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CALANDO A RUACH

 


“Não te apoies em riquezas injustas, pois de nada te valerão no dia da desgraça. Não peneires o trigo a todo vento e não andes por todos os caminhos: é assim que todo pecador se dá a conhecer pela duplicidade da língua. Sê firme na tua convicção, na verdade da tua convicção e no teu conhecimento; e te acompanhe a Palavra do shalom e da justiça.” (Ben Sirach/Eclesiástico 5:10-12)

 

As palavras de Ben Sirach são simples, porém profundas. Pois refletem o que deve ser a realidade espiritual do nosso dia a dia: Devemos ser governados pelo princípio da ética constante, em todos os momentos de nossas vidas.

 

A cada dia que passa, as pessoas querem mais viver o lado espiritual da Bíblia, sem se preocuparem com a transformação de vida que a Bíblia se propõe a fazer. E cada vez mais a moral da Bíblia é relativizada.

 

Quando Yeshua estava prestes a deixar o mundo, Ele nos disse:

 

“E quando [A Ruach] vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo.” 

(Yochanan/João 16:8)

 

Um dos papéis da Ruach HaKodesh (Espírito de Santidade) é o agir como uma constante avaliadora de nossas ações, que é capaz de nos convencer de nossos pecados.

 

Muitas vezes, tentamos enganar a nós mesmos com raciocínios perfeitamente lógicos para deixarmos a moral de lado. Cometemos pequenos deslizes, delitos, e por muitas vezes agimos para com o próximo de uma forma pouco ética. Somos brilhantes na nossa capacidade de justificarmos tudo isso com raciocínios tão belos que parecem a defesa preparada pelo melhor advogado do país.

 

Mesmo assim, não somos capazes de enganar a Ruach HaKodesh (Espírito de Santidade), e a Ruach produz dentro de nós aquela pontinha de incômodo que tentamos abafar. Dizemos para nós mesmos que é bobagem e que estamos certos. Mas em nosso íntimo, a Ruach (Espírito) nos diz que não estamos sendo éticos no nosso agir.

 

Muitas vezes, não entendemos o porquê de nossa espiritualidade não estar boa, ou o porquê de não ouvirmos a voz de Elohim, e a resposta pode estar no fato de que calamos a voz interior da Ruach HaKodesh (Espírito de Santidade) dentro de nós. Nós a calamos com nossas “razões,” nossos raciocínios, nossos pretextos, e nossas justificativas (que muitas vezes se baseiam no cisco que está no olho do outro). Quer por medo de enfrentarmos nossas falhas, ou por orgulho, ou qualquer outro motivo, calamos a voz que testifica contra nossas transgressões.

 

O que não percebemos é que além dessa atitude prejudicar nossa espiritualidade, ela também pode prejudicar e comprometer o nosso testemunho da Torá de Yeshua.

 

O Dubner Maguid, um famoso rabino contador de parábolas, narra o seguinte evento:

 

“Certa vez um Rebe de uma Yeshivá (escola rabínica) decidiu levar seus alunos para uma caminhada pela floresta. ‘Agora, meninos,’ ele lhes disse, ‘nós andaremos através da floresta, e existe uma grande chance de encontrarmos cães selvagens. Bem, meninos, não temam! Tudo o que vocês precisam fazer se encontrarem cães selvagens é recitarem o passuk (versículo): Mas entre todos os filhos de Israel nem mesmo um cão moverá a sua língua. (Ex. 11:7) E assim nenhum mal nos virá. Vocês compreenderam?’ Apenas para se certificar, o Rebe os fez repetir o passuk (versículo) para ele. E quando ficou satisfeito, ele confiantemente conduziu sua classe pela floresta. Evidentemente, eles nem chegaram a andar muito, quando encontraram um covil de cães selvagens e ferozes e nenhum deles ficou muito satisfeito com seus intrusos. Os cães começaram a latir e a uivar, fazendo com que uma onda de medo penetrasse os corações dos jovens alunos e de seus mestres. Todos os olhos se voltaram para o Rebe – que, por sua vez, já estava a uns 20 metros de lá, correndo para a segurança o mais rápido que podia. Lembrando-se de seus alunos, ele gritou por cima do ombro enquanto corria: ‘Corram para salvarem suas vidas!’ Eles saíram da floresta e encontraram o seu Rebe ainda trêmulo de medo, enquanto ofegava por causa do incidente. ‘Mas Rebe’, eles perguntaram, ‘por que o senhor correu daquela maneira? O senhor disse que tudo o que precisávamos fazer era recitar o passuk (versículo) e estaríamos seguros! É claro que tudo o que vocês precisam fazer é recitarem o passuk (versículo)!’ disse o Rebe. ‘Mas que condições eu tenho de recitar o passuk (versículo) se aquele cão louco me perseguindo não me deixava dizê-lo?!’”

 

Nesta parábola bem-humorada, a moral da história é simples: se você se pergunta o porquê alguém não aceita a mensagem da Palavra que você anuncia, talvez a resposta possa estar dentro de você.

 

Mesmo que o Rebe da parábola ficasse parado, seus alunos perceberiam o medo transpirando nele. E esse medo abalaria sua confiança. Da mesma forma, se nossa vida não está condizente com a mensagem que anunciamos, e se somos inconstantes no Caminho de YHWH, as outras pessoas serão capazes de perceber.

 

Todos temos sentidos que captam elementos que o outro transmite inconscientemente. Por exemplo, mesmo quando o outro sorri, somos capazes de perceber se ele está irritado. Somos capazes de perceber cansaço, aborrecimento, e muitas vezes até mesmo se o outro está ocultando algo de nós.

 

Da mesma forma, temos também a capacidade de captarmos a realidade espiritual uns dos outros. Muitos pensam na espiritualidade como algo unicamente vertical – isto é, unicamente da relação entre nós e Elohim.

 

Porém, a espiritualidade também é horizontal. Somos capazes de captar a espiritualidade daqueles que estão ao nosso redor. Por isso, se oramos em grupo, muitas vezes somos fortalecidos. Semelhantemente, se estamos próximos a alguém cuja vida espiritual é dedicada ao maligno, sentiremos o peso de sua negatividade.

 

Sendo assim, outros seres humanos são capazes de sentir e perceber a nossa espiritualidade. Os outros são capazes de perceber se o nosso discurso não condiz com a realidade de nossas vidas. Mesmo que o outro não seja capaz de explicar o que sentiu, ele não se sentirá confiante em suas palavras, nem que tais palavras sejam capazes de produzir vida. Assim como na parábola, os alunos jamais conseguirão ser inspirados na fé, se o próprio mestre não tiver fé.

 

As palavras da Bíblia são palavras de vida, e de transformação. São palavras capazes de gerar amor e recuperar os corações dos homens. Todavia, como podemos querer que o outro ouça nossas palavras, se nós mesmos somos os primeiros a não o fazer.

 

Corrigir constantemente a nossa vida à luz das Escrituras é um gesto muito maior do que apenas andar corretamente. É mais do que um gesto de ética e obediência; é um gesto de amor ao próximo. Porque quando fazemos isso, somos capazes de inspirar outros a desejarem beber da mesma fonte que nos transformou.


Sha'ul Bentsion

Texto corrigido e adaptado por Francisco Adriano Germano

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