Na Parashá Tazria, a Torá descreve o processo para diagnosticar e purificar uma pessoa afligida por uma doença espiritual conhecida como tzaraat - uma doença que muitas vezes é confundida com lepra, mas se trata de outra doença. A Torá autoriza apenas os sacerdotes a verificar se uma pessoa realmente tem tzaraat e a confirmar quando ela está pronta para iniciar o processo de purificação [1]. A Mishná aponta que se o próprio Sacerdote está afligido com tzaraat, ele não pode diagnosticar a si mesmo. Ela diz: “Todas as manchas que um homem pode ver, exceto as suas”.
O Darchei Mussar [2] tira
uma lição essencial dessa halachá. Sabemos que tzaraat surge como
resultado de vários pecados e o envolvimento do Sacerdote no processo visa
ajudar a pessoa a reconhecer seu pecado e fazer teshuvá. No entanto,
quando uma pessoa peca contra si mesma, é muito mais difícil reconhecer
objetivamente suas próprias falhas e se arrepender. Assim, a Mishná
alude ao fato de que, em um nível espiritual, uma pessoa pode facilmente ver as
falhas e pecados das outras pessoas, mas ela é incapaz de fazer o mesmo em
relação ao seu próprio comportamento.
O Darchei Mussar cita um
versículo em Provérbios que expressa um ponto semelhante:
Os teus olhos olhem para a frente, e as tuas pálpebras olhem direto diante de ti.
(Provérbios
4:25)
Ele explica que uma pessoa vê
facilmente as pequenas falhas do seu companheiro, porém mal consegue ver uma
grande falha em si mesma. A primeira parte do versículo está dizendo que é
aceitável para uma pessoa ver o negativo em seu amigo e repreendê-lo por isso,
mas a segunda parte do versículo diz que só se pode repreender seu companheiro
por suas falhas se o repreensor primeiro olhar para si mesmo e ver que não é
afetado pelas mesmas falhas. Assim, o versículo está aludindo ao fato de que
naturalmente podemos ver as falhas dos outros, mas ignorarmos totalmente as
mesmas falhas em nós mesmos e, portanto, sermos hipócritas ao repreender o
próximo.
Por que é tão difícil para uma pessoa ver
suas próprias falhas? Podemos responder com base na discussão do Rav Dessler
sobre a proibição de um juiz aceitar qualquer tipo de suborno [3]. Rav
Dessler explica, na mesma linha do Darchei Mussar, que uma pessoa dificilmente
verá uma falha em si mesma. Quando uma pessoa recebe um suborno de outra
pessoa, a pessoa que está subornando torna-se emocionalmente apegada a ela, a
tal ponto que ela vê essa pessoa como algo entrelaçado em sua própria
identidade. Uma vez que isso aconteça, ele será incapaz de ver a outra pessoa
objetivamente.
Ele demonstra a extensão desse
fenômeno na Gemara [4]. Havia um fazendeiro que trabalhava para o Rebe
Yishmael e a cada Erev Shabat ele trazia uma cesta de frutas dos
campos para o Rebe Yishmael. Em uma quinta-feira, o fazendeiro teve um din
Torá (processo judicial onde os rabinos julgam de acordo com a lei da Torá)
perto da casa do Rebe Yishmael, então no caminho ele levou a cesta um
dia antes. Descobriu-se que o Rebe Yishmael seria o juiz no din Torá
desse fazendeiro, o qual ficou preocupado que sua objetividade fosse afetada
pela pequena vantagem de receber a cesta um dia antes e por isso não aceitou as
frutas.
Ainda assim, o Rebe Yishmael
estava preocupado por não ser totalmente objetivo simplesmente porque o
fazendeiro tentou conceder a ele um benefício menor. Quando o processo judicial
estava ocorrendo, ele ouviu os argumentos e se viu tentando encontrar linhas de
raciocínio que sustentassem as afirmações do fazendeiro. Ele então percebeu
como um simples gesto de receber um pequeno benefício, que nem mesmo aceitara, não
o permitiu ser objetivo no julgamento, e ainda revelou como uma pessoa pode ser
facilmente ofuscada pelo suborno.
Rav Dessler aponta que se
esse fato ocorreu com alguém tão grande como Rebe Yishmael, então ainda
mais estamos sujeitos a preconceitos que obscurecem nossa habilidade de
honestamente avaliar nosso comportamento.
Assim, o fato de as pessoas serem
tão preconceituosas em relação a nós mesmos, as torna incapazes de reconhecer
suas próprias falhas. Qual é a solução para esse problema? A Mishná em Pirkei
Avot [5] nos diz; “Obtenha um amigo para você”. Rabbi Yonah
explica que um dos benefícios de ter um amigo é que ele pode ajudar uma pessoa
a cumprir Mitzvot. Ele escreve:
“Mesmo quando um
amigo não é mais justo do que você e às vezes até age indevidamente, não quer
que o amigo faça a mesma [ação], porque não tem nenhum benefício com isso. [6]”
Ele comprova essa tese com um princípio dos Sábios: “uma pessoa não peca por outra pessoa”. Isso
reflete a ideia do Darchei Mussar e do Rav Dessler, de que uma
pessoa geralmente peca porque está cega por algum tipo de desejo. No entanto,
em relação a outra pessoa, presumimos que ela não está cega da mesma forma e,
portanto, não pecará em favor dos outros. Essa ideia é aplicada em vários
lugares por toda a Gemara [7]. Rabbi Yonah nos ensina a
importância de adquirir pelo menos um amigo que possa atuar como um observador
objetivo de nossas próprias ações, e que esse amigo não precisa necessariamente
estar em um nível superior a nós.
Que todos nós tenhamos o mérito
de encontrar um amigo que possa nos ajudar a avaliar honestamente nossas ações
e nos ajudar a seguir em frente em nosso relacionamento com Elohim.
[1] Vayikra, Capítulo 13 .
[2] Darchei Mussar Al HaTorah,
Parshat Tazria, p.153-154.
[3] Michtav M'Eliyahu, Chelek
1, 'Mabat HaEmet', p.52-57.
[4] Ketubot, 105a .
[5] Pirkei Avot 1: 6 .
[6] Rabbeinu Yonah, Pirkei
Avot, 1: 6 .
[7] Bava Metsia, 5b,
Kiddushin, 63b , Shevuot, 42b , Arachin, 23a .
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