Após apresentarmos os argumentos do Judaísmo Rabínico e os compararmos aos argumentos
bíblicos na Tanach, feito na primeira parte desse estudo, convém determos um pouco mais para saber o que Yeshua e os seus Apóstolos tem a dizer a respeito.
Nesse caso há um grande
mistério sobre o porquê da ausência desta polêmica nos Evangelhos e demais
escritos apostólicos. Se eles nos revelam que o Mashiach esteve em confronto
com Fariseus e Saduceus por assuntos de muito menor importância do que o celebrar
as Solenidades de YHWH em datas erradas, não deveríamos ter evidências disso
no chamado “Novo Testamento”?
Apesar da ausência de prova não ser prova de ausência, ou seja, o fato de não termos um registo escrito desse eventual confronto não significa que ele não tenha ocorrido é, contudo, um forte indício de que algo está a nos escapar. Esta ausência de prova se mantém no ensino dos apóstolos a quem também não vemos fazer qualquer referência ao assunto.
Uma coisa é certa, Yeshua era um judeu que vivia de acordo com a
interpretação da Torá do Seu tempo exceto quando essa interpretação era
contrária ao espírito da Torá. Nesses casos sabemos que Ele não tinha, como se
costuma dizer, papas na língua.
Ora, a interpretação da Torá no Seu tempo era definida majoritariamente
pelos Fariseus e enquanto encontramos nas Escrituras ampla evidência de que Ele
cumpria as Festas estipuladas na Torá, não encontramos nenhuma evidência de que
alguma vez tenha entrado em confronto com os Fariseus por causa da contagem
para Shavuot ou de outra Solenidade. Pelo contrário, encontramo-lo a
guardar as Solenidades em simultâneo com o resto da nação de Israel, o que
pressupõe uma implícita aprovação das datas das Solenidades definidas pelo
Sinédrio, que era controlado pelos Fariseus.
Porém, o “The Illustrated Bible Dictionary”, assim como o “The
New Bible Dictionary” em artigos sobre o calendário nos dizem o seguinte:
[...] calendário judaico em tempos do NT (pelo
menos antes de 70 d.C.) seguia os cálculos Saduceus, uma vez que era por esses
cálculos que os serviços do Templo eram regulados. Assim, o dia do Pentecostes
era calculado como sendo o quinquagésimo dia após a apresentação do primeiro
molho de cevada colhido, isto é, no quinquagésimo dia (inclusive) do primeiro
Domingo após a Páscoa (cf. Lv.23:15s); assim, calhava sempre a um Domingo… Os
cálculos Farisaicos que se tornaram a regra após 70 d.C., interpretavam
‘Sábado’ em Lv.23:15 como o dia da solenidade dos Pães Asmos e não o Sábado
semanal; nesse caso, o Pentecostes calhava sempre no mesmo dia do mês [6 de
Sivan].
(The Illustrated Bible Dictionary)
Os Saduceus celebravam [o Pentecostes] no 50º dia
(contagem inclusiva) a partir do primeiro Domingo após a Páscoa; a sua contagem
regulava a observância pública desde que o Templo estivesse de pé… Os Fariseus,
no entanto, interpretavam o ‘Sábado’ de Levítico 23:15 como sendo a Festa dos
Pães Asmos (cf. Lev.23:7) e a sua contagem tornou-se normativa no judaísmo após
70 d.C. de tal forma que no calendário judaico, o Pentecostes pode agora calhar
em vários dias da semana.
(The New Bible Dictionary)
J.Van Goudoever na sua obra “Biblical Calendars” afirma ainda:
O sistema sacerdotal em Jerusalém foi derrotado
provavelmente na segunda metade do primeiro século (juntamente com a queda de
Jerusalém e do seu Templo).
A Vitória
Farisaica
A partir daqui se torna evidente o porquê da ausência, nos Escritos
Apostólicos, a referências sobre esta polêmica. Na realidade, até à destruição
do Templo no ano 70 d.C., quem controlava o calendário eram os Saduceus e todo
o Israel, incluindo os Fariseus, seguiam esses cálculos, pelo menos no tocante
aos sacrifícios apresentados no Templo. Existem evidências de que no seu meio,
os fariseus poderiam até celebrar outra data, mas no cumprimento dos
mandamentos referentes aos sacrifícios, eles tinham de se pautar pelo
calendário dos Saduceus, pois eram estes que controlavam o Templo.
E ao contrário da Páscoa, que era uma solenidade de peregrinação – envolvendo
todo o povo – a oferta das Primícias era algo que ocorria apenas no Templo e era
da exclusiva responsabilidade do Sumo Sacerdote. Como tal, os fariseus não
tinham como forçar os Saduceus a adotarem as suas práticas a menos que
detivessem o controle do Templo, algo que só veio a acontecer dois anos antes
da sua destruição.
O
Testemunho de Yeshua
Existe uma passagem que, de uma forma indireta, pode nos servir como uma validação, por
parte de Yeshua, do calendário empregado por Saduceus, que é a sua célebre leitura da passagem de
Isaías 61:1-2:
Chegando a Nazaré, onde fora criado; entrou na
sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler.
Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; e abrindo-o, achou o lugar em que
estava escrito: O Espírito do Senhor [YHWH] está sobre mim, porquanto [YHWH] me
ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação
aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os
oprimidos, e para proclamar o ano aceitável de [YHWH]. E fechando o livro,
devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam
fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos
vossos ouvidos.” (Lucas 4:16-21)
A quase totalidade dos comentadores bíblicos é unânime em considerar que o
“Ano Aceitável do Senhor” é uma referência a um ano de Jubileu, o ano em
que os presos eram soltos e os escravos libertos, o que está de pleno acordo
com todo o contexto da passagem de Isaías. Yeshua fez essa afirmação logo no
início do seu ministério, no ano 27 d.C. que, de acordo com o calendário dos
Saduceus, foi o primeiro Jubileu da nossa era. O ano seguinte – 28 d.C. – era o
primeiro ano da contagem para o primeiro ano sabático da contagem para o
próximo jubileu. De acordo com o calendário do Templo, os anos Sabáticos foram
os anos de 34, 41, 48, 55, 62, 69, e 76, com o segundo Jubileu calhando em 77
d.C.
Mas em que isso
nos ajuda?
Foi encontrado um título de empréstimo em Wadi Murabba [1], próximo de
Belém. Este documento associa o segundo ano de Nero com o ano da remissão. Ano
da remissão é um dos nomes que é dado ao ano Sabático (ver Deut.15:1-2), porque
nesses anos todas as dívidas eram perdoadas e todos os que se encontrassem em
posições servis seriam remidos e libertos (Êx.21:1-6). Ora Nero sobe ao trono em
13 de Outubro de 54 d.C., após a morte de Cláudio. O seu segundo ano
corresponde, portanto, ao ano civil de 55 d.C. que é o tal ano que vem
identificado no documento como o ano da remissão. Se repararem acima, 55 d.C.
foi precisamente um ano Sabático ou de Remissão de acordo com o calendário do
Templo. Isto prova não só que em 55 d.C. o calendário que ainda vigorava era o
do Templo, ou seja, o calendário dos Saduceus, como também Yeshua pela sua afirmação está
indiretamente validando o calendário que era usado em oposição aos calendários
farisaico e essênio, que eram muito diferentes.
O Método de
Contagem
A Palavra de YHWH nos apresenta um único método de contagem para a determinação
do dia de Shavuot (Pentecostes). Na descrição deste método, porém, ela
nos dá três características importantes:
Depois para vós contareis desde o dia seguinte ao
sábado, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta movida; sete Sábados
inteiros serão. Até ao dia seguinte ao sétimo sábado, contareis cinquenta dias;
então oferecereis nova oferta de alimentos a YHWH. (Lv 23:15-16)
Sete semanas contarás; desde que a foice começar
na seara iniciarás a contar as sete semanas. (Dt 16:9)
- Desde o dia da oferta das Primícias contaremos sete Sábados completos e o dia seguinte é Shavuot;
- Contaremos 50 dias até ao dia seguinte ao sétimo Sábado;
- Contaremos sete semanas desde o dia da oferta das Primícias.
O método de contagem é único, porém nos é dado várias características que
se complementam. Sete vezes sete Sábados (que começam a contar a partir do
primeiro dia da semana), dá sete semanas completas ou 49 dias, sendo o dia
seguinte ao sétimo Sábado o quinquagésimo dia ou Shavuot.
Isto é o mesmo que contar simplesmente 50 dias a partir do dia da oferta
das Primícias. Assim, de acordo com a Torá, Shavuot não é apenas o
quinquagésimo dia após a oferta das Primícias, mas também o dia a seguir ao
sétimo Sábado.
Muita gente (inclusive rabinos) reconhecem a inconsistência da contagem
para Shavuot pelo método rabínico, pois se o primeiro dia dos Pães Ázimos (15
do Aviv/Nissan) cair em uma Quarta-Feira, a apresentação das Primícias, pelo
método rabínico (16 de Aviv/Nissan), será necessariamente em uma Quinta-Feira, assim
como o Shavuot dessa contagem. Ora, a Lei diz que Shavuot será o dia a seguir
ao sétimo Sábado e não a sétima Quinta-Feira.
Torna-se então perfeitamente claro que o termo Shabbat em Levítico 23:15-16
se refere, em todas as instâncias, ao Sábado semanal dentro da semana dos Pães
Ázimos caso contrário, a contagem não “casaria” com o dia da semana na maior
parte das vezes.
Aliás, em minha opinião, faz perfeito sentido que a festa das Primícias,
onde se apresentam os primeiros frutos da terra, seja observada no primeiro dia
da semana.
Por Rui Quinta
Texto corrigido e adaptado por Francisco Adriano
Germano
Notas
[1] http://www.kchanson.com/ANCDOCS/westsem/loan.html
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