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O CAMINHO DE ELOHIM

 


Introdução

  

Um dos temas (supostamente) mais complexos das Escrituras é o entendimento da natureza de Elohim. Esse tema e suas doutrinas (como trindade, modalismo, arianismo, etc.) tem sido fonte de grandes conflitos ao longo da história.

 

O grande problema é que por trás de todas as doutrinas e teorias formuladas, sempre encontramos uma boa dose de ideias preconcebidas e tentativas de fazer com que essas idéias se encaixem com as Escrituras.

 

Por exemplo: Alguns partem do pressuposto de que o Judaísmo jamais poderia ter crido dessa ou daquela maneira. Ao fazerem isso, elevam a tradição humana ao status de Verdade. Outros ignoram o fato de que algumas doutrinas, como o Trinitarismo, surgiram como formas de conciliação política de diferentes visões. Outras visões ainda tomam unicamente como base o chamado “Novo Testamento”, ou elementos históricos do que supostamente cria este ou aquele grupo. Outros imediatamente rotulam esta ou aquela visão como “cristã” e automaticamente rejeitam qualquer razão bíblica por detrás do argumento. E assim por diante.

 

Todas essas diferentes visões sobre a natureza de Elohim são muito boas em fazer o seu “dever de casa” e apontar os embaraços históricos e/ou bíblicos de doutrinas opositoras. Porém, são extremamente falhas em reconhecer as suas próprias dificuldades históricas e/ou bíblicas.

 

Na realidade, por incrível que pareça, quando atentamos unicamente para o que dizem as Escrituras, reconhecendo-as como a única fonte plausível para extrairmos uma verdade de fé, percebemos que o entendimento sobre a natureza de Elohim torna-se muito mais simples do que parece à primeira vista.

 

É apenas uma questão de estarmos dispostos a desnudarmos de qualquer dogma pré-concebido, seja ele judaico, cristão ou qualquer outro. Depois, voltarmos para o que diz as Escrituras. E é este o nosso objetivo com este estudo.

  

O Monoteísmo e as Pragas do Egito

  

Ao lermos a narrativa da Torá sobre a saída do povo de Israel do Egito, nos deparamos com a seguinte expressão:

 

E eu passarei pela terra do Egito esta noite, e ferirei todo o primogênito na terra do Egito, desde os homens até aos animais; e em todos os deuses do Egito farei juízos. Eu sou YHWH. 

(Shemot/Êxodo 12:12)

 

O interessante dessa leitura é que a Torá nos apresenta as diferentes pragas que YHWH fez cair sobre o Egito como um juízo sobre “os deuses do Egito”. Por que a Torá nos diz isso?

 

A interpretação praticamente unânime dessa passagem é a de que os egípcios possuíam vários deuses, e de como cada praga demonstrava a eles que, na realidade, era YHWH quem estava no controle daqueles elementos.

 

Por exemplo: Os egípcios criam no deus Hapi, o deus do Nilo, que em tese controlaria as cheias do rio Nilo, e que portanto era fundamental para a fertilidade da terra

 

Assim sendo, quando a Torá afirma que YHWH transformou o Nilo em sangue, esta foi uma demonstração para Faraó e para os egípcios de que somente YHWH é Elohim sobre os céus e a terra, e que Hapi não tem poder algum. O mesmo pode ser dito para os demais deuses do Egito, cada um tendo sido “afligido” por uma das pragas.

 

O Egito, sob esse aspecto, não era diferente de qualquer outra sociedade politeísta primitiva. O politeísmo se caracteriza fundamentalmente pela crença de que as forças da natureza são, na realidade, deuses diferentes.

 

Harsh Nevatia, professor de mitologia hindu, em seu artigo “The Pagan Origins of Hindusim” descreve com bastante precisão o fenômeno do politeísmo:

 

Em praticamente todas as civilizações antigas, a religião se iniciou como um fenômeno pagão. O paganismo era caracterizado por um panteão de deidades amplamente representando as forças da natureza. Por exemplo, Helios era o deus sol na Grécia antiga e Horus era o deus do céu para os egípcios antigos. Civilizações antigas inicialmente não tinham explicações para fenômenos naturais, então acreditavam que as forças divinas eram responsáveis por eles. A sociedade védica primitiva daquilo que é a Índia hoje também era pagã. Indra era o deus do trovão, e também o rei dos deuses. Agni era o deus do fogo, Varun o deus do céu, e assim por diante. Os rios e montanhas também eram deificados; Ganga, o principal rio da Índia, sendo um exemplo. A flora e a fauna também eram adoradas. Agradar os deuses pagãos implicava em receber a sua benevolência tal como chuvas temporãs e boa colheita. Irritá-los levava a incorrer em sua ira, na forma de enchentes ou secas.

 

De fato, a Bíblia está cheia de exemplos de como os demais povos primitivos adoravam outros deuses. Seguem alguns exemplos:

 

             Dagon, deus dos mares (ex: Jz. 16:23)

             Asherá/Ishtar, deusa da primavera/fertilidade (ex: 1 Re. 15:13)

             Nebo, deus da sabedoria e da escrita (ex: Is. 46:1)

             Fortuna, deusa da sorte (ex: Is. 65:11)

             Marduk, deus da água, vegetação, juízo e magia (ex: Jr. 50;2)

             Baco, deus do vinho (ex: 2 Mac. 6:7)

             Hermes, deus-mensageiro (ex: At. 14:12)

             Artemis, deusa da floresta (Ex: At. 19:34)

 

Como podemos ver, esses deuses pagãos estavam sempre associados a lugares importantes, astros, fenômenos naturais, entre outros. E é fundamental termos isso em mente para entendermos o que virá a seguir.

  

O Monoteísmo de Muitos Nomes

  

Alguns acadêmicos críticos da Bíblia dizem que originalmente a fé bíblica teria sido politeísta, e que posteriormente teria evoluído para um monoteísmo à medida em que a sociedade israelita primitiva evoluiu. Como uma das principais provas de seus argumentos citam o fato de que a Bíblia traz muitos nomes e/ou títulos associados a YHWH.

 

De fato, a Bíblia chama a YHWH por muitos nomes. Porém, o grande erro de tais acadêmicos está em compreender que os termos bíblicos que aparecem se referindo a YHWH sejam, na realidade, nomes de divindades diferentes. Não é o caso, como veremos adiante.

 

O primeiro ponto importante que precisamos ter em mente é o fato de que YHWH é insondável e infinito. Sha’ul (Paulo) demonstrou isso plenamente ao dizer:

 

O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como do conhecimentode Elohim! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente de YHWH? ou quem foi seu conselheiro? (Ruhomayah/Romanos 11:33-34)

 

O salmista também nos demonstrou que YHWH não tem limites:

 

Para onde me irei da tua Ruach, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no Sheol a minha cama, eis que tu ali estás também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá.

(Tehilim/Salmos 139:7- 10)

 

O que ambas as passagens acima têm em comum? O fato de que ninguém é capaz de se relacionar com a totalidade de YHWH. O ser humano sempre o perceberá de forma limitada.

 

Pensemos da seguinte forma: Se estamos bem próximos de uma montanha, não somos capazes de olhar para a sua totalidade, porque a montanha é muito maior do que as nossas limitações de percepção. Estando próximos da montanha, podemos talvez olhar para o seu cume, mas não seremos capazes de ver sua base. Somos capazes de olhar para sua base, mas não veremos seu cume. E mesmo que nos afastemos um pouco, só seremos capazes de perceber sua “frente”. Quem seria capaz de ver, ao mesmo tempo, sua frente e suas “costas”?

 

Tendo em mente esse raciocínio, desde o princípio o povo de Israel percebeu que não poderia encontrar um termo, ou palavra, que pudesse descrever a YHWH em Sua totalidade. Ou ao contrário: Não haveria palavra que YHWH pudesse inspirar nas Escrituras que pudesse descrevê-Lo em Sua totalidade, pois o ser humano não seria capaz de compreendê-la.

 

Por esta razão, os diferentes nomes e/ou títulos atribuídos a YHWH nas Escrituras nada mais são do que diferentes formas de percebê-Lo. É exatamente como o monte no exemplo ilustrativo que vimos acima. Podemos chamar o monte de “cume” ao dizer: “Ergui meus olhos e contemplei o cume verdejante”. O que é o cume, senão o próprio monte? Ou podemos dizer: “A base é firme, e não haverá deslizamentos”. O que é a base senão igualmente o próprio monte.

 

Perceba ainda que a divisão do monte em “base” e “cume” na realidade é uma divisão virtual. O monte não é feito com blocos de montar para que possamos de fato separar o cume da base. Quem decide onde começa o cume, e onde termina a base? O fato é que a divisão está na nossa própria percepção, e não no monte. Nossa percepção é limitada, e são os limites da nossa percepção que automaticamente “dividem” o monte.

 

Outro exemplo interessante que temos na natureza de como nossa percepção pode criar divisões está no relâmpago. Os antigos sempre o descreviam como “raios e trovões”. Ora, na realidade, “raios e trovões” são uma coisa só. Ocorre apenas que a luz é mais rápida do que o som, e como nossos ouvidos só escutam sons relativamente próximos, percebemos a luz muito antes de percebermos o som. Ou seja, percebemos “raios e trovões” de forma separada, quando na realidade trata-se do mesmo fenômeno físico: uma descarga elétrica que vai da atmosfera ao solo.

 

Analogamente, são os limites de nossa percepção que automaticamente “dividem” YHWH. Às vezes, só percebemos um de seus aspectos, como no caso da montanha, ou em outras ocasiões, percebemos dois ou mais aspectos supostamente divididos, embora tal divisão seja unicamente criada pelo limite de nossa percepção.

 

Podemos ver tal coisa ao olharmos para os nomes e/ou títulos dados a YHWH nas Escrituras. Por exemplo, o salmista nos diz em Tehilim/Salmos 91:

 

Tu que estás no esconderijo do Elyon e moras à sombra do Shadai.

 

O termo “Elyon” literalmente significa “alto”, e evidentemente subendente-se aí que se refira ao “Altíssimo”, isto é, aquele que está no topo de todas as coisas.

 

Em outras palavras: o termo “Elyon” é uma referência a YHWH como aquele que habita nos altos céus. Agora compare esse termo como a referência que o salmista faz no Sl. 139 sobre descer até o Sheol. Ora, o Sl. 86:13 ilustra bem o fato de que na Bíblia, o Sheol era figurativamente um abismo:

 

Porque é grande para comigo o teu amor; das profundezas do Sheol me tiraste.

 

Em suma: o termo “Elyon” é um bom descritivo para YHWH, pois YHWH de fato habita nos altos céus. Todavia, é um termo insuficiente para descrever a totalidade de YHWH, pois quando David fala que YHWH está até mesmo no Sheol, vemos que YHWH não habita unicamente as alturas, mas também as profundezas. Devemos pois, como faz o Zoroastrismo, supor então uma dualidade de deuses? Devemos supor que YHWH é composto de dois deuses: Um que habita nas alturas, e outro que habita no Sheol? Evidentemente que não! Apenas esbarramos mais uma vez nas limitações humanas.

 

Outro exemplo: YHWH é chamado de “YHWH Tseva’ot”. O termo “tseva’ot” é traduzido literalmente como “exércitos”. Ou seja, “YHWH dos Exércitos” ou “YHWH das Hostes [Celestiais]”. Podemos ver tal nome em Yeshayahu/Isaías 22:14:

 

Porque este dia é o dia de Adonai YHWH Tseva’ot, dia de vingança para ele se vingar dos seus adversários; ; e a espada devorará, e fartar-se-á, e embriagar-se-á com o sangue deles; porque Adonai YHWH Tseva’ot tem um sacrifício na terra do norte, junto ao rio Eufrates. (Yirmiyahu/Jeremias 46:10)

 

O termo “YHWH Tseva’ot” refere-se a YHWH enquanto guerreiro. Isto é: Aquele que se vingará de seus adversários no dia do juízo. Ora, esse termo também é insuficiente para descrever a totalidade de YHWH, pois YHWH também é amoroso, misericordioso e longânimo. Isso invalida seu lado guerreiro? Evidentemente que não! Apenas é mais um caso que nos mostra que um único termo não é suficiente para descrevê-Lo.

 

O Monoteísmo dos Nomes Plurais

 

Retomemos a questão do politeísmo. Como vimos, os povos politeístas identificavam que as diferentes forças que regiam seu mundo eram, na realidade, diferentes divindades. Em seguida, vimos que Israel tinha uma visão mais elaborada sobre YHWH. Afinal, os diferentes nomes, como vimos, referiam-se a diferentes aspectos do Seu Ser. Mas a questão vai além disso.

 

Não é à toa que alguns dos principais nomes e/ou títulos de YHWH são plurais. Os termos bíblicos “Elohim”, “Shadai” e “Adonai” não são termos singulares, e sim termos plurais.

 

Elohim: O termo “Elohim” é, na realidade, um plural da raiz “El”, que significa literalmente “poder” ou “força”. O termo plural torna a palavra superlativa, e podemos compreendê-la como “poder supremo”. Mas, por que, a palavra torna-se superlativa? Exatamente porque, diferentemente dos demais povos, Israel reconhecia que todos os “poderes” ou todas as “forças” que regiam as suas vidas vinham de um único Ser. Ou seja, Elohim é a somatória de todas as forças/poderes. Ele é o poder único e supremo. Se já não se houvesse formado uma cultura em torno da tradução deste nome, a melhor forma de traduzi-lo seria “Todo-Poderoso”.

 

Shadai: O termo “Shadai” também é, na realidade, o plural da raiz “shad”, que significa literalmente “espírito”, mas no sentido de uma aparição sobrenatural. É a mesma raiz que dá origem à palavra “shedim”, que muitas vezes traduzimos como “demônios”. O que então significa o termo Shadai? Significa que Israel compreendia que tudo o que acontecia de sobrenatural (evidentemente aí está implícito todo evento sobrenatural positivo) tinha sua raiz em YHWH. Em outras palavras, Ele é o “Senhor dos Espíritos”, aquele que enviava os seus mensageiros para dar visões e palavras ao povo.

 

Adonai: Mais uma vez, o termo “Adonai” também é a forma plural do termo “Adon”, que significa “senhor”. Em outras palavras, Israel reconhecia que todo “senhorio” na realidade pertencia a YHWH. Não havia, como os outros povos entendiam, vários “senhores”. Esses “senhores” – os poderes por trás do vento, das chuvas, e do governo de todas as coisas – na realidade eram unicamente um. “Adonai” é o “único senhor” ou, em sua forma extendida “Adonei haAdonim” (Senhor dos senhores).

 

Em suma, aqui Israel se diferencia das outras religiões, por reconhecer que todas as manifestações sobrenaturais na realidade eram regidas por Um Único Ser.

 

Resumindo o que temos até aqui: Um Único Ser que, por ser infinito e muito além da capacidade humana, não poderia ser percebido ou descrito de uma única forma, e que na realidade era Aquele que governava todas as coisas.

 

YHWH comunica-se consigo mesmo

 

Não é difícil percebermos, pelo que vimos até aqui, o porquê é possível perceber manifestações duais, trinas, ou mais, de YHWH. Mas, será que achamos exemplos disso na Bíblia? Certamente, pelo que vimos até aqui, que todos os indícios apontam na direção de que Israel entendia tais coisas. Mas, para provarmos tal ponto, é preciso encontrarmos unicamente na Bíblia a confirmação desse fato.

 

Na realidade, a Bíblia não só está repleta de tais exemplos, como ainda mostra que, do ponto de vista do ser humano, YHWH parece comunicar-se consigo mesmo. Uma das principais críticas do arianismo é a de que supostamente as outras visões sobre a natureza de YHWH faziam com que o mesmo parecesse um ventríloquo ou um esquizofrênico, falando consigo mesmo. No entanto, a Bíblia mostra isso acontecendo sem qualquer sombra de dúvidas.

 

Esquecem-se os proponentes de tal vertente que a “comunicação” de YHWH consigo mesmo, é unicamente um antropomorfismo gerado por causa da nossa limitação de percepção. Será que quando a Bíblia diz que YHWH falou aos seus anjos, isto significa que Ele inspirou ar; expirou; vibrou suas cordas vocais; posicionou sua língua; gerou uma onda sonora que se propagou até os ouvidos dos anjos? E será que o tímpano dos anjos vibrou, traduzindo a onda sonora em impulso elétrico que trafegou pelo sistema nervoso dos anjos até os seus cérebros? Evidentemente que não podemos afirmar que foi isso que aconteceu. E, no entanto, a Bíblia nos diz que YHWH falou aos anjos. E falar é exatamente o fenômeno descrito acima. Podemos perceber que isso é um antropomorfismo: Uma forma de tentar explicar, em termos humanos, o que aconteceu.

 

Utilizamos antropomorfismos a todo momento, para explicar em termos que possamos entender, fenômenos que transcendem a nossa percepção imediata. Por exemplo: Seu cérebro se comunica com seu braço. E, nem por isso, braço e cérebro são distintos – na realidade, ambos fazem parte do mesmo ser. A própria classificação em “braço” ou “cérebro” é uma divisão arbitrária feita pela percepção do ser humano quanto à funcionalidade dos órgãos.

 

Semelhantemente, quando a Bíblia traz YHWH comunicando-se consigo mesmo, é por duas razões bastante simples: Primeiramente porque YHWH está se manifestando de tal forma que o ser humano o enxerga como mais de um – isso é devido as limitações humanas (já falamos sobre isso nos exemplos da montanha e do relâmpago). E em segundo lugar, porque os escribas utilizaram de antropomorfismos para explicarem em termos que pudéssemos compreender.

 

1)      “Então YHWH fez chover enxofre e fogo, de YHWH desde os céus, sobre Sodoma e Gomorra." (Bereshit/Gênesis 19:24)

 

Aqui podemos ver uma dupla-manifestação. YHWH havia estado com Avraham (Abraão), e manifestava-se como um homem na terra (vide capítulo 18). Em seguida, sua manifestação na terra faz chover enxofre de YHWH dos céus.

 

2)      "Dá-me ouvidos, ó Ya'akov, e tu, ó Israel, a quem chamei; Eu sou o mesmo, eu o primeiro, eu também o último. Também a minha mão fundou a terra, e a minha destra mediu os céus a palmos; eu os chamarei, e aparecerão juntos. Ajuntai-vos todos vós, e ouvi: Quem, dentre eles, tem anunciado estas coisas? YHWH o amou, e executará a sua vontade contra babilônia, e o seu braço será contra os caldeus. Eu, eu o tenho falado; também já o chamei, e o trarei, e farei próspero o seu caminho. Chegai-vos a mim, ouvi isto: Não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que Ela se fez eu estava ali, e agora Adonai YHWH me enviou a mim, e a sua Ruach. Assim diz YHWH, o teu Redentor, o Santo de Israel: Eu sou YHWH teu Elohim, que te ensina o que é útil, e te guia pelo caminho em que deves andar." (Yeshayahu/Isaías 48:12-17)

 

Podemos observar claramente que é YHWH quem está falando. Ele afirma que a Sua mão fundou a terra. E, no entanto, YHWH afirma que Adonai YHWH o enviou, e também enviou à Ruach Elohim (Espírito do Eterno). Ou seja, podemos ver que YHWH envia a YHWH e à Sua Ruach. Claramente vemos aqui não apenas o diálogo de YHWH para consigo mesmo, como ainda as Suas diferentes manifestações.

 

3)      "E disse-lhe YHWH... Mas da casa de Yehudá me compadecerei, e os salvarei por YHWH seu Elohim, pois não os salvarei pelo arco, nem pela espada, nem pela guerra, nem pelos cavalos, nem pelos cavaleiros." (Hoshea/Oséias 1:4-7)

 

Aqui vemos outra manifestação dual. YHWH, que é o interlocutor e o Salvador de Israel, diz que os salvará "por YHWH seu Elohim".

 

4)      "Porque assim diz YHWH Tseva'ot: Depois da glória ele me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar em vós toca na menina do seu olho. Porque eis aí levantarei a minha mão sobre eles, e eles virão a ser a presa daqueles que os serviram; assim sabereis vós que YHWH Tseva'ot me enviou. Exulta, e alegra-te ó filha de Tsiyon, porque eis que venho, e habitarei no meio de ti, diz YHWH. E naquele dia muitas nações se ajuntarão a YHWH, e serão o meu povo, e habitarei no meio de ti e saberás que YHWH Tseva'ot me enviou a ti." (Zechariyah/Zacarias 2:8-11)

 

Aqui vemos dois personagens: O locutor, como podemos ver, é YHWH Tseva'ot (o Eterno dos Exércitos). Ora, esse mesmo locutor diz que YHWH Tseva'ot o enviou. Fica bem clara novamente a manifestação dual de YHWH.

 

5)      "Mas YHWH disse a Satan: YHWH te repreenda, ó Satan, sim, YHWH, que escolheu Yerushalayim, te repreenda; não é este um tição tirado do fogo?" (Zechariyah/Zacarias 3:2)

 

Aqui podemos mais uma vez vermos uma dupla-manifestação. YHWH não diz "Eu te repreendo", e sim "YHWH, que escolhe Yerushalayim, te repreenda".

 

Acima vimos 5 casos em que YHWH manifesta-se como mais de um, inclusive comunicando-se consigo mesmo. Provavelmente há outros exemplos, mas estes já são suficientes para ilustrar a questão.

 

Propositadamente, os exemplos escolhidos foram da Tanach (o chamado “Antigo Testamento”). Isso prova que a idéia é muito anterior à B’rit Chadashá (o chamado “Novo Testamento”) e que portanto não é uma idéia que tem sua gênese no Cristianismo, ou na influência de algum tipo de paganismo, como alguns supõem.

 

Existe uma Trindade?

  

Mas, podemos então concluir que a doutrina da Trindade está correta e que se trata de 3 pessoas em 1 único Ser? Na realidade não. A doutrina da Trindade também contém erros, que veremos mais adiante. O primeiro de que já podemos falar está na artificialidade de separar YHWH em três pessoas. Como vimos, não é YHWH que é separado, é o mundo que não é capaz de enxergá-Lo por inteiro. A separação é virtual e não real.

  

Equívoco sobre o termo K’numeh

  

A doutrina da Trindade partiu de uma compreensão equivocada do termo aramaico “k’numeh”, defendido pelos nestorianos, que diziam que YHWH possuíam três k’numeh.

 

O entendimento nestoriano baseava-se no versículo abaixo citado, a partir do aramaico original de Yochanan/João:

 

Assim como o Pai tem vida em sua k’numeh, assim ele deu também ao seu Filho a vida em sua k’numeh. (Yochanan/João 5:26)

 

O termo aramaico “k’numeh” signfiica “aspecto, elemento, substância ou essência”. Não é difícil entendermos: o “Filho” não é o “Pai”, no mesmo sentido de que “Elyon” (Altíssimo) não é “Shechiná” (Presença). Cada termo se refere a um tipo de manifestação distinta de determinado aspecto/essência (aramaico: k’numeh) de YHWH. Infelizmente, Roma entendeu que o termo “k’numeh” poderia ser entendido como “pessoa”.

 

Manifestações Artificialmente Afixadas

 

A doutrina da Trindade fixa as manifestações de YHWH em Pai, Filho e Espírito. Na realidade, YHWH pode manifestar-se de diferentes formas. Os nomes/títulos que Ele recebe nas Escrituras, por exemplo, poderiam ser vistos como diferentes manifestações dEle.

 

Os que defendem a Trindade apontam para a imersão de Yeshua como prova de que Pai, Filho e Espírito Santo são distintos. Ao fazê-lo, acertam. Todavia, como vimos, nem sempre YHWH se manifesta como Pai, Filho e Espírito Santo.

 

YHWH manifesta-se como a Sua Presença (Shechiná), como o Senhor dos Espíritos (Shadai), como o Guerreiro (YHWH Tseva’ot), ou mesmo de formas mais simples como o Anjo de YHWH, a sarça ardente, os pilares de nuvem/fogo, entre outros.

 

A razão pela qual a Bíblia se refere a tantas formas de YHWH se manifestar é muito simples: YHWH é infinito, e o ser humano é muito limitado. O principal, todavia, é reconhecermos que, como diz o principal axioma do Judaísmo: Shemá Israel YHWH Eloheinu YHWH Echad. (Ouve, ó Israel, YHWH nosso Elohim, YHWH é UM).

 

Número de Manifestações Artificialmente Afixado

 

E, por fim, a doutrina da Trindade fixa o número de manifestações de YHWH em até três. Como veremos mais adiante, há situações nas Escrituras em que YHWH se manifesta como mais de três.

 

Por exemplo, YHWH chega a manifestar-se até mesmo de 8 formas de uma única vez. Isso pode ser visto com clareza em Guilyana (Apocalipse):

 

Yochanan, às sete kehilot que estão na Ásia: Graça e shalom seja convosco da parte daquele que é, e que era, e que há de vir, e da das Sete Ruchot que estão diante do seu trono. (Guilyana/Apocalipse 1:4)

 

E olhei, e eis que estava no meio do trono e dos quatro animais viventes e entre os anciãos um Cordeiro, como havendo sido morto, e tinha sete chifres e sete olhos, que são as sete Ruchot de Elohim enviadas a toda a terra. (Guilyana/Apocalipse 5:6)

 

Em ambos os casos, vemos YHWH manifestando-se na forma do Cordeiro, e das 7 Ruchot (Espíritos) que estão diante do trono. Evidentemente, a doutrina da Trindade não tem como explicar o acima. Até porque a manifestação de YHWH enquanto 7 Ruchot (Espíritos) não é novidade alguma, pois aparece na Tanach (o chamado “Antigo Testamento”) de forma bastante clara:

 

E repousará sobre ele a Ruach YHWH, a Ruach de sabedoria e de entendimento, a Ruach de conselho e de fortaleza, a Ruach de conhecimento e de temor de YHWH. (Yeshayahu/Isaías 11:2)

 

Também não é em Yeshayahu (Isaías) que as 7 Ruchot (Espíritos) aparecem pela primeira vez. Chanoch (Enoque) já havia escrito a respeito delas:

 

E Àquele abençoaram com suas primeiras palavras. E exaltaram e louvaram com sabedoria, e se mostraram sábios no falar e na Ruach Chayim. E YHWH Tseva'ot colocou o Escolhido no trono da glória. E Ele julgará todas as obras dos santos acima no céu, e na balança suas obras serão pesadas. E quando Ele erguer a Sua face para julgar seus caminhos secretos conforme a Palavra do Nome de YHWH Tseva'ot, e o seu caminho conforme o caminho do juízo reto de YHWH Tseva'ot, então todos eles com uma voz falarão e abençoarão, e glorificarão e exaltarão e santificarão o Nome de YHWH Tseva'ot. E Ele convocará todas as hostes celestiais, e todos os santos acima, e a hoste de Elohim: os k'ruvim, serafim, ofanim, e todos os anjos de poder, e todos os anjos dos principados, e o Escolhido, e os outros poderes na terra e sobre a água naquele dia levantarão uma voz, e abençoarão e glorificarão e exaltarão na Ruach da fé, e na Ruach da sabedoria, e na Ruach da longanimidade, e na Ruach da graça, e na Ruach do juízo e do shalom, e na Ruach da bondade, e todos dirão em uma voz: "Bendito é Ele, e que o Nome de YHWH Tseva'ot seja bendito para todo o sempre. (Chanoch/Enoque 61:7-11)

 

Não apenas temos no final a menção às 7 Ruchot (Espíritos) de Elohim, como se considerarmos o trecho como um todo, vemos ainda que Elohim se manifesta ainda como Ruach Chayim (Espírito da Vida), como YHWH Tseva’ot (YHWH dos Exércitos) e como o Escolhido, isto é, o Mashiach. Em outras palavras, temos nada menos do que 10 diferentes formas de YHWH se manifestar.

 

Isso para nós não deveria ser surpresa alguma. Se um relâmpago, como vimos no exemplo, é capaz de nos dar a impressão de que são 2 manifestações distintas, o que diremos de um Ser infinito e ilimitado. Muitas vezes, uma única manifestação não é suficiente para explicar toda a intensidade da mensagem a ser transmitida.

 

Por fim, vale ressaltar que em momento algum as Escrituras chamam Pai, Filho e Ruach de “pessoas distintas”, assim como não chama YHWH, Elohim, Shadai, Shechiná, Elyon, Eloach, etc. de pessoas distintas. Se a Tanach (chamado de “Antigo Testamento”) nos ensina algo é que em todas estas manifestações são formas de enxergar alguns dos atributos de YHWH.

 

Outros Erros

 

À primeira vista, a descrição dada pode parecer para alguns superficialmente semelhante ao Modalismo, ou Sabelianismo – nome dado em razão dessa doutrina ter sido defendida pelo monge Sabélio antes do dogma da Trindade ser fixado por Roma.

 

Na realidade, existem algumas diferenças básicas para com o Modalismo: A saber, o fato de que o Modalismo entende que as diferentes manifestações de YHWH são unicamente diferentes formas de Elohim se revelar. Não é bem assim: Na realidade, são diferentes percepções que temos de diferentes k’numeh (aspectos ou essências) de Elohim. Embora a diferença possa parecer semântica, não é.

 

Tertuliano, por exemplo, acertadamente criticou o Modalismo por seu “Patripassianismo”, isto é, por executar o Pai no madeiro, ao invés do Filho. De fato, no Modalismo não há nenhuma distinção real entre Pai e Filho. Todavia, podemos perceber que na visão bíblica, há uma clara distinção, devido às diferentes k’numeh – assim como Elyon não é Shadai, no sentido de que são aspectos diferentes de YHWH ou, pelo menos, aspectos percebidos por nós como sendo diferentes devido à nossa limitação de percepção.

 

O erro de Sabélio e dos demais Modalistas foi um erro que é bastante comum no Cristianismo: Ignorar o que dizia a Tanach e tentar construir uma doutrina quase que unicamente neo-testamentária, ignorando as bases anteriores do Judaísmo.

 

Outra visão equivocada, como podemos perceber, é o Arianismo, ou a doutrina que diz que o Pai e o Filho são seres distintos. Já percebemos que manifestações plurais, que o Arianismo nega, são plenamente bíblicas e abundantes. Também já vimos anteriormente que Yeshua é de fato YHWH feito carne. Assim, o que simboliza o Arianismo? Um retrocesso ao politeísmo. Ao dividir Pai e Filho, criam dois poderes celestiais, quando as Escrituras nos afirmam que há somente UM Elohim. Tal doutrina destaca-se das demais porque além de equivocada é bastante perigosa, no sentido de que viola a principal mitsvá (mandamento) da Torá:

 

Eu sou YHWH teu Elohim, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. (Shemot/Êxodo 20:2-3)

 

Este é também o perigo, na prática, da doutrina da Trindade, pois a idéia de 3 pessoas compondo um único ser também é perigosamente próxima a de um panteão. Porém, tudo depende de como na prática isso ocorre. Há grupos modernos que chegam ao ponto de invocarem separadamente Filho e Espírito, por exemplo. Ao fazerem isso, chegam a um politeísmo prático, mesmo que filosoficamente a doutrina trinitária se diga monoteísta.

 

Todavia, como a doutrina da Trindade é demasiadamente complexa e sem qualquer paralelo na percepção humana, a grande maioria dos trinitários é, na realidade, um “modalista na prática”. A maioria deles, ao ser abordado com uma descrição do Modalismo, sem saber o que é, concorda com sua definição e declara pensar dessa forma. E o Modalismo, embora cometa o equívoco apontado por Tertuliano, é uma doutrina que não oferece nenhum tipo de “perigo teológico”, chamemos assim, por não ferir nem a unicidade de YHWH, nem tampouco deixar de reconhecer que Yeshua é YHWH feito carne.

 

Conclusão

 

Como exposto neste estudo, a questão da natureza de YHWH não é trivial, porém é bem mais simples quando olhamos unicamente para as Escrituras em sua totalidade. A falta de sentido das diversas vertentes teológicas explica-se em dois fatores: O ignorar as bases ou o partir de idéias preconcebidas ao invés de deixar que as Escrituras falem por si mesma.


Por Sha'ul Bentsion

Texto corrigido e adaptado por Francisco Adriano Germano

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