Ao contrário do calendário
judaico moderno, que se baseia em complexos cálculos matemáticos estabelecidos
há quase dois mil anos, o calendário bíblico era fundamentado na observação
direta dos ciclos lunares.
A cada mês, duas testemunhas
precisavam confirmar visualmente a aparição da lua nova para que um tribunal
religioso declarasse o início do novo mês, chamado de Rosh Chodesh. Essa
prática, que perdurou por séculos, foi abandonada em favor de um sistema que
permitisse aos rabinos intercalarem dias específicos, mais alinhados a tradição
do que ao mandamento bíblico.
A observação da Lua Nova era um
pilar fundamental da vida judaica, e as testemunhas que a atestavam
desempenhavam um papel vital. Essas pessoas, de notável integridade e com
qualificações comparáveis aos líderes religiosos descritos em 1 Timóteo 3,
tinham a responsabilidade de anunciar o início de um novo mês ao Sinédrio, o
mais alto tribunal religioso.
A relevância desse evento era tal
que, em casos excepcionais, as testemunhas eram autorizadas a realizar longas
viagens a cavalo, mesmo no sábado, demonstrando a importância atribuída à
observância precisa do calendário lunar.
A Lua Nova era um marco temporal
indispensável para a prática religiosa dos hebreus. A razão para essa
importância reside no mandamento divino de observar os Moedim (Tempos
Apontados), também chamados de Haggim (Festivais), em datas específicas.
Cada um desses festivais, como o
Yom Kippur (Dia da Expiação), tinha um dia exato para ser celebrado, conforme
estabelecido por Elohim. Por exemplo, o Yom Kippur sempre ocorria no décimo dia
do sétimo mês.
A determinação precisa do início
de cada mês lunar era uma tarefa do Sinédrio, o mais alto tribunal religioso
judeu da época. Se porventura o Sinédrio errasse na contagem dos dias e
declarasse o início do novo mês em uma data incorreta, toda a comunidade de
Israel poderia acabar celebrando os festivais nos dias errados. Imagine a
situação de jejuar no dia anterior ao Yom Kippur ou, pior ainda, de se
alimentar no dia do jejum, descumprindo o mandamento divino.
Um exemplo claro disso é a
celebração da Páscoa (Pessach), que, segundo a tradição judaica, deve ocorrer
no dia 14 do mês de Aviv (Nisan). Imagine a complexidade de determinar em qual
dia da semana a Páscoa cairia no mês anterior. Isso era praticamente impossível
até que o Sinédrio declarasse oficialmente o início do mês de Aviv. Somente
após essa declaração, baseada em observações astronômicas e testemunhos, é que
se poderia calcular com precisão em qual dia da semana cada festividade daquele
mês aconteceria.
Esse processo precisava ser
repetido a cada mês, demonstrando a importância da declaração do Sinédrio para
a organização do calendário judaico e a celebração precisa das festas
religiosas.
O sétimo mês (Tishrei) do
calendário judaico, concentra um período intenso de celebrações e reflexões
espirituais. Este mês abriga três festividades interligadas, cada uma com suas
particularidades e significados profundos.
O primeiro festival ocorre já no
primeiro dia do mês, o que, naturalmente, também seria um Rosh Chodesh ou Lua
Nova. Esta solenidade é chamada de Rosh Hashaná, que na tradução literal significa
“cabeça do ano”, e é celebrada como Ano Novo na tradição rabínica.
Porém, segundo a Torah, esta
solenidade é conhecida por outro nome (devido as ações que são realizadas nesse
dia), como Yom Teruah, que significa o dia do brado, não tendo nenhuma
indicação de que seja uma celebração de ano novo, uma vez que a Torah
especifica o mês de Aviv (Pessach), como princípio do ano.
Dez dias após Yom Teruah, chega o
Yom Kippur, o Dia do Perdão. Considerado o dia mais sagrado do ano, é um dia de
jejum e intensa oração, dedicado ao arrependimento e à busca pela reconciliação
com Elohim e com o próximo. Neste dia, os judeus pedem perdão por seus pecados
e buscam renovar seu compromisso com os mandamentos divinos.
Cinco dias após Yom Kippur, tem
início o Festival de Sucot, a Festa dos Tabernáculos. Sucot dura sete dias,
durante os quais os judeus constroem e habitam na suka, cabana coberta de
ramos, em memória do período em que os israelitas vagaram pelo deserto após a
saída do Egito. Sucot é uma celebração da colheita e da dependência de Elohim
para a provisão de todas as necessidades.
Ao final dos sete dias de Sucot,
é celebrado o Shimini Atzeret, o "Oitavo Dia da Assembleia". Este dia
é considerado separado dos sete dias de Sucot, mas está ligado a ele. Shimini
Atzeret é um dia de alegria e celebração, marcado pela leitura da Torá e pela
renovação dos votos feitos em Yom Kippur.
A singularidade de Yom Teruah
residia na sua natureza imprevisível. Diferentemente das outras festividades,
que possuíam datas fixas no calendário, Yom Teruah estava diretamente ligado ao
ciclo lunar. A incerteza quanto ao dia exato da sua celebração era deliberada,
pois a sua data era anunciada pelo Sinédrio somente após a confirmação da
visibilidade da Lua Nova no sétimo mês.
Essa característica conferia a
Yom Teruah um caráter especial, tornando-o um evento aguardado com expectativa
e marcado por um senso de renovação espiritual.
Falemos agora sobre o papel que o
Sinédrio desempenhava na determinação do calendário bíblico. Mas o que viria a
ser essa instituição?
O Sinédrio foi a suprema corte e
o principal conselho judicial e religioso dos judeus durante o período do
Segundo Templo, até a destruição deste em 70 d.C. Sua origem remonta às
instruções dadas por Elohim a Moisés no deserto, estabelecendo um sistema de
governo e justiça entre o povo de Israel.
A fundação do Sinédrio pode ser
relacionada com o episódio em que Moisés, sobrecarregado pela responsabilidade
de julgar e guiar o povo, recebeu instruções de Elohim para designar líderes
que o ajudassem. Em Êxodo 18:13-26, o sogro de Moisés, Jetro, sugere que Moisés
delegue autoridade a homens capazes, para que julguem o povo em questões
menores, enquanto Moisés se concentraria nos casos mais graves. Moisés, seguindo
o conselho de Jetro e a orientação divina, escolhe homens sábios para essa
função.
Mais tarde, em Números 11:16-17, Elohim
ordena a Moisés que reúna setenta anciãos de Israel, homens respeitados e
líderes entre o povo, para ajudá-lo a carregar o fardo da liderança. Elohim
concede a esses anciãos o Espírito que estava sobre Moisés, compartilhando
assim a responsabilidade de liderança e julgamento. Esses setenta anciãos são
frequentemente vistos como precursores do Sinédrio.
Com o tempo, essa estrutura
evoluiu para o Sinédrio dos tempos de Yeshua, que assumiu um papel central na
vida religiosa, judicial e política de Israel. Durante o período do Segundo
Templo, o Sinédrio era composto por setenta membros, mais o sumo sacerdote,
totalizando setenta e um. Estes membros incluíam saduceus, fariseus e escribas,
representando diversas facções e grupos dentro da comunidade judaica.
A autoridade do Sinédrio foi
reconhecida como derivada de Elohim, baseada na tradição mosaica de delegar
responsabilidades a líderes escolhidos e ungidos para cuidar do povo de Israel.
Eles eram responsáveis por questões que iam desde a interpretação da Lei até a
supervisão do Templo e julgamentos em casos de grande importância:
Quando alguma coisa te for
difícil demais em juízo, entre sangue e sangue, entre demanda e demanda, entre
ferida e ferida, em questões de litígios nas tuas portas, então te levantarás,
e subirás ao lugar que escolher YHWH teu Elohim; E virás aos sacerdotes
levitas, e ao juiz que houver naqueles dias, e inquirirás, e te anunciarão a
sentença do juízo. E farás conforme ao mandado da palavra que te anunciarem no
lugar que escolher YHWH; e terás cuidado de fazer conforme a tudo o que te
ensinarem. Conforme ao mandado da lei que te ensinarem, e conforme ao juízo que
te disserem, farás; da palavra que te anunciarem te não desviarás, nem para a
direita nem para a esquerda. O homem, pois, que se houver soberbamente, não
dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir a YHWH teu Elohim, nem ao
juiz, esse homem morrerá; e tirarás o mal de Israel; Para que todo o povo o
ouça, e tema, e nunca mais se ensoberbeça.
Deuteronômio 17:8-13
Este tribunal na terra, autorizado por Elohim,
é modelado segundo a corte celestial. A corte celestial é supervisionado por
YHWH, como dito pelo profeta Daniel:
Eu continuei olhando, até que
foram postos uns tronos, e um ancião de dias se assentou; a sua veste era
branca como a neve, e o cabelo da sua cabeça como a pura lã; e seu trono era de
chamas de fogo, e as suas rodas de fogo ardente. Um rio de fogo manava e saía
de diante dele; milhares de milhares o serviam, e milhões de milhões assistiam
diante dele; assentou-se o juízo, e abriram-se os livros.
Daniel 7:9,10
Yeshua também falou da corte
celestial em relação a um tribunal que foi instituído na congregação
escatológica. Esta congregação é o corpo de crentes que receberiam a Ruach
HaKodesh, o Espírito da Santidade, em Shavuot, após a ressurreição de Yeshua.
Era justamente dessa congregação escatológica que Yeshua se referia quando se
dirigiu a Pedro:
Pois também eu te digo que tu
és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno
não prevalecerão contra ela; E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo
o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra
será desligado nos céus.
Mateus 16:18,19
Muitos cristãos atuais utilizam
os termos 'ligar' e 'desligar' de forma ampla, aplicando-os a práticas
espirituais como a prisão de Satanás ou a libertação de bênçãos. No entanto,
essa aplicação nem sempre se alinha com o sentido original desses termos nas
Escrituras, que possuem um significado mais específico relacionado à autoridade
da igreja.
Na verdade, esses termos 'ligar'
e 'desligar' utilizados na época de Yeshua tinham uma conotação judiciária,
especificamente relacionada às funções do Sinédrio. A responsabilidade primária
do Sinédrio era interpretar e aplicar a Torah nas decisões que afetavam o povo.
Assim, quando o Sinédrio declarava o início de um novo mês, essa decisão tinha
força de lei para todo o povo de Israel.
No entanto, é importante
ressaltar que a autoridade do Sinédrio não era absoluta. Qualquer decreto que
entrasse em conflito com a Torah era considerado inválido e não deveria ser
obedecido.
Então chegaram ao pé de Yeshua
uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: Por que transgridem os teus
discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos quando comem pão.
Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento
de Elohim pela vossa tradição? Porque Elohim ordenou, dizendo: Honra a teu pai
e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá. Mas vós
dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias
aproveitar de mim; esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe, E assim
invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Elohim.
Mateus 15:1-6
Ao contrário do calendário judaico que
utilizamos hoje, o calendário na época de Yeshua era bem mais flexível e
dependia diretamente da observação lunar. O Sinédrio tinha a autoridade de
declarar o início de cada novo mês lunar. Essa decisão era crucial, pois
marcava o começo de diversas festividades religiosas.
E para comunicar essa decisão a
toda a população, um elaborado sistema de sinalização era empregado.
Imediatamente após o decreto do Sinédrio, fogueiras eram acesas no topo de
montanhas estratégicas. Essa primeira fogueira servia como um sinal para as
comunidades mais próximas. Em seguida, como uma espécie de revezamento, outras
fogueiras eram acesas em montanhas sucessivas, transmitindo a notícia para
regiões cada vez mais distantes. Esse sistema de sinalização visual garantiu
que a população judaica, mesmo em áreas remotas, pudesse sincronizar seus
calendários e celebrar as festas religiosas no momento exato.
Infelizmente, a paz da celebração
da Lua Nova foi abalada pelas artimanhas de seus inimigos. Os samaritanos, em
uma tentativa de confundir e causar sofrimento, manipulavam a data da
celebração, acendendo fogueiras em momentos inapropriados. Essa prática causava
grande desordem e angústia em toda a comunidade judaica.
Diante desse cenário, os sábios,
liderados por Hillel II, demonstraram grande sabedoria e inovação. Através de
minuciosos cálculos matemáticos, estabeleceram um método preciso para
determinar a chegada da Lua Nova, tornando a celebração independente das observações
visuais e imune às manipulações externas. Essa inovação garantiu a continuidade
da celebração, mesmo diante de adversidades externas, e se tornou um marco
importante na história do judaísmo.
Esse novo calendário judaico,
além de ser uma ferramenta para calcular com precisão a ocorrência da lua nova,
representou uma significativa mudança na forma como os judeus observavam suas
festas religiosas.
A nova sistemática incorporou
regras que visavam evitar que determinadas celebrações caíssem em dias da
semana considerados inapropriados para determinados ritos. Dessa forma, o
Hoshanna Rabá, por exemplo, nunca coincidiria com o sábado, e o Yom Kippur, com
a sexta-feira. Essa alteração, embora justificada por razões práticas e pela
busca por uma maior harmonia entre a vida religiosa e a vida cotidiana,
implicou em uma certa flexibilização da interpretação tradicional das
Escrituras. Afinal, a Bíblia estabelece datas precisas para a celebração dos
festivos, e o novo calendário, ao permitir ajustes nessas datas, abriu espaço
para uma discussão sobre a natureza exata da observância desses mandamentos
divinos.
Cada Moed, ou solenidade bíblica,
representa um marco fundamental na jornada de redenção do homem e da terra,
intimamente ligada à pessoa e obra de Yeshua. Essas datas sagradas não são
meras celebrações, mas momentos em que o Messias interage diretamente com a
humanidade, revelando aspectos cruciais de Seu plano de salvação.
A morte de Yeshua na Páscoa, Seu
sepultamento durante os Dias dos Pães Ázimos e Sua ressurreição no primeiro dia
da Festa das Primícias demonstram a perfeita sincronia entre a profecia e o
cumprimento messiânico. A subsequente descida do Espírito Santo no Shavuot
marcou o início da era da Igreja, capacitando os discípulos a serem testemunhas
do Reino de Elohim que, de forma espiritual, já havia começado a habitar nos
corações dos homens.
Os festivais de outono, por sua
vez, antecipam a gloriosa volta de Yeshua, cada um revelando um aspecto
distinto de Sua segunda vinda e do estabelecimento do Reino messiânico aqui na
terra. Assim, os Moedim não são apenas celebrações históricas, mas também
proféticas, apontando para a consumação final dos propósitos de Elohim.
Ao proferir o Sermão do Monte, Yeshua
não apenas ensinou sobre os princípios do Reino de Elohim, mas também ofereceu
pistas sobre Seu retorno futuro. A menção da Sua vinda em um dia e hora
desconhecidos, aliada ao contexto cultural judaico da época, leva a crer que
Ele estava fazendo uma alusão à Festa das Trombetas (Yom Teruah).
Ao comparar Seu retorno a essa
festividade, Yeshua destaca que, assim como a hora exata do toque das trombetas
que anunciam Yom Teruah é incerta, também o momento exato de Sua volta é
desconhecido. Essa analogia reforça a necessidade de vigilância constante por
parte dos discípulos.
Mas daquele dia e hora ninguém
sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente meu Pai.
Mateus 24:36
A data exata do Yom Teruah que
marcará o início do reino milenar é incerta devido à complexidade do calendário
judaico. A coincidência entre este calendário, o Yom Teruah e o decreto
celestial é um fator crucial para determinar este momento. Assim as variáveis
astronômicas e religiosas envolvidas tornam essa previsão imprecisa.
Mas, irmãos, acerca dos tempos
e das estações, não necessitais de que se vos escreva; porque vós mesmos
sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; Pois que,
quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição,
como as dores de parto àquela que está grávida, e de modo nenhum escaparão. Mas
vós, irmãos, já não estais em trevas, para que aquele dia vos surpreenda como
um ladrão; porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos
da noite nem das trevas. Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e
sejamos sóbrios; porque os que dormem, dormem de noite, e os que se embebedam,
embebedam-se de noite. Mas nós, que somos do dia, sejamos sóbrios, vestindo-nos
da couraça da fé e do amor, e tendo por capacete a esperança da salvação;
Porque Elohim não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação,
por nosso Senhor Yeshua HaMashiach, que morreu por nós, para que, quer
vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele. Por isso exortai-vos uns
aos outros, e edificai-vos uns aos outros, como também o fazeis.
1 Tessalonicenses 5:1-11
A busca por datas exatas para
eventos futuros é um exercício fútil. O que importa é entender o significado
dos tempos em que vivemos e como podemos alinhar nossas vidas com a vontade de Elohim.
A cada dia, somos chamados a viver à luz das Escrituras, confiantes de que o
Senhor cumprirá todas as Suas promessas no tempo determinado por Ele.
Hatikva Ministries e Joseph Good
Texto revisado e adaptado por Francisco Adriano Germano
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