Era uma vez uma cegonha que tinha uma natureza muito simples e ingênua. Ela era tranquila, fazia o bem a todos e sempre buscava a paz, conforme a boa índole de sua espécie. Certa vez, ela foi convidada por um bando de garças a visitar um campo arado que havia sido recentemente semeado. Em sua ingenuidade, a cegonha aceitou o convite e foi.
Porém, a cegonha não sabia que
as garças não tinham planejado apenas uma simples visita ao campo
recém-semeado. Elas haviam planejado comer as sementes que haviam sido atiradas
ao solo, sem se importar com a perda que isto causaria ao pobre agricultor, que
havia investido muito dinheiro e esforço naquele plantio. As garças, egoístas,
pensavam apenas no incrível banquete que estava diante delas. Mas a festa
acabou bruscamente quando todo o bando foi capturado por uma enorme rede que
havia sido colocada como armadilha pelo agricultor, que já estava cansado dos
prejuízos causados pelas garças. Agora sim receberiam a devida punição por seus
maus atos. A cegonha, vendo-se presa junto com as garças, implorou ao
agricultor:
- Por favor, deixe-me ir
embora. Eu pertenço à família das cegonhas, que são conhecidas pela sua
honestidade e bom caráter. Veja, minhas penas são diferentes da plumagem delas.
Sou da paz, eu não sabia que as garças estavam vindo para roubar suas sementes,
achei que elas fariam apenas uma visita ao seu campo. Tenha misericórdia de
mim, eu imploro.
O agricultor, sem demonstrar
nenhum tipo de compaixão, respondeu:
- Cegonha, você pode até ser
um bom pássaro e ter uma boa índole, e pode até ser verdade tudo o que você
está dizendo. Porém, você foi capturada na companhia das garças destruidoras de
plantações e, por isso, receberá a mesma punição que eu reservei para
elas".
Andar com más companhias é o
pior investimento que podemos fazer na vida. Aqueles que andam com pessoas de
má índole correm o risco de aprender com os seus maus atos. Más companhias
levam pessoas corretas a se corromperem e a se desviarem do caminho correto. E,
na hora do castigo, os que estão juntos com os malvados acabam sofrendo junto,
como ensinam os nossos sábios: "Pobre do perverso e pobre do seu vizinho
Nesta semana começamos o terceiro
livro da Torá, Vayikrá (Levítico). E neste livro ocorre uma enorme mudança em
relação ao "estilo de narração" que estava sendo utilizado até
agora pela Torá. Os dois primeiros livros da Torá, Bereshit (Gênesis) e Shemót
(Êxodo), focaram em uma narração histórica da humanidade. O Sefer (Livro)
Bereshit começou a descrever os principais acontecimentos desde a criação
do mundo, passando pelo Dilúvio na geração de Noach (Noé), a Torre de
Babel e as vidas dos nossos patriarcas Avraham (Abraão), Yitzchak (Isaque)
e Yaacov (Jacó). Já o Sefer Shemót descreveu a escravidão dos israelitas
no Egito, a posterior libertação, a entrega da Torá no Monte Sinai, a
construção do Bezerro de Ouro e finalmente a construção do Mishkan, o
Templo Móvel que trouxe a Presença de Elohim ao mundo. Porém, o Sefer
Vayikrá praticamente deixa de narrar os acontecimentos do povo, que são
retomados apenas no Sefer Bamidbar (Números), e coloca o foco em
assuntos mais espirituais, que envolvem Kedushá (santidade), Tahará
(pureza espiritual) e Tumá (impureza espiritual).
Na Parashá desta semana, Vayikrá
(literalmente "E chamou"), a Torá se aprofunda no assunto dos Korbanót,
os sacrifícios que eram oferecidos no Mishkan, que representam o
principal Serviço Espiritual do povo e um dos pilares do mundo, conforme
ensinam os nossos sábios: "O mundo se sustenta sobre três pilares:
sobre a Torá, sobre o Serviço Espiritual (Korbanót) e sobre os atos de bondade"
(Avót 1:2). Desde a destruição do Beit HaMikdash, não temos mais os Korbanót
e, portanto, nosso principal Serviço Espiritual passou a ser a nossa Tefilá (oração),
a substituta dos nossos Korbanót.
Porém, sabemos que a Torá é,
acima de tudo, um "Manual de instruções" para a nossa vida.
Esta Parashá, que explica vários detalhes sobre os mais diversos tipos de Korbanót,
era de extrema importância na época do Mishkan e, posteriormente, na
época do Beit Hamikdash. Porém, por que Elohim escreveu estas
informações na Torá mesmo sabendo que, futuramente, muitas gerações não teriam
os Korbanót como parte do seu Serviço Espiritual? Por que atualmente precisamos
conhecer os detalhes sobre a oferenda dos Korbanót se não podemos
oferecê-los na prática? A resposta é que muitos dos conceitos ensinados em
relação aos Korbanót também se aplicam à nossa vida, mesmo nas épocas em
que eles não podem mais ser oferecidos.
Na realidade, existe uma grande
divergência entre os comentaristas da Torá sobre qual é exatamente o motivo
pelo qual Elohim nos ordenou a oferecermos Korbanót. E certamente a
opinião que mais chama a atenção é a do Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 -
Egito, 1204). Em seu livro "Morê Nevuchim", ele afirma que,
pelo fato de o desejo pela idolatria ser algo tão forte, Elohim precisou dar
algo "semelhante" ao povo judeu, para que eles canalizassem
esta força para o lado correto. A priori o que o Rambam está afirmando é que Elohim
comandou ao povo judeu a Mitzvá (Mandamento) de oferecer Korbanót
para que eles pudessem vencer a má inclinação à idolatria. Porém, faz sentido que Elohim tenha nos comandado a
oferecer Korbanót, um dos pilares que sustentam o mundo e um dos
principais Serviços Espirituais, apenas para tirar a nossa má
inclinação em relação à idolatria? Pela importância que a Torá dá aos Korbanót,
parece que eles são, por si só, algo vital para a nossa espiritualidade e um
componente necessário para o nosso Serviço Espiritual, e não uma "muleta"
para nos apoiarmos em nossa fraqueza espiritual. Então, como entender as
palavras do Rambam?
Antes de tudo, precisamos
entender a essência dos Korbanót. A palavra "Korban"
vem de "Karov", que significa "próximo, perto",
pois é um Serviço que nos aproxima de Elohim. Observamos, através de alguns
eventos descritos na Torá, que o ser humano tem uma tendência natural de querer
oferecer Korbanót para Elohim, para se conectar a Ele. O primeiro foi
Caim, filho de Adam Harishon, que decidiu fazer uma oferenda para Elohim,
dedicando a Ele parte da sua produção agrícola, algo que Elohim não havia
ordenado. Imediatamente Hevel (Abel), ao ver a atitude de seu irmão Caim,
também teve vontade de fazer uma oferenda para Elohim, dedicando a Ele alguns
animais que pastoreava. Estes foram os primeiros Korbanót da humanidade,
os quais não haviam sido ordenados por Elohim, e sim emanaram da vontade do ser
humano de se conectar a Ele. Também Noach, após sair da arca, ofereceu Korbanót
a Elohim, embora não tivesse sido ordenado a fazer isto.
Então de onde surgiu a idolatria?
Ela veio do desejo equivocado e mal utilizado que nós, seres humanos,
naturalmente possuímos, de querer nos conectar com Elohim. O Rambam
explica como começou a idolatria no mundo. Em um primeiro momento, toda a
humanidade se conectava somente a Elohim. Porém, com o passar das gerações, as
pessoas também sentiram a necessidade de, além de servir Elohim, o Rei, servir
também seus "ministros", que eram os astros. Após algum tempo,
as pessoas acabaram servindo apenas os astros, esquecendo-se do Serviço Divino.
A Torá está nos ensinando algo
impressionante. Temos dentro de nós uma alma pura, que é uma parte de Elohim
soprada dento de nós no momento da criação. Isto significa que o ser humano tem
uma bondade intrínseca dentro dele e uma vontade natural de conectar-se a Elohim.
Então por que nos afastamos tanto de Elohim em nosso cotidiano? Pois nos
deixamos influenciar pelos maus comportamentos daqueles que se dedicam a uma
vida de materialismo, que idolatram a si mesmos e aos seus desejos. Permitimos
que a convivência com aqueles que se desviaram do caminho correto, que
permitiram que seus corpos ofuscassem o brilho de suas almas, nos corrompessem
e nos afastassem das nossas inclinações espirituais naturais.
É isto o que nos ensinam os
nossos sábios: "Se afaste de um mau vizinho e não se junte a um
perverso" (Pirkei Avót 1:7). Aquele que entra em uma loja de perfumes,
mesmo que não compre nada, sai com suas roupas perfumadas. Porém, aquele que
entra em um curtume, mesmo que não compre nada, sairá com as roupas
malcheirosas. Mesmo nossas melhores inclinações podem ser corrompidas por causa
do contato com más influências. Mesmo inclinações naturais da nossa alma podem
ser anuladas quando mantemos contato com pessoas que deixaram que sua
espiritualidade fosse apagada. Por isso, precisamos nos cuidar muito com as
influências que recebemos.
Contudo, diante do que está
ocorrendo atualmente no mundo, Elohim está nos dando uma nova chance. Este
momento de isolamento é propício para reflexões e para novas decisões de vida.
Que possamos sair de tudo isso muito mais fortalecidos.
Texto adaptado por Francisco Adriano Germano
Parabéns, excelente reflexão
ResponderExcluirShalom, todah rabah! Que o ETERNO te abençoe!
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