhuma nota fiscal, configurando-se em contrabando
internacional. Então vamos tentar fazer de outra maneira, espero que funcione.
Você vai falar ao juiz, de forma muito convicta, que seu carro foi furtado uma
semana antes de você ter sido parado na blitz e que você tinha acabado de
reaver seu carro naquele dia. Diga que você ainda não tinha aberto o
porta-malas e que foi uma enorme surpresa ver todos aqueles equipamentos
eletrônicos lá dentro. Diga ao juiz, com toda a convicção, que você é inocente.
Quem sabe desta maneira conseguiremos convencê-lo a libertar você.
O contrabandista
gostou da ideia. Treinou algumas vezes aquela versão da história com a esposa,
até que acharam que parecia convincente. No dia do julgamento, o homem parecia
um ator, tamanha a sua convicção. Porém, alguns pequenos detalhes acabaram
sendo fundamentais para que o juiz não acreditasse na história. O advogado
pediu então uma pequena pausa no julgamento para conversar a sós com seu cliente.
O juiz aceitou e o advogado foi, com o contrabandista e sua esposa, para uma
sala ao lado. O advogado então falou:
- Infelizmente a
ideia não funcionou, então vamos ter que mudar de tática. Acho melhor você
confessar seu crime e entregar para a polícia os nomes das outras pessoas
envolvidas. Desta maneira, você terá sua pena reduzida e, em poucos anos,
estará em liberdade.
A esposa, ao
escutar que o marido passaria alguns anos na prisão, se desesperou e começou a
gritar:
- Doutor, o
senhor não está entendendo, meu marido é inocente! Ele não contrabandeou nada!
Nosso carro foi roubado e foram outras pessoas que colocaram todos aqueles
equipamentos no porta-malas..." (História Real)
O pior mentiroso
é aquele que acaba acreditando na sua própria mentira.
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Nesta semana
lemos a Parashat Vayigash (literalmente "E se aproximou"). Após ter
testado seus irmãos por diversas vezes, para saber se eles estavam realmente
arrependidos por terem-no vendido como escravo, finalmente Yossef (José)
resolveu revelar-se aos seus irmãos, que ficaram em estado de choque. Yossef
tentou tranquilizá-los com palavras carinhosas, tentando convencê-los de que
tudo fazia parte de um plano maior de Elohim, que queria salvar toda a família
da fome que assolava a terra de Canaã.
Yossef os
instruiu a trazerem suas famílias para morarem com ele no Egito, onde teriam do
bom e do melhor. Mandou ainda presentes para seu pai e instruiu seus irmãos a
contarem que ele ainda estava vivo e que era o governante do Egito.
Porém, o que nos
chama a atenção foi a reação de Yaacov (Jacó). O esperado seria que ele pulasse
de alegria e chorasse de emoção ao escutar aquela notícia maravilhosa, de que
seu filho preferido estava vivo e bem. Porém, assim nos diz a Torá: "Mas
seu coração rejeitou isto, pois (Yaacov) não acreditou neles"
(Bereshit/Gênesis 45:26). O versículo está afirmando que quando os irmãos
contaram a Yaakov que Yossef ainda estava vivo, Yaacov não acreditou neles.
Mas por que
Yaacov não acreditou nos próprios filhos? O Midrash explica que "este é o
destino do mentiroso, mesmo quando fala a verdade ele não é acreditado".
Explica Rashi que, como eles haviam mentido para Yaakov anteriormente, dizendo
que Yossef havia sido devorado por uma fera do campo, Yaakov se recusou a
acreditar neles desta vez.
Porém, este
conceito parece contraditório com uma famosa passagem descrita no Livro de
Shoftim (Juízes). Shimshon (Sansão) foi um dos grandes juízes do povo
israelita. Para libertar o povo dos sofrimentos impostos pelos Plishtim
(Filisteus), Elohim deu a Shimshon uma força sobre-humana. Ele podia matar
centenas de soldados inimigos com as próprias mãos.
Sua esposa
Dalila tentou descobrir a fonte da sua grande força. Inicialmente Shimshon a
enganou, dando informações falsas. Porém, quando ele finalmente contou a ela a
verdadeira fonte de sua força, o versículo afirma que ela soube imediatamente
que ele não estava mentindo, como está escrito: "E Dalila viu que ele
havia lhe contado todo o seu coração" (Shoftim/Juízes 16:18). O Talmud
(Sotá 9b) comenta que a razão para ela ter acreditado é que "a verdade é
claramente discernível".
Portanto, por
que o Midrash afirma que Yaakov recusou-se a acreditar em seus filhos por causa
da mentira anterior que eles haviam contado, enquanto Dalila foi capaz de
discernir a verdade nas palavras de Shimshon, apesar de ele ter mentido
diversas vezes anteriormente? Como reconciliamos a contradição de que
"esse é o destino do mentiroso, mesmo quando fala a verdade ele não é
acreditado" e "a verdade é claramente discernível"?
Explica o Rav
Yohanan Zweig que existem dois tipos de mentirosos. Um é aquele cuja única
motivação é enganar o ouvinte com a falsidade que está transmitindo. O outro é
aquele que realmente acredita que a falsidade que está contando é verdade.
É interessante
perceber que a Torá utiliza dois termos diferentes para estes dois tipos de
mentirosos. Aquele que não acredita na sua própria mentira é chamado de
"Shakran", enquanto aquele que vive a sua própria mentira é chamado
de "Badaí". A linguagem de "Badaí" também é utilizada pelo
Talmud (Nedarim 10a) para descrever certas expressões formuladas pelos nossos
sábios que criam, através de um voto ou juramento, uma nova realidade, como
proibir a si mesmo algo que era permitido. Da mesma forma, assim também há
mentirosos que mudam a sua própria realidade através de suas mentiras.
Quando o
versículo está falando sobre os irmãos de Yossef e a recusa de Yaakov em
acreditar nas suas palavras, é porque eles eram "Badaim", isto é,
mentirosos que acreditavam na própria mentira e, portanto, o destino deles era
não serem acreditados nem mesmo quando falavam a verdade. Mas onde podemos
perceber que os irmãos de Yossef acreditavam na própria mentira que haviam
contado ao pai?
De acordo com os
comentaristas da Torá, os irmãos de Yossef achavam que ele era uma Rashá
(perverso) que merecia a pena de morte. Eles julgaram e consideraram Yossef
culpado. Explica o Rav Ovadia Sforno zt"l (Itália, 1475-1550) que a prova
de que eles consideraram sua atitude correta, de decretar uma pena de morte ao
próprio irmão, está nas palavras "e eles sentaram-se para comer pão"
(Bereshit/Gênesis 37:25). Isto ocorreu logo após os irmãos terem jogado Yossef
em um poço. Como pode ser que pessoas em um nível espiritual tão elevado podem
sentar-se tranquilamente para comer após atirarem o próprio irmão em um poço?
Não era esperado que eles fizessem um jejum de arrependimento por seu mau ato?
A resposta é que
eles estavam completamente convictos que haviam feito a coisa certa. E mesmo
quando eles decidiram vender Yossef aos Midianim (Midianitas), aos olhos deles
era a maneira pela qual eles poderiam cumprir a pena de morte sem precisar
realmente matar Yossef com suas próprias mãos. Por isso, quando os irmãos
informaram a Yaakov que Yossef havia morrido, eles estavam tão convictos de que
haviam feito a coisa certa que acreditavam que Yossef havia morrido de verdade.
Eles tinham certeza de que Elohim tinha pessoalmente cumprido a sentença de
morte por eles.
Isto explica a
diferença entre a reação de Yaacov e de Dalila. Os irmãos de Yossef eram
"Badaim", pois acreditavam em suas próprias falsidades e, consequentemente,
Yaakov não acreditou neles, pois as mentiras de uma pessoa que acredita em suas
próprias falsidades não podem ser distinguidas da verdade. Já em relação a
Shimshom, a Torá descreve que ele falava "kazav" (enganação) quando
tentou enganar Dalila. Nossos sábios explicam que "kazav" refere-se a
"sheker", significando que ele próprio não acreditava na mentira que
dizia e, portanto, quando ele disse a verdade, foi imediatamente discernível.
Este é um
ensinamento importante para as nossas vidas. A Torá não apenas nos proíbe de
falarmos mentira, mas nos comanda de uma maneira ainda mais veemente: "Se
afaste da mentira" (Shemot 23:7). Muitas vezes dizemos "pequenas
mentiras", como pedir ao filho para atender o telefone e dizer que não
estamos em casa. Apesar de parecer algo leve, é uma transgressão grave, pois
inclui também fazer com que nossos filhos se desviem do caminho da verdade e
aprendam que mentir é normal.
Porém, a pior
mentira é aquela que contamos para nós mesmos, para encontrarmos desculpas para
justificar os nossos maus comportamentos. Esta mentira é a mais grave, pois ela
torna-se verdade aos nossos olhos. Em um dos trechos do Vidui de Yom Kipur
dizemos "Tafalnu Sheker", que significa "nos anulamos perante a
mentira". Não apenas mentimos, mas vivemos as mentiras como se fossem
verdades. A verdade é a "marca registrada" de Elohim e da Torá. Toda
vez que somos verdadeiros e sinceros, nos conectamos a Ele. Mas quando
mentimos, nos afastamos de Elohim e de nós mesmos.
Por R' Efraim
Birbojm
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