A identidade é baseada na
narrativa que me liga ao passado, me guia no presente e que coloca sobre mim a
responsabilidade pelo futuro.
Contar histórias é uma parte
essencial da educação moral. É extraordinário como, à beira do êxodo, Moisés
três vezes se volta para o futuro e para o dever dos pais de educar seus filhos
sobre a história que em breve se desenrolaria:
E acontecerá que, quando vossos
filhos vos disserem: Que culto é este? Então direis: Este é o sacrifício da Páscoa
ao SENHOR, que passou as casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu aos
egípcios, e livrou as nossas casas. Então o povo inclinou-se, e adorou. (Êxodo
12:26,27)
E naquele mesmo dia farás saber a
teu filho, dizendo: Isto é pelo que o SENHOR me tem feito, quando eu saí do
Egito. (Êxodo 13:8)
E quando teu filho te perguntar
no futuro, dizendo: Que é isto? Dir-lhe-ás: O SENHOR nos tirou com mão forte do
Egito, da casa da servidão. (Êxodo 13:14)
Isso é realmente extraordinário.
Os israelitas ainda não emergiram à luz deslumbrante da liberdade. Eles ainda
são escravos. No entanto, Moisés já está direcionando suas mentes para o
horizonte do futuro e dando-lhes a responsabilidade de transmitir sua história
às gerações seguintes. É como se Moisés dissesse: esqueça de onde você veio e o
porquê, e você acabará perdendo sua identidade, sua continuidade e razão de
ser. Você passará a se considerar um mero membro de uma nação entre as nações,
uma etnia entre muitas. Esqueça a história da liberdade e você acabará perdendo
a própria liberdade.
Na verdade, raramente filósofos
escreveram sobre a importância de se contar histórias para a vida moral. No
entanto, é assim que nos tornamos as pessoas que somos. A grande exceção entre
os filósofos modernos foi Alasdair MacIntyre, que escreveu, em seu clássico
After Virtue: "Só posso responder à pergunta 'O que devo fazer?' se eu
puder responder à pergunta anterior 'De que história ou histórias eu faço parte?'
"Prive as crianças de histórias, diz MacIntyre, e você os deixa"
gagos e ansiosos em suas ações e palavras ". [1]
Ninguém entendeu isso mais
claramente do que Moisés, porque ele sabia que sem uma identidade específica
seria impossível não cair em qualquer que seja a idolatria atual da época -
racionalismo, idealismo, nacionalismo, fascismo, comunismo, pós-modernismo,
relativismo, individualismo, hedonismo ou consumismo, para citar apenas os mais
recentes. A alternativa, uma sociedade baseada apenas na tradição, desmorona
assim que o respeito pela tradição morre, o que sempre acontece em um estágio
ou outro.
A identidade, que é sempre
particular, é baseada na história, na narrativa que me liga ao passado, que me
guia no presente e que me liga ao futuro. E nenhuma história, pelo menos no
Ocidente, foi mais influente do que a do êxodo, a memória do poder supremo intervindo
na história para libertar os supremamente impotentes, junto com a aliança que
se seguiu pela qual os israelitas se vinculariam a Elohim em uma promessa para criar
uma sociedade que fosse o oposto ao Egito, onde os indivíduos fossem
respeitados como imagem de Elohim, onde um dia em cada sete todas as
hierarquias de poder fossem suspensas e onde a dignidade e a justiça fossem
acessíveis a todos. Nunca chegamos a esse estado ideal, mas nunca paramos de
viajar em direção a ele e acreditamos que ele estará lá no final da jornada.
"Os judeus sempre tiveram
histórias para o resto de nós", disse o correspondente político da BBC,
Andrew Marr. O que outras culturas fizeram por meio de sistemas, os judeus
fizeram por meio de histórias. E no judaísmo, as histórias não são gravadas em
pedra em memoriais, por mais magníficos que sejam. Eles são contados em casa,
ao redor da mesa, de pais para filhos como um presente do passado para o
futuro. É assim que a narração de histórias no judaísmo foi devolvida,
domesticada e democratizada.
Apenas os elementos mais básicos
da moralidade são universais: abstrações "tênues" como justiça ou
liberdade, tendem a significar coisas diferentes para pessoas diferentes em
lugares e tempos diferentes. Mas se queremos que nossos filhos e nossa sociedade
sejam morais, precisamos de uma história coletiva que nos diga de onde viemos e
qual é a nossa tarefa no mundo.
Existem histórias que enobrecem e
outras que embrutecem, deixando-nos prisioneiros de antigas queixas ou ambições
impossíveis. A história judaica é, à sua maneira, a mais antiga de todas,
embora sempre se mantenha jovem e onde cada um de nós faz parte dela. Ela nos
conta quem somos e quem os nossos antepassados esperavam que seríamos. Contar
histórias é o grande veículo de educação moral.
Foi a percepção da Torá que um
povo contou a seus filhos a história da sua liberdade e suas responsabilidades,
permanecendo livre enquanto a humanidade viver, respirar e esperar.
Rabino Lord Jonathan Sacks
Texto adaptado por Francisco Adriano Germano
NOTA
1. Depois da virtude, 201.

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