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CONTAGEM PARA SHAVUOT - PARTE II

 


 

Após apresentarmos os argumentos do Judaísmo Rabínico e os compararmos aos argumentos bíblicos na Tanach, feito na primeira parte desse estudo, convém determos um pouco mais para saber o que Yeshua e os seus Apóstolos tem a dizer a respeito.

 

Nesse caso há um grande mistério sobre o porquê da ausência desta polêmica nos Evangelhos e demais escritos apostólicos. Se eles nos revelam que o Mashiach esteve em confronto com Fariseus e Saduceus por assuntos de muito menor importância do que o celebrar as Solenidades de YHWH em datas erradas, não deveríamos ter evidências disso no chamado “Novo Testamento”?

 

Apesar da ausência de prova não ser prova de ausência, ou seja, o fato de não termos um registo escrito desse eventual confronto não significa que ele não tenha ocorrido é, contudo, um forte indício de que algo está a nos escapar. Esta ausência de prova se mantém no ensino dos apóstolos a quem também não vemos fazer qualquer referência ao assunto.

 

Uma coisa é certa, Yeshua era um judeu que vivia de acordo com a interpretação da Torá do Seu tempo exceto quando essa interpretação era contrária ao espírito da Torá. Nesses casos sabemos que Ele não tinha, como se costuma dizer, papas na língua.

 

Ora, a interpretação da Torá no Seu tempo era definida majoritariamente pelos Fariseus e enquanto encontramos nas Escrituras ampla evidência de que Ele cumpria as Festas estipuladas na Torá, não encontramos nenhuma evidência de que alguma vez tenha entrado em confronto com os Fariseus por causa da contagem para Shavuot ou de outra Solenidade. Pelo contrário, encontramo-lo a guardar as Solenidades em simultâneo com o resto da nação de Israel, o que pressupõe uma implícita aprovação das datas das Solenidades definidas pelo Sinédrio, que era controlado pelos Fariseus.

 

Porém, o “The Illustrated Bible Dictionary”, assim como o “The New Bible Dictionary” em artigos sobre o calendário nos dizem o seguinte:

 

[...] calendário judaico em tempos do NT (pelo menos antes de 70 d.C.) seguia os cálculos Saduceus, uma vez que era por esses cálculos que os serviços do Templo eram regulados. Assim, o dia do Pentecostes era calculado como sendo o quinquagésimo dia após a apresentação do primeiro molho de cevada colhido, isto é, no quinquagésimo dia (inclusive) do primeiro Domingo após a Páscoa (cf. Lv.23:15s); assim, calhava sempre a um Domingo… Os cálculos Farisaicos que se tornaram a regra após 70 d.C., interpretavam ‘Sábado’ em Lv.23:15 como o dia da solenidade dos Pães Asmos e não o Sábado semanal; nesse caso, o Pentecostes calhava sempre no mesmo dia do mês [6 de Sivan].

(The Illustrated Bible Dictionary)

 

Os Saduceus celebravam [o Pentecostes] no 50º dia (contagem inclusiva) a partir do primeiro Domingo após a Páscoa; a sua contagem regulava a observância pública desde que o Templo estivesse de pé… Os Fariseus, no entanto, interpretavam o ‘Sábado’ de Levítico 23:15 como sendo a Festa dos Pães Asmos (cf. Lev.23:7) e a sua contagem tornou-se normativa no judaísmo após 70 d.C. de tal forma que no calendário judaico, o Pentecostes pode agora calhar em vários dias da semana.

(The New Bible Dictionary)

 

J.Van Goudoever na sua obra “Biblical Calendars” afirma ainda:

 

O sistema sacerdotal em Jerusalém foi derrotado provavelmente na segunda metade do primeiro século (juntamente com a queda de Jerusalém e do seu Templo).

 

A Vitória Farisaica

 

A partir daqui se torna evidente o porquê da ausência, nos Escritos Apostólicos, a referências sobre esta polêmica. Na realidade, até à destruição do Templo no ano 70 d.C., quem controlava o calendário eram os Saduceus e todo o Israel, incluindo os Fariseus, seguiam esses cálculos, pelo menos no tocante aos sacrifícios apresentados no Templo. Existem evidências de que no seu meio, os fariseus poderiam até celebrar outra data, mas no cumprimento dos mandamentos referentes aos sacrifícios, eles tinham de se pautar pelo calendário dos Saduceus, pois eram estes que controlavam o Templo.

 

E ao contrário da Páscoa, que era uma solenidade de peregrinação – envolvendo todo o povo – a oferta das Primícias era algo que ocorria apenas no Templo e era da exclusiva responsabilidade do Sumo Sacerdote. Como tal, os fariseus não tinham como forçar os Saduceus a adotarem as suas práticas a menos que detivessem o controle do Templo, algo que só veio a acontecer dois anos antes da sua destruição.

 

O Testemunho de Yeshua

 

Existe uma passagem que, de uma forma indireta, pode nos servir como uma validação, por parte de Yeshua, do calendário empregado por Saduceus,  que é a sua célebre leitura da passagem de Isaías 61:1-2:

 

Chegando a Nazaré, onde fora criado; entrou na sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; e abrindo-o, achou o lugar em que estava escrito: O Espírito do Senhor [YHWH] está sobre mim, porquanto [YHWH] me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável de [YHWH]. E fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos ouvidos.” (Lucas 4:16-21)

 

A quase totalidade dos comentadores bíblicos é unânime em considerar que o “Ano Aceitável do Senhor” é uma referência a um ano de Jubileu, o ano em que os presos eram soltos e os escravos libertos, o que está de pleno acordo com todo o contexto da passagem de Isaías. Yeshua fez essa afirmação logo no início do seu ministério, no ano 27 d.C. que, de acordo com o calendário dos Saduceus, foi o primeiro Jubileu da nossa era. O ano seguinte – 28 d.C. – era o primeiro ano da contagem para o primeiro ano sabático da contagem para o próximo jubileu. De acordo com o calendário do Templo, os anos Sabáticos foram os anos de 34, 41, 48, 55, 62, 69, e 76, com o segundo Jubileu calhando em 77 d.C.

 

Mas em que isso nos ajuda?

 

Foi encontrado um título de empréstimo em Wadi Murabba [1], próximo de Belém. Este documento associa o segundo ano de Nero com o ano da remissão. Ano da remissão é um dos nomes que é dado ao ano Sabático (ver Deut.15:1-2), porque nesses anos todas as dívidas eram perdoadas e todos os que se encontrassem em posições servis seriam remidos e libertos (Êx.21:1-6). Ora Nero sobe ao trono em 13 de Outubro de 54 d.C., após a morte de Cláudio. O seu segundo ano corresponde, portanto, ao ano civil de 55 d.C. que é o tal ano que vem identificado no documento como o ano da remissão. Se repararem acima, 55 d.C. foi precisamente um ano Sabático ou de Remissão de acordo com o calendário do Templo. Isto prova não só que em 55 d.C. o calendário que ainda vigorava era o do Templo, ou seja, o calendário dos Saduceus, como também Yeshua pela sua afirmação está indiretamente validando o calendário que era usado em oposição aos calendários farisaico e essênio, que eram muito diferentes.

 

O Método de Contagem

 

A Palavra de YHWH nos apresenta um único método de contagem para a determinação do dia de Shavuot (Pentecostes). Na descrição deste método, porém, ela nos dá três características importantes:

 

Depois para vós contareis desde o dia seguinte ao sábado, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta movida; sete Sábados inteiros serão. Até ao dia seguinte ao sétimo sábado, contareis cinquenta dias; então oferecereis nova oferta de alimentos a YHWH. (Lv 23:15-16)

 

Sete semanas contarás; desde que a foice começar na seara iniciarás a contar as sete semanas. (Dt 16:9)


  1. Desde o dia da oferta das Primícias contaremos sete Sábados completos e o dia seguinte é Shavuot;
  2. Contaremos 50 dias até ao dia seguinte ao sétimo Sábado;
  3. Contaremos sete semanas desde o dia da oferta das Primícias.

 

O método de contagem é único, porém nos é dado várias características que se complementam. Sete vezes sete Sábados (que começam a contar a partir do primeiro dia da semana), dá sete semanas completas ou 49 dias, sendo o dia seguinte ao sétimo Sábado o quinquagésimo dia ou Shavuot.

 

Isto é o mesmo que contar simplesmente 50 dias a partir do dia da oferta das Primícias. Assim, de acordo com a Torá, Shavuot não é apenas o quinquagésimo dia após a oferta das Primícias, mas também o dia a seguir ao sétimo Sábado.

 

Muita gente (inclusive rabinos) reconhecem a inconsistência da contagem para Shavuot pelo método rabínico, pois se o primeiro dia dos Pães Ázimos (15 do Aviv/Nissan) cair em uma Quarta-Feira, a apresentação das Primícias, pelo método rabínico (16 de Aviv/Nissan), será necessariamente em uma Quinta-Feira, assim como o Shavuot dessa contagem. Ora, a Lei diz que Shavuot será o dia a seguir ao sétimo Sábado e não a sétima Quinta-Feira.

 

Torna-se então perfeitamente claro que o termo Shabbat em Levítico 23:15-16 se refere, em todas as instâncias, ao Sábado semanal dentro da semana dos Pães Ázimos caso contrário, a contagem não “casaria” com o dia da semana na maior parte das vezes.

 

Aliás, em minha opinião, faz perfeito sentido que a festa das Primícias, onde se apresentam os primeiros frutos da terra, seja observada no primeiro dia da semana.

 

Por Rui Quinta

Texto corrigido e adaptado por Francisco Adriano Germano

 

Notas

 

[1] http://www.kchanson.com/ANCDOCS/westsem/loan.html

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