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QUEM NÃO DESISTE CHEGA LÁ

 


Certo dia, o pai de Carlos (rapaz que havia acabado de tirar sua carteira de motorista), quis sair com seu filho para que ele aprendesse a dirigir em uma estrada e ganhasse mais experiência. Porém, eles foram pegos de surpresa por uma forte tempestade. Carlos, assustado, perguntou ao pai: "O que eu devo fazer, pai? Estou com medo!". O pai disse: "Continue dirigindo, firme e com atenção".

 

O carro começou a ser empurrado para o lado pelo forte vento, pois a tempestade estava ficando cada vez pior. "O que eu devo fazer?", perguntou Carlos novamente, ainda mais assustado. "Mantenha os olhos na estrada e segure firme o volante", respondeu o pai.

 

Alguns metros adiante, Carlos notou que até mesmo os grandes caminhões estavam parando por causa da tempestade. Ele pensou em parar e disse ao seu pai: "Pai, eu acho melhor parar, mal posso ver o que está na frente do carro. Todo mundo está parando!". Seu pai então lhe disse: "Não desista, continue dirigindo!".

 

Agora a tempestade estava terrível, mas Carlos não parou de dirigir. Algum tempo depois, o céu começou a clarear. Depois de poucos quilômetros, a chuva tinha passado e um sol firme brilhava. Seu pai então disse: "Agora você pode encostar e sair". Carlos não entendeu e perguntou: "Mas por que agora, pai, que a chuva já passou?". Seu pai então abriu um sorriso e explicou:

 

- Quando você sair, olhe para trás. Você verá que todas as pessoas que desistiram ainda estão na tempestade. Mas como você não desistiu, para você a tempestade já acabou. Você conseguiu. Assim é a vida, filho".

 

Com a mesma perseverança deve se comportar aquele que deseja adquirir espiritualidade. Apesar das dificuldades que a vida nos apresenta, somente aquele que não desiste alcança seus objetivos.

 


A Parashá desta semana, Tetzavê (literalmente "Ordene") continua falando sobre o Mishkan (Templo Móvel) e os serviços espirituais feitos nele. A Parashá dá uma ênfase especial às roupas que o Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) utilizava durante os serviços feitos no Mishkan, entre eles o acendimento diário da Menorá.

 

A Parashá começa justamente descrevendo o azeite que era utilizado no acendimento da Menorá, como está escrito: "Azeite de oliva puro, prensado, para a iluminação, para acender a luminária constantemente" (Shemot/Êxodo 27:20). Cada detalhe deste versículo nos ensina algumas das Halachót (Leis) referentes ao azeite que deveria ser produzido para acender a Menorá. Por exemplo, quando a Torá diz que o azeite deveria ser "puro", significa que ele deveria estar livre de qualquer tipo de sedimento. Já o conceito de ser "prensado" nos ensina que a azeitona deveria ser prensada manualmente, de forma que apenas a primeira extração[1] que saísse fosse utilizada para o acendimento da Menorá. Depois disso, a azeitona era colocada em um moinho para que o resto do azeite saísse, mas este azeite produzido no moinho não podia ser utilizado para acender a Menorá, podendo ser utilizado somente como parte da oferenda de "Minchá", composta por farinha, azeite e incenso.

 

Na prática, o que isto significa? Que se tivéssemos diante de nós dois potes de azeite, visualmente iguais em pureza e cor, e com o mesmo gosto, sendo que a única diferença entre eles era que um foi preparado através de um trabalho braçal, sendo a azeitona esmagada manualmente, enquanto o outro foi preparado através do esmagamento da azeitona em um moinho, o primeiro poderia ser utilizado para o acendimento da Menorá, enquanto o segundo poderia ser utilizado apenas para a oferenda de Minchá. Porém, se os dois azeites eram visualmente iguais, por que esta diferença? E o que isto tem de implicação prática em nossas vidas?

 

Explica o livro Lekach Tov que o Mishkan, com cada um dos seus detalhes, tinha incríveis paralelos com o ser humano. Portanto, a resposta de qual é a diferença entre os dois tipos de azeite está no entendimento do que a Menorá e a oferenda de Minchá simbolizam. A luz da Menorá simboliza a Torá, pois a Torá é comparada com uma luz que ilumina a escuridão, associada com a falta de conhecimento e a ignorância. Portanto, a Menorá simboliza as forças intelectuais que foram dadas ao ser humano, os utensílios que foram preparados para receber a sabedoria e o conhecimento. Por isso, cada um dos detalhes em relação ao azeite da Menorá certamente traz ensinamentos em relação ao nosso estudo de Torá.

 

Um dos detalhes diz respeito às condições necessárias para a produção do azeite. Ele deve ser completamente puro, sem sedimentos e sem a presença de qualquer elemento estranho misturado. Isso se aplica ao nosso estudo de Torá, que deve ser puro, sem a mistura de ideias estranhas. Da mesma maneira que a boa qualidade do azeite é uma garantia de que a chama acesa com ele será clara e estável, também devemos ser rigorosos com a qualidade do "alimento" espiritual que servimos ao nosso intelecto, para que possamos criar e materializar uma forma correta e clara de como enxergamos a vida. Uma pessoa que se expõe a ideias e imagens que vão contra a Torá durante o seu dia, mesmo que seja em seu ambiente de trabalho, certamente sofrerá uma influência espiritual negativa quando for estudar Torá.

 

Há outro tipo de interferência negativa que também tem atrapalhado muito o nosso estudo de Torá atualmente. Talvez um dos maiores desafios da nossa geração é o uso desequilibrado do nosso celular. Não conseguimos ter nem mesmo 10 minutos de estudo de Torá "puro", pois a cada instante o celular atrapalha a nossa concentração. Interrompemos no meio do estudo para responder mensagens de assuntos que nada tem a ver com espiritualidade, inserindo no nosso estudo de Torá "sedimentos estranhos", que deixam a nossa Torá longe da pureza desejada.

 

O segundo detalhe diz respeito à forma de preparo do azeite, que deve ser manualmente prensado. Isto é uma indicação da única forma possível de adquirirmos a Torá. Os reis deixam as suas coroas aos seus filhos e os ricos deixam suas fortunas aos seus herdeiros, mas a Torá não é passada por herança para as futuras gerações. Não importa quem são os bisavôs, avôs ou os pais de cada um. Não importa quantas gerações de grandes rabinos haja em uma família, cada um precisa investir e se esforçar para adquirir sua própria Torá.

 

Isto também está indicado em uma pequena diferença de linguagem que percebemos na descrição dos utensílios utilizados no Mishkan. Em todos os utensílios, como a Shulchan (mesa de madeira coberta com ouro), a Torá escreveu no singular, "Faça", mas em relação ao Aron HaKodesh, a Arca Sagrada que continha a Torá, está escrito "Façam", no plural. A Shulchan representa a fartura econômica e, por isso, em relação à Shulchan está escrito no singular, pois a "mesa farta" que uma única pessoa conseguiu erguer pode ser passada como herança para muitas futuras gerações. Já em relação ao Aron HaKodesh, que representa a Torá, está escrito no plural, para nos ensinar que não há herança e, por isso, todo aquele que quer Torá precisa vir pessoalmente se esforçar para adquiri-la.

 

Isto nos ensina que todos estão obrigados a pessoalmente se esforçar para adquirir sabedoria e espiritualidade. Somente depois de construir seu próprio utensílio para absorver a Torá e sua sabedoria é que recai sobre a pessoa a Brachá de Adonai e seu intelecto pode brilhar. Quando é necessário, uma fagulha de "luz" vem do Céu, porém, o material que serve de "combustível" deve estar pronto dentro da pessoa. Isto também acontecia com a Menorá, pois caso suas luminárias se apagassem, era trazido fogo do Mizbeach (Altar) de sacrifícios, que ficava constantemente acesso. De onde vinha este fogo do Mizbeach? De um fogo divino, que desceu do céu no momento da inauguração do Mizbeach.

 

A diferença entre fabricar azeite em uma prensa manual e através de um moinho é que a prensa manual exige muito esforço, enquanto no moinho o próprio peso da pedra esmaga as azeitonas, sem a necessidade de nenhum esforço. Da mesma forma que o azeite para o acendimento da Menorá deveria ser fabricado com a azeitona prensada manualmente, e não em um moinho, também a Torá somente pode ser adquirida com muito esforço, constância e sacrifício, conforme nos ensina o Talmud [2]:

 

"Se uma pessoa te disser 'Eu me esforcei, mas não consegui alcançar', não acredite. Mas se alguém te disser 'Eu me esforcei e consegui alcançar', acredite".

 

O Talmud chega à conclusão de que isto se refere à aquisição de conhecimentos espirituais, porém não se aplica aos negócios. Há muitas pessoas que enriquecem sem muito esforço. Há pessoas que herdam fortunas milionárias do dia para a noite. Porém, isto não se aplica à espiritualidade.

 

Esta era a grande diferença entre o azeite utilizado na Menorá e na oferenda de Minchá. A oferenda de Minchá era oferecida como parte da fartura que a pessoa havia recebido de Elohim, e não obrigatoriamente isto era conseguido com esforço. Por isso, o azeite podia ser preparado em um moinho, onde o peso do moinho fazia com que o azeite saísse sozinho, sem esforço. Já o azeite da Menorá só poderia ser produzido com esforço físico, em uma prensa manual, para nos transmitir que não há conquista espiritual sem esforço.

 

A vida é feita de muitos testes. Muitas vezes, quando tentamos crescer espiritualmente, ventos e tempestades tentam nos tirar da estrada. Muitos acabam parando, desistindo do seu crescimento. Porém, aqueles que não desistem, aqueles que se esforçam mesmo quando todos em volta já pararam, alcançam o seu objetivo.

 

R' Efraim Birbojm 


Notas:

 

[1] No texto original é empregado a palavra gota

[2] Meguilá 6b


O artigo original poderá ser lido em: http://ravefraim.blogspot.com/

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