A cada lançamento de uma nova tradução da Bíblia, podemos perceber sentimentos conflitantes. Alguns enaltecem a linguagem mais fácil e flexível, ou talvez a maior proximidade dos textos originais, outros fazem muito barulho, tentando evidenciar possíveis heresias.
Infelizmente, ao longo dos 2.000
anos de existência da igreja, pouco se evoluiu em matéria de apresentação de
uma tradução que seja desengajada da cultura da igreja. Queiramos ou não, a
“interpretação tradicional” está sempre por trás das traduções.
Daí a importância de analisarmos
o original.
O NOVO À LUZ DO ANTERIOR
O cerne da questão está na
abordagem errônea que é dada à interpretação da palavra do Eterno e que, por maior
estudo ou seriedade que se tenha, sempre culminará em traduções muito aquém do
original. O motivo está em uma regra básica que o Cristianismo tradicional
teima em não levar em consideração:
Toda nova escritura deve ser
entendida através dos olhos de revelações anteriores.
Ou seja, é o novo que deve ser
entendido à luz do antigo e não o inverso. Caso contrário, corremos o risco de
cair em contradição. Afinal, o Espírito não é o autor de confusão. A forma
tradicional de interpretar as escrituras, tendo como ponto de partida do
chamado “Novo Testamento”, e partindo daí para olhar o "Antigo", se
faz também presente nas traduções da Bíblia.
UM ERRO FATAL
Contudo, nenhum equívoco de
tradução é mais grave do que a de Hebreus 7.27. O que a princípio parece ser
apenas um pequeno erro dá margem para uma das maiores distorções naquela que é
a mais fundamental de todas as questões de nossa fé: a salvação.
Eis o texto, de acordo com a Nova
Versão Internacional:
"Ao contrário dos outros sumos sacerdotes, ele não tem necessidade de oferecer sacrifícios dia após dia, primeiro por seus próprios pecados e, depois, pelos pecados do povo. Ele se sacrificou pelos pecados deles quando a si mesmo se ofereceu."
Ora, se voltamos à Torah, não
vemos o Sumo Sacerdote oferecendo sacrifícios pelos seus próprios pecados dia
após dia. Isto ocorria apenas no Yom Kippur. Ao pesquisar a origem da expressão
“dia após dia” no grego, com o auxílio da concordância Strong, eis que encontro
duas expressões: kata (no. 2596 - que possui diversos significados) e hemera
(nº. 2250 – que significa dia).
De acordo com tal concordância, a
palavra kata pode ter os mais variados significados, dependendo do contexto. É
no mínimo estranho que nenhum dos possíveis significados encontrados no texto
bíblico bate com o que foi usado aqui. Em contrapartida, temos 107 usos desta
palavra no sentido “de acordo com” e ainda dois no sentido de “à maneira de”
(que no meu parecer são muito semelhantes).
Logo, a tradução correta seria:
"Ao contrário dos outros sumos sacerdotes, ele não tem necessidade de oferecer sacrifícios à maneira do dia [Yom Kippur] primeiro por seus próprios pecados e, depois, pelos pecados do povo. Ele se sacrificou pelos pecados deles quando a si mesmo se ofereceu."
O SACRIFÍCIO DO MESSIAS: QUE TIPO
DE SACRIFÍCIO?
Você deve estar se perguntando
qual a relevância teológica disto. Ora, a revelação é muito interessante. Este
versículo é usado como base da teologia cristã de que a morte do Messias
substitui todo sacrifício que era feito de acordo com a Lei Mosaica.
Contudo, se analisamos a Torah,
vemos que isso não faz o menor sentido, uma vez que há na Torah sacrifícios de
naturezas muito diferentes (até mesmo de ação de graças). O sacrifício do
Messias proporciona justificação perante o Eterno, conforme era feito no Yom
Kippur. Mas será que substituiu o sacrifício que era feito diariamente? Caso
não tenha substituído, por quê?
O TEMPLO DO MILÊNIO
Encontramos a explicação na visão
que o profeta Ezequiel teve do Templo do Milênio. Vale lembrar que se trata do
Templo que estará em funcionamento durante os mil anos em que o Messias Yeshua
reinará sobre a terra logo após sua segunda vinda.
Veja o que diz Ezequiel 45.17:
"Será dever do príncipe
fornecer os holocaustos, as ofertas de cereal e as ofertas derramadas, nas
festas, nas luas novas e nos sábados, em todas as festas fixas da nação de
Israel. Ele fornecerá as ofertas pelo pecado, as ofertas de cereal, os
holocaustos e as ofertas de comunhão para fazer propiciação em favor da nação
de Israel."
Observem que se continuarmos por
todo o relato da visão do Templo do Milênio, não encontramos menção do
sacrifício do Yom Kippur. Por quê? Porque o sacrifício permanente já foi feito
na cruz, não havendo necessidade de ser repetido em qualquer ocasião.
Mas por que então os sacrifícios
diários continuam no Templo do Milênio? A razão é simples, porém pode fazer
toda a diferença com relação ao nosso destino.
O QUE É O SACRIFÍCIO DIÁRIO?
Na realidade, o sacrifício diário
não tem por objetivo redimir ninguém do pecado [aliás, a melhor tradução do
Hebraico neste caso nem é “propiciação”, mas sim “reconciliação”]. Caso
contrário, seria uma redundância a existência do Yom Kippur. Para quê redimir
duas vezes pelo mesmo pecado? O que nos ensina a Torah é que o sacrifício
diário tinha por objetivo reconciliar o povo com o Eterno. Era um sacrifício de
arrependimento.
Este sacrifício era como que um
pedido de desculpas, mas não anulava o débito que a pessoa tinha com o Eterno
em termos de descumprimento da Lei. Isto era feito posteriormente no Yom
Kippur. Ou seja, o sacrifício diário era como se disséssemos ao Eterno que
tínhamos “pisado no tomate” (para citar uma expressão usada por meu velho pai).
Mesmo nos tempos da Torah, a
salvação sempre foi pela fé na graça do Eterno. Porém, fica bastante claro que,
embora o sacrifício permanente do próprio Eterno seja atemporal, ainda há a
necessidade de nos arrependermos.
O SACRIFÍCIO DIÁRIO E A IGREJA DO
MESSIAS
Mas qual a relevância disto para
nós?
Eu diria que há total relevância.
Infelizmente, nos tempos atuais, vemos uma versão “light” do evangelho sendo
pregada em diversos (supostos) púlpitos ao redor do mundo. Basta reconhecer que
Yeshua é o seu salvador que pronto, num passe de mágica, você se torna um feliz
ganhador da loteria divina que está distribuindo passes para a vida eterna.
Se o modelo de sacrifícios da
Torah foi construído para ensinar o caminho da vida eterna, fica claro que não
basta simplesmente reconhecer que Yeshua salva. É necessário arrependimento.
Assim como no Yom Kippur os pecados eram expiados após a pessoa ter se
reconciliado com o Eterno, nós também devemos buscar a reconciliação com Ele.
Muitas pessoas querem apenas "fugir do inferno", sem buscar tal
reconciliação. Isso torna ineficaz o sacrifício de Yeshua por nós.
Não estou dizendo com isto que se
não confessarmos todos os nossos pecados então iremos para o inferno. Mais uma
vez busquemos o modelo da Torah: dentre os sacrifícios diários, havia aqueles
que eram feitos para expiação de pecados cometidos em ignorância. Isto nos
mostra que o arrependimento não é por atos isolados, mas sim por nosso estado
pecaminoso.
Existe uma diferença crucial
entre aquele que foi salvo e luta com a própria carne para parar de cometer
determinados pecados (e que volta e meia acaba caindo) e aquele que
simplesmente se acha no direito de continuar pecando, quer por achar que no fim
“o Eterno perdoa mesmo” ou quer por tentar enganar a si mesmo repetindo que
“aquilo não é pecado” (como se a repetição por si só tivesse o poder de mudar o
que foi dito na palavra).
QUEM HERDARÁ O REINO?
É por isso que o Sha'ul [Paulo]
alerta em I Co 6.9-10 para o fato de que muitos pecadores não herdarão o Reino.
Não são pessoas que estão lutando e, por ainda serem fracos na fé, acabam
caindo. São pessoas que estão em rebeldia contra o Eterno.
Pessoas que acham que podem ser
seguidores do Messias e ainda frequentarem cartomantes, terem relações
homossexuais, serem devotos de “Nossa Senhora”, serem “espertos” em seus
negócios, entre outros. Tudo está bem para eles, afinal, consideram-se salvos
pelo sangue do Messias.
Infelizmente, os bancos das
igrejas (principalmente daquelas que insistem em não oferecer estudo sólido da
palavra) estão lotados de pessoas assim. Irmãos, não é à toa que João Batista
veio antes do Messias pregando o arrependimento!
Para que teria vindo se
pudéssemos nos achegar ao Altíssimo sem nos arrependermos por sermos pecadores?
Meus votos com este humilde estudo
são de que o Eterno nos abra os olhos para entendermos de que o sacrifício de
Yeshua não é um mero ticket para a "Disneylândia espiritual" como é
pregado por muitos falsos profetas. O sagrado e eterno sacrifício do Cordeiro é
um ato de reconciliação com o Eterno que exige da nossa parte que reconheçamos
nosso status de pecadores e aceitemos sua graça incomensurável.
Chesed v’Shalom Alechem! (Graça e
Paz sobre vocês)
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