Daniel era um rapaz que gostava muito
de refletir sobre a vida. Certa vez, no meio de uma aula de filosofia, ele
resolveu fazer uma pergunta ao professor:
- Sei que não é uma pergunta simples.
Mas, afinal, qual é o significado da vida?
O professor, um senhor idoso muito
sábio, parou por alguns instantes para pensar em como responder de uma maneira
simples e direta uma pergunta assim tão complexa. Ele então pegou no bolso a
sua carteira e tirou de dentro dela um espelho redondo pequeno. Mostrou aos
alunos e disse:
- Caros alunos, quando eu era pequeno,
passei por uma guerra. A situação estava muito difícil, chegamos até mesmo a
passar fome. Certo dia, caminhando por uma estrada em busca de um pouco de
comida, encontrei os pedaços quebrados de um espelho. Provavelmente alguma
motocicleta tinha se acidentado naquele lugar. Tentei encontrar todos os
pedaços e juntá-los, mas não foi possível. Então guardei somente o pedaço maior
e esfreguei-o em uma pedra, deixando-o redondo. Comecei a brincar com ele e
fiquei fascinado ao descobrir que podia refletir a luz em lugares escuros, onde
o sol não alcançava: em buracos profundos, fendas e dentro de armários. Aquilo
virou um jogo para mim: levar luz aos lugares mais inacessíveis. Sempre que
surgia uma oportunidade, eu tirava este espelhinho do bolso e continuava com o
desafio do jogo.
- Quando cresci - continuou o
professor - percebi que aquilo não era apenas uma brincadeira de criança, mas
uma metáfora para o que eu poderia fazer com a minha vida. Percebi que não sou
uma fonte de luz, mas com o que tenho, posso refletir a luz nos lugares escuros
deste mundo, sobretudo nos corações das pessoas. Quem sabe outras pessoas me
vejam fazendo isso e resolvam fazer o mesmo. É para isso que eu vivo. Este é o
significado da vida.
Elohim fez um mundo com bilhões de
pessoas, para entendermos que não fomos criados apenas para cuidar de nós
mesmos, mas também para trazer um pouco de luz para os outros.
Nesta semana lemos duas Parashiót juntas, Acharei Mót (literalmente "Depois da morte") e Kedoshim (literalmente "Santos"). A Parashat Acharei Mót fala sobre os Serviços feitos pelo Cohen Gadol em Yom Kipur, o "Dia da Expiação", quando todo o povo judeu se arrepende de suas transgressões e Elohim, em Sua infinita Misericórdia, perdoa o povo. Um dos serviços mais importantes realizado pelo Cohen Gadol era a oferenda de um incenso dentro do Kodesh Hakodashim, o local mais sagrado do Templo. A Parashat também fala sobre outros cuidados com a santidade do povo judeu e a advertência para não nos contaminarmos através de comportamentos imorais.
Já a Parashat Kedoshim nos ensina a receita para alcançarmos a
santidade. Ao trazer muitas leis "Bein Adam Lechaveiró" (entre
a pessoa e seu companheiro), a Parashat ensina que o caminho para a
santidade também deve ser trilhado através de um comportamento adequado com as
pessoas, e não apenas com Elohim. A Parashat fala sobre a importância da
justiça, da honestidade, da caridade com os necessitados e do amor ao próximo,
que deve ser tão importante quanto o amor que sentimos por nós mesmos.
Normalmente em Yom Kipur estamos muito focados nos erros que cometemos em relação à Elohim. Tanto por causa das Mitzvót (Mandamentos) que deixamos de cumprir quanto por causa das transgressões que cometemos, motivados pelos nossos desejos, nos arrependemos de todo coração e nos comprometemos a melhorar nosso comportamento. Porém, em nosso cotidiano, também transgredimos muito em relação ao próximo, mas acabamos não dando tanta importância para isto.
O Talmud
(Yomá 85b) afirma que Yom Kipur não pode expiar as transgressões
"Bein Adam Lechaveiró" até que a pessoa tenha pedido perdão ao
seu companheiro e tenha consertado, dentro do possível, o erro cometido. Por
exemplo, se alguém roubou algo, o arrependimento só é considerado completo quando
o ladrão devolve o objeto roubado (ou o seu valor) e pede perdão, tanto para a
vítima quanto para Elohim. Ao juntar a Parashá que fala sobre Yom Kipur
com a Parashá que traz leis "Bein Adam Lehaveiró", talvez Elohim
esteja nos indicando o quanto devemos nos preocupar com nosso comportamento em
relação ao próximo e o quão grave é negligenciarmos nossos relacionamentos
interpessoais.
A Parashat Kedoshim começa com
as seguintes palavras:
"E
disse Elohim a Moshé: Fale com a congregação inteira dos Filhos de Israel e
diga a eles: 'Sejam pessoas santas, pois Eu, YHWH, seu Elohim, sou Santo"
(Vayikra/Levítico 19:1,2).
Porém, algo nestes versículos chama a
atenção. Sabemos que na Torá não há nem mesmo uma única letra escrita de
maneira desnecessária. Por que a Torá quis ressaltar que este comando de Elohim,
de que devemos ser pessoas sagradas, foi transmitido ao povo quando estavam
todos reunidos, a congregação inteira?
Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que este comando de Elohim foi realmente declarado na presença de toda a congregação de Israel, pois a maioria dos ensinamentos fundamentais da Torá depende dele, ou seja, estão contidos neste comando de "sejam santos".
Já de acordo com o Rav Moshé Schreiber zt"l (Alemanha, 1762 -
Eslováquia, 1839), mais conhecido como Chatam Sofer, destes versículos
aprendemos que, para alcançarmos a santidade, não é preciso se isolar e se
afastar do resto da sociedade. Pelo contrário, o ensinamento de sermos pessoas santas
foi declarado em público justamente para nos ensinar que uma pessoa deve
aprender a se santificar comportando-se adequadamente com as outras pessoas.
Isto é percebido pelo próprio conteúdo da Parashá, que é voltado ao
relacionamento correto, honesto e bondoso com o próximo.
Temos uma noção completamente equivocada sobre o que significa santidade. Muitos imaginam que a única forma de uma pessoa adquirir santidade é através do total afastamento dos assuntos mundanos. Muitos acham que o ideal é buscar retiros espirituais e adotar uma vida de total isolamento, pois somente assim conseguirão alcançar a verdadeira espiritualidade.
Porém, Elohim está nos transmitindo, no início da Parashat
Kedoshim, que a santidade verdadeira somente pode ser alcançada quando
vivemos entre outras pessoas. Por quê? Pois é muito fácil ser honesto quando
não interagimos com ninguém. É muito simples não falar Lashon Hará quando não
convivemos com outras pessoas. Não há nenhuma dificuldade em manter a calma
quando não há ninguém em volta nos incomodando. A verdadeira santidade está
justamente em conviver com as pessoas e, ainda assim, conseguir ser honesto,
guardar a nossa fala e viver com tranquilidade e respeito ao próximo.
Um rapaz certa vez perguntou ao Rav
Avraham Yeshayahu Karelitz zt"l (Bielorússia, 1878 - Israel, 1953),
mais conhecido como Chazon Ish, se era aconselhável ele se isolar para
estudar Torá, de forma que não teria nenhuma distração ou interrupção. A
pergunta era realmente interessante, pois sabemos que não há nada tão valioso
quanto o estudo de Torá, e o isolamento certamente favorece a concentração no
estudo. Porém, para a surpresa de todos, o Chazon Ish respondeu ao
rapaz:
"Meu
coração não pode acreditar que, estando isolados de todos, você possa fazer uma
verdadeira aquisição da Torá. Certamente a vida em sociedade e a proximidade
dos amigos lhe ajudarão a adquirir, de forma verdadeira, os ensinamentos da
Torá".
Viver em sociedade faz bem para nós.
Podemos receber ajuda, incentivo e apoio das pessoas em volta. Porém, a vida em
sociedade é fundamental para um dos principais pilares da Torá, que é podermos
praticar bondades. Não podemos fazer o bem a ninguém estando isolados.
Portanto, de certa forma, aquele que
quer se isolar do mundo para tornar-se uma pessoa mais sagrada está se
comportando de maneira egoísta, pois está preocupado apenas com o seu próprio
crescimento espiritual. Não é isto o que Elohim quer de nós. Não viemos ao
mundo para ganharmos sozinhos nenhuma corrida. Viemos ao mundo para ganharmos a
corrida todos juntos e unidos.
Quando Elohim fez todas as criaturas,
criou-as em grandes quantidades. Porém, Adam Harishon, o primeiro ser
humano, foi criado sozinho. Elohim então disse:
"Não
é bom o homem estar sozinho" (Bereshit/Gênesis 2:18).
Mas por que não era bom o homem estar
sozinho? Ele estava no Gan Éden, sendo servido pelos anjos, em contato
direto com Elohim e podendo desenvolver sua espiritualidade! O que faltava para
ele?
Explicam nossos sábios que faltava
para Adam a possibilidade de fazer bondades. Nosso papel neste mundo é
emularmos Elohim em todos os Seus atos. Da mesma maneira que Ele é bondoso, nós
devemos ser bondosos. Da mesma forma que Ele é misericordioso, nós devemos ser
misericordiosos. Elohim faz bondades o tempo inteiro sem receber nada em troca.
Esta é a forma de sermos pessoas santas, semelhantes à Elohim. [1]
A única forma de fazermos bondades é
vivendo em sociedade, interagindo com as pessoas, ajudando e desenvolvendo
nossa sensibilidade. Foi isto o que nos ensinou o Rabi Akiva, ao afirmar
que o versículo desta Parashá, "Ame ao próximo como a si mesmo"
(Vayikra/Levítico 19:18), é um dos principais fundamentos da Torá. E toda vez
que levamos luz aos outros, no final somos nós mesmos que acabamos sendo
iluminados.
"A felicidade que levamos aos
outros volta, em uma alegria silenciosa, aos nossos próprios corações"
R' Efraim Birbojm
Notas
[1] O texto a seguir se encontra no artigo
original: É isto que D'us quis dizer quando afirmou que nos criou "à
Sua imagem e semelhança". Ele não se referia à semelhança física, e sim ao
nosso potencial de bondade. Ao ajudar o próximo e nos preocuparmos com os
outros, estamos nos comportando como D'us.
Cremos que de fato somos criados à
imagem e semelhança do ETERNO. Por isso, Yeshua é a expressa imagem de YHWH: “Havendo
Elohim antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho, a quem constituiu
herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo. O qual, sendo o resplendor
da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas
pela palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos
pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas.” (Hebreus 1:1-3)
😀halellu'yah!🙌🏿🙌🏿🙌🏿
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