Introdução
Dois dos argumentos mais comuns
daqueles que se deparam com o movimento de Teshuvá, isto é, de retorno
para a Torá e do abandonar de práticas pagãs, são o argumento histórico e o
argumento da quantidade.
Muitos alegam que "o
Cristianismo existe há 2 mil anos" e que, portanto, suas práticas não
podem estar equivocadas. Outros alegam que "a maioria das igrejas faz
de certa forma", e que, portanto, novamente é difícil supor que tanta
gente esteja equivocada.
Embora esses não sejam exatamente
argumentos bíblicos, não podemos desprezar a importância psicológica e
emocional deles. Pois muitos ainda temem questionar sua fé em virtude desses
elementos.
Tais argumentos baseiam-se em
algumas premissas, que analisaremos aqui, uma por uma.
A Prática Cristã tem 2 mil
anos?
Esse argumento baseia-se em uma
meia-verdade: É verdade que existem cristãos desde, pelo menos, o segundo
século da era comum, já com algumas importantes semelhanças com os grupos
modernos. Porém, desde o princípio da religião cristã, havia divergências entre
convicções e práticas religiosas. Um exemplo disso é o Primeiro Concílio de
Nicéia.
O Primeiro Concílio de Nicéia foi
o primeiro concílio ecumênico de cristãos em toda a história, e só ocorreu no
século IV. Mesmo nessa época, havia uma enorme divergência entre uma série de
correntes. Sob a liderança do imperador Constantino I, o Primeiro Concílio de
Nicéia excluiu todos os seguidores judeus de Yeshua, deliberadamente, além de
ter levado ao ostracismo grupos que não criam na doutrina da trindade, que não
eram poucos. Sabe-se também, historicamente, que alguns grupos foram igualmente
compelidos a aceitar as crenças romanas, em prol da unidade, por força política
do imperador.
Nesse concílio, também ocorreu o
debate de outros pontos doutrinários importantes, como por exemplo o da datação
do Pessach ("Páscoa"), que nos séculos anteriores tinha
sido tema de grande controvérsia, e assim permaneceu até a imposição romana
posterior da Páscoa na data da festa da deusa da fertilidade.
Até Nicéia, portanto, havia uma
grande pluralidade de crenças e práticas, e não havia uma "Igreja"
monolítica, que começou a se estabelecer com Constantino, um imperador
reconhecidamente pagão e adorador do deus-sol.
Até essa época, além de
comunidades com as mais variadas práticas, havia ainda diversas comunidades
judaicas de seguidores de Yeshua, que foram posteriormente destruídas devido à
perseguição romana. Sobre isso, a Enciclopédia Católica afirma:
"Depois de
meados do século 5º [ie. aprox. 650 DC] os 'judeus cristãos' desapareceram da
história."
Além disso, mesmo depois dos
tempos dos chamados "Concílios Ecumênicos", divergências de
teologia e de prática teológica sempre continuaram a surgir. Ao longo dos
séculos, vários cismas ocorreram. Nem todos têm ciência disso, mas sequer
existe uma única Igreja Católica. Há várias, sendo Roma a mais importante de
todas. Veremos mais sobre isso mais adiante.
Mesmo dentro da Igreja Romana,
crenças e práticas também foram revisadas ao longo da história. Um dos exemplos
é o uso de imagens. Em 431, a versão católica de Miriyam (Maria) foi
declarada por Roma como "Mãe de Deus", crença até então
desconhecida. Em 754, o Concílio de Hiéria aboliu imagens e esculturas.
Posteriormente, foi declarado inválido e anulado. Em 1869, o Primeiro Concílio
do Vaticano introduziu a infalibilidade papal. Estas são apenas algumas das
diversas mudanças de crenças e posicionamentos da Igreja Romana ao longo dos
séculos.
O Cristianismo tem 2 mil
anos?
Um derivativo do argumento
anterior é o de que "o Cristianismo tem 2 mil anos". O
primeiro problema disso é também o mais evidente: Muitos dos que fazem tal
afirmação vêm do meio protestante. E isso por si só já é um problema. A Reforma
Protestante é do século 17, e praticamente todas as igrejas evangélicas da
atualidade derivam sua teologia da Reforma, mesmo aquelas que, erroneamente,
supõem serem derivadas de grupos mais antigos.
Vejamos aqui alguns dos
principais eventos do Cristianismo, e de seus principais grupos. Ao leitor
cristão, recomenda-se o seguinte exercício: tente localizar a origem do grupo a
que você pertence:
Alguns dos Principais Cismas
Cristãos
Século 4: Primeiro
Concílio Ecumênico, que forma um “organismo único." Os discordantes são
marginalizados. Grupos judaicos são deliberadamente excluídos.
Séculos 4 e 5:
Concílios de Constantinopla I e Éfeso: Marginaliza grupos que não criam na Trindade
e em Maria como "Mãe de Deus". Dá origem ao cisma com a Igreja
Assíria do Oriente. Grupos judaicos de seguidores de Yeshua são levados
praticamente à extinção por meio de perseguição.
Século 5: Divisão
sobre a natureza de Yeshua leva ao cisma entre as Igrejas do Ocidente, e as
Igrejas do Oriente. A Igreja do Ocidente posteriormente se dividiria novamente.
A Igreja do Oriente é hoje conhecida como "Ortodoxa Oriental".
As Igrejas Ocidentais (inclusive posteriormente alguns protestantes) negam o "Segundo
Concílio de Éfeso" e reconhecem o "Concílio de
Calcedônia". Já as Igrejas Orientais consideram o último, e negam o
primeiro.
Século 8: Contenda
na Igreja Romana sobre o "Concílio de Hiera" e o
"Segundo Concílio de Nicéia", acerca do uso de imagens. O
Catolicismo Romano reconhece o segundo, e nega o primeiro. Já parte do
Protestantismo nega o segundo, e reconhece o primeiro.
Século 11: Racha
entre a Igreja do Leste (hoje conhecida como Católica Ortodoxa do Leste) e a
Igreja do Ocidente (hoje conhecida apenas como Católica Romana), devido a uma
disputa entre a o Patriarca de Constantinopla e o Papado Romano.
Séculos 12 a 15:
Tentativas frustradas de reforma por parte dos Hussitas, Lolardos e Valdenses.
Os últimos foram destruídos, os segundos e parte dos primeiros foram
incorporados pela Reforma do século 16, e parte dos primeiros formou a igrejas
Hussita que, como a igreja Anglicana, é um híbrido de Catolicismo e
Protestantismo.
Século 16: Reforma Protestante.
Início das igrejas Luterana, Anglicana, Anabatista (hoje fundamentalmente
Menonita), e de outros movimentos como o Calvinista.
Século 17: Origem
da Igreja Batista, em racha com a Igreja Anglicana em Amsterdã.
Século 18: Origem
da Igreja Metodista, em racha com a Igreja Anglicana na Inglaterra. Origem, na
Escócia, da Igreja Presbiteriana, a partir do movimento Calvinista e
influenciada por outros reformadores.
Séculos 19 e 20 (início):
Início do Pentecostalismo, que teve forte influência wesleyana, e que afetou
boa parte das igrejas protestantes. Nesta se originam importantes denominações
como a "Assembleia de Deus". Início do movimento Adventista.
Século 20 (meados):
Início do Movimento Carismático, cuja premissa era renovar as igrejas
protestantes. Deu origem às Igrejas Renovadas dentro das diferentes linhas
protestantes clássicas. Foi também o precursor do "Catolicismo Romano
Carismático".
Século 20 (final):
Início do Movimento Neopentecostal, a partir de igrejas norte-americanas. É
responsável por boa parte das igrejas chamadas "não-denominacionais"
na atualidade, que se caracterizam por uma enorme variedade de crenças e
práticas.
Nem chegamos perto de listar
todos os cismas, discordâncias e rachas existentes no Cristianismo, assim como
a variedade de crenças e práticas. É possível que às vezes o leitor tenha pouco
contato com outras práticas, por residir em uma região dominada por esta ou
aquela prática, mas isso não nega a existência global de uma série de variantes.
Como se pode ver, não existe "um
Cristianismo". O termo é bastante genérico, e aplicável a grupos com
as crenças mais variadas possíveis e imagináveis. Se compararmos um cristão
ortodoxo do Oriente, com um católico romano, um batista tradicional e um neopentecostal,
eles terão muito pouco em comum. Poderão ter, inclusive, divergências profundas
em temas fundamentais como salvação, natureza de Yeshua e imersão ("batismo").
Não há como, portanto, o leitor
cristão dizer que "o Cristianismo tem 2 mil anos", porque não
existe esse Cristianismo monolítico e único que essa afirmação supõe. E como
pode, ainda, o leitor cristão dizer que "o Cristianismo Bíblico tem 2
mil anos", se a definição de "Cristianismo Bíblico"
varia de cristão para cristão. Se formos pela maioria denominacional, então
todos deveriam ser católicos romanos. Se formos pelas práticas ou doutrinas
mais difundidas, novamente estaremos mais próximos do catolicismo do que do
protestantismo. Mesmo dentro do protestantismo, há uma miríade de diferenças de
crenças e práticas.
Lembramos que estamos,
neste estudo, analisando argumentos externos à Bíblia. É claro que a
resposta a muitas dessas questões é o voltar para a Bíblia e analisá-la. Porém,
muitos ao lerem as Escritura dizem: "Todos interpretam desta
forma". Se formos igualmente pensar na forma em que a maioria lê a
Bíblia, então novamente estaremos nos aproximando do Catolicismo.
Há quem diga que, apesar disso, nesses
2 mil anos "existe uma igreja invisível, composta dos verdadeiros
seguidores de Yeshua". Não vamos entrar no mérito desta frase, que não
é o escopo deste artigo. Porém, não existe nenhuma definição histórica das
práticas dessa "igreja invisível". Normalmente, quem usa essa
frase parte da premissa de que a "igreja invisível" tem práticas
e interpretações teológicas semelhantes às suas próprias. Mas como não há
registro histórico dessa "igreja invisível" (por razões
óbvias), não há como dizer que essa "igreja invisível" tinha
esta ou aquela prática ou crença. Em outras palavras: Não é possível alegar a "igreja
invisível" para defender práticas, porque isso depende da
subjetividade de quem define a expressão.
Obedecer à Lei do Eterno é
um Novo Modismo?
Alguns argumentam que a ideia do
obedecer à Torá (Lei) de YHWH só começou a ser divulgada nos tempos atuais por
grupos "sectários" e que, portanto, não pode ser levada em
consideração, pois trata-se de um "novo modismo" que jamais
existiu anteriormente. Mais uma vez, esse é um argumento equivocado.
Os grupos históricos mais
tradicionais se escandalizariam profundamente com a tendência moderna de se
declarar que não há necessidade de se cumprir "a Lei de YHWH".
Vejamos aqui algumas profissões de fé:
Reforma Protestante
Um dos principais documentos das
igrejas reformadas era conhecido como o Catecismo de Heidelberg (século 16),
que afirma o seguinte:
"Mas o que
são as boas obras? Somente aquelas que procedem da verdadeira fé, e são
realizadas segundo a Lei de Deus, e para a Sua glória; e não aquelas que são
fundadas em nossas imaginações, ou nas instituições de homens." (Pergunta
91)
A Confissão Batista (século 17)
também afirma algo semelhante, quando diz:
"O Espírito de
Cristo subjuga a vontade do homem, e o permite realizar livremente e com
alegria aquilo que a vontade de Deus, conforme revelado na Lei, requer que seja
feito." (19:7)
Catolicismo Romano
O Catecismo da Igreja Católica
também afirma algo semelhante:
"A Lei de
Deus confiada à Igreja é ensinada aos fiéis como um caminho de vida e de
verdade." (2037)
Catolicismo Ortodoxo
Algo semelhante também pode ser
encontrado no Catecismo de São Filaret:
"Que forma
temos de discernir boas obras das ruins? Pela lei interior de Deus, ou
testemunho de nossa consciência, e pela lei exterior de Deus... Quando e como
foi a lei exterior de Deus dada aos homens? Quando o povo hebreu, descendente
de Abraão, foi milagrosamente liberto da escravidão do Egito, no caminho da
terra prometida, no deserto, no monte Sinai, Deus manifestou sua presença em
fogo e nuvens, e deu a eles a Lei, pela mão de Moisés, seu líder."
A Mudança do Movimento
Carismático
A ideia de que não haja qualquer
necessidade de cumprimento da Lei do ETERNO surgiu com o movimento Carismático
e foi herdada pelo Neopentecostalismo. Essa ideia, que posteriormente acabou
influenciando outras igrejas, foi duramente criticada por seus antecessores.
Por exemplo, o pastor pentecostal (não-carismático) Bill Burket afirma:
"Os
carismáticos indicam em seu ensinamento que a Lei De Deus e Seu amor são
diamétricos, e que se você observa um, você não tem o outro, e que esses
representam dois tipos diferentes de dispensação de revelação, e que estamos
vivendo a dispensação do amor, e que portanto você está em algum tipo de
escravidão se viver pela Lei moral de Deus. Mas a Bíblia ensina que eles são a
mesma coisa, e a Lei de Deus é simplesmente o Amor de Deus em forma
escrita." (Pentecostal But Not Charismatic)
Evidentemente que existe uma
profunda divergência entre o que os grupos supracitados consideram ser a "Lei
de Deus" e o que os que defendem a observância total da Torá
consideram para tal definição. Não queremos de forma alguma negar essa
diferença.
Porém, o leitor precisa
igualmente compreender que esses grupos também divergem entre eles sobre a
definição do que é a "Lei de Deus". Mas, à exceção dos grupos mais
modernos, todos concordam que a "Lei de Deus" (seja qual for a
sua definição) deve ser cumprida, e que o simples cumprir a "Lei de
Deus" não anula a fé nem a graça - desde que, claro, feita pelos
motivos corretos, isto é, como consequência da fé, e não como tentativa de se
obter o "favor celestial" por méritos.
As Práticas da Torá são
novo modismo?
Uma variação do argumento
anterior é a afirmação de que as práticas realizadas pelos grupos que defendem
a Torá são práticas estranhas, e que não são adotadas por nenhum outro grupo.
Novamente, é preciso que o leitor
entenda que o seu universo pessoal não representa nem 1% do Cristianismo, e que
o fato de que determinada prática não seja realizada nas comunidades próximas,
ou nos grupos mais modernos, não significa que tais práticas não sejam
amplamente realizadas em outros lugares.
O leitor pode se surpreender com
a frase a seguir, mas o fato é que o Cristianismo cumpre sim praticamente toda
a Torá. Tenho ciência de que essa frase controversa espantará tanto o leitor
cristão quanto o crente em Yeshua. Todavia, peço a todos que deixem para tirar
suas conclusões após verem os argumentos.
A seguir, alguns exemplos dentre
algumas das práticas da Torá que mais se destacam para quem toma contato com
ela:
- Shabat
O Shabat (Sábado) nunca deixou,
ao longo da história, de ser observado por grupos de cristãos, mesmo após a
imposição do domingo por parte da Igreja Romana. Agostinho de Hipona, por
exemplo, confirma no século IV:
"É claro que
todas as igrejas orientais e a maior parte do mundo observava o Shabat como
festival. Os autores gregos são unânimes no seu testemunho".
Ao longo da Idade Média, pelo
menos dois grupos observavam o Shabat: A Igreja Ortodoxa Etíope que, por sua
distância física de Roma, é a que mais se assemelha aos ritos dos antigos
seguidores de Yeshua, algumas Igrejas Ortodoxas Orientais, e alguns grupos
pré-Reforma, como por exemplo alguns dentre os Valdenses. Depois da Reforma,
vários outros grupos sabatistas surgiram, sendo os mais importantes os Batistas
do Sétimo Dia e os Adventistas. Portanto, uma parcela considerável da Cristandade
sempre observou o Shabat.
- Circuncisão
Muitos podem se surpreender, mas
a circuncisão também é praticada dentro do Cristianismo, especialmente dentro
da Ortodoxia. As Igrejas Ortodoxa Copta, Ortodoxa Etíope e Ortodoxa da
Eritréia, além de algumas outras igrejas africanas, ainda praticam a
circuncisão de seus filhos, conforme a determinação bíblica.
Um documento da ONU, que delibera
sobre a questão, afirma:
"Os cristãos
coptas no Egito e os cristãos ortodoxos etíopes - duas das formas mais antigas
de Cristianismo sobreviventes - retêm muitos aspectos do Cristianismo
primitivo, inclusive a circuncisão de homens." (Male Circumcision:
context, criteria and culture)
Portanto, mais uma vez é uma
prática que tem considerável adoção dentro do Cristianismo, embora não seja
muito conhecida na sociedade ocidental.
- Festas Bíblicas (Geral)
Além de terem sido celebradas nas
comunidades primitivas e se tornarem controvérsia com a Igreja Romana até, pelo
menos, os idos do século 7, há também registros da observância de festas
bíblicas ao longo inclusive da Idade Média.
O rabino-historiador Samuel Kohn
também relata em sua obra "Sabbatarians in Transylvania"
registros históricos de comunidades sabatistas no século 16 celebrando todas as
festas bíblicas.
Ademais, recentemente, também
temos visto um crescente interesse de movimentos cristãos mais modernos, a
partir do século 19, com crescente interesse nas festas bíblicas.
Em outras palavras, a prática
dentro do Cristianismo de festas bíblicas sempre existiu, em maior ou menor
grau, e perdura até hoje. Está muito longe, portanto, de ser um modismo.
A seguir, veremos alguns exemplos
de festas específicas:
- Pessach/Chag haMatsot
Primeiramente, é preciso
distinguir entre o "não praticar" e o "praticar
equivocadamente". Porque enquanto o primeiro pressupõe uma abolição da
prática, o segundo não. Esse é o caso do Pessach, ou "Páscoa".
Todo o mundo cristão a celebra, embora muitos o façam equivocadamente, sem se
darem conta de que a Igreja Romana adotou, para essa festividade, a data e os
costumes da festa da deusa da fertilidade, Ishtar. Todavia, ninguém questiona a
importância da data.
Ademais, como vimos, havia muitos
grupos que praticavam a datação e o costume correto não só do Pessach ("Páscoa")
como também de Chag haMatsot (Festa de Pães Ázimos.) Tais grupos eram
chamados de "quartodecimanos". Embora entre tais grupos nem
todos cumprissem a festa de pães ázimos, uma parcela considerável
(provavelmente a maioria) o fazia. Sabe-se, por um registro do bispo de York,
que os quartodecimanos existiram até, pelo menos, o século 7. Depois da
Reforma, alguns grupos (embora não muito grandes) retornaram à prática
quartodecimana.
Em outras palavras, essa é uma
prática que, de uma forma ou de outra, se mantém parcialmente em todo o
Cristianismo; manteve-se em sua totalidade por muitos séculos apesar de forte
perseguição de Roma, e tem, por fim, sido revisitada por movimentos mais
modernos. Novamente, não se pode considerar essa prática exclusiva ou modismo.
- Shavuot
Esta é uma festa que se mantém
até hoje, embora tenha mais importância dentro dos ritos católicos do que do
Protestantismo. Trata-se da famosa festa de "Pentecostes", ou "Festa
das Semanas", como é conhecida biblicamente. Como essa festa possui
relação cronológica com Pessach/Chag haMatsot, e tendo a Igreja Romana
revisado a data da sua "Páscoa", evidentemente que a data
acaba não coincidindo com a verdadeira data bíblica de Shavuot. Porém, a
prática permanece apesar desse erro. É claro que os ritos modernos já trazem
diferenças para com a prática bíblica, mas o importante é ressaltar que Shavuot,
mesmo com muitos erros, não é considerada uma prática abolida, e é realizada
por boa parte do Cristianismo. Novamente, não é um modismo.
- Yom Teruá
Como já afirmamos, a chamada "Festa
da Trombeta" é mais um exemplo de uma festa bíblica que tem sido mais
recentemente igualmente revisitada por grupos cristãos modernos. Porém, mais
importante do que isso é o fato de que inúmeros teólogos cristãos apontam
corretamente para Yom Teruá como diretamente associado ao dia do retorno
de Yeshua. Sendo assim, mesmo a data não sido praticada pela vasta maioria,
muitos sãos os teólogos que a consideram fundamental, teologicamente.
- Yom Kipur
O Yom Kipur ("Dia
da Expiação") se caracterizava por dois principais elementos: Um deles
dizia respeito ao rito do Cohen HaGadol (Sumo Sacerdote), que derramava
o sangue sobre o propiciatório do Aron HaBrit (Arca da Aliança.) O outro
aspecto era o "afligir de alma", eufemismo bíblico para o
jejum.
Poucos sabem, mas até hoje a
Igreja Ortodoxa Etíope mantém a prática de derramar um cálice de vinho
(representando o sangue de Yeshua) sobre o propiciatório do Aron HaBrit
(Arca da Aliança). A Igreja Etíope alega ter posse do Aron HaBrit (Arca
da Aliança), embora muitos especulem que seja uma réplica, possivelmente
enviada por Shlomo (Salomão) à rainha de Sabá, e preservada pelos Beta Israel,
a comunidade judaica etíope até os primórdios do Cristianismo.
Sem entrar no mérito teológico da
questão, o Yom Kipur é também considerado uma data importante dentro da
teologia Adventista, que o considera como uma data especial de cumprimento de
parte da expiação de Yeshua nas regiões celestiais. Portanto, mais uma vez o Yom
Kipur não é uma prática "nova" ou mesmo sem similar nas
práticas cristãs.
- Sukot
Além de ser uma das festas com
registros históricos sobre sua observância ao longo dos séculos, e do interesse
moderno na mesma, esta é uma festa que a Bíblia diz explicitamente que será
celebrada no Milênio, por todas as nações, em Zechariyah/Zacarias 14:16-19. Com
isto, muitos teólogos não negam sua importância, e afirmam que a mesma esteve
vigente e será vigente, não estando vigente unicamente no momento presente da
"Igreja" - o que não é difícil de perceber como pretexto teológico
para não observá-la atualmente.
- Kashrut
As chamadas "leis
alimentícias" também têm sido observadas ao longo dos séculos por
diversos grupos cristãos. Dentre os grupos católicos, mais antigos, podemos
destacar a Igreja Ortodoxa Etíope, que até hoje mantém as leis alimentícias
bíblicas em sua prática de fé. Outras Igrejas Ortodoxas, tanto Orientais quanto
Ocidentais, embora não enfatizem tais leis da mesma forma que a Igreja Etíope,
também desencorajam seus seguidores a seguirem uma alimentação não bíblica.
Semelhantemente, após a Reforma,
temos como principal grupo praticante das leis alimentícias o movimento
Adventista. Há também grupos mais modernos que têm praticado tais leis. Sendo
assim, podemos perceber que as leis alimentícias igualmente não podem ser
chamadas de "modismo" ou descartadas como uma nova invenção, mas vêm
sendo praticadas desde os primórdios do Cristianismo.
Estes são apenas alguns exemplos
de inúmeras práticas da Torá que, em maior ou menor escala, com maiores ou
menores alterações, podem ser encontradas nas diversas vertentes do
Cristianismo. E servem para demonstrar que a pregação da Torá, e do retorno à
obediência à Lei do Eterno não é algo novo.
A grande diferença entre tais práticas
e a prática dos grupos atuais que propõem a observância da Torá é apenas uma:
Enquanto a maioria dos grupos supracitados cumpre esta ou aquela observância e
ignora outras, nossa proposta é a de que TODA a Bíblia é fonte de instrução de
práticas de vida.
A observância seletiva dos grupos
supracitados também prova com absoluta clareza que as igrejas cristãs têm uma
atitude dúbia para com a Lei do Eterno, pois ao se julgarem capazes de
determinar que preceitos da Palavra Imutável foram abolidos, e que preceitos
devem ser cumpridos, os grupos acabam discordando entre eles próprios, e cada
qual tem práticas distintas, pois pouquíssimos são os que observam a
totalidade.
Seguindo a Maioria?
Outro argumento bastante
utilizado é o de que "todo mundo pensa ou age de uma certa forma".
Recentemente ouvi o caso de uma pessoa que deixou uma igreja sabatista porque "todo
mundo pregava de outra forma".
Existem alguns erros básicos. O
primeiro é acerca da maioria: Normalmente, as pessoas se referem à maioria
dentro da região onde mora. Contudo, isso é bastante relativo, pois há diversas
regiões onde impera esta ou aquela denominação religiosa. Uma pessoa que viva
no Egito terá como maioria predominante as igrejas Copta e Oriental. Alguém que
viva na Itália terá como maioria predominante o Catolicismo Romano, e assim por
diante. Portanto, a "maioria regional" não é sinônimo de
doutrina correta, e simplesmente reflete um desejo da pessoa de colocar o social
acima da fé.
Caso consideremos a "maioria
global", todos deveriam ser católicos romanos. Porém, boa parte dos
demais cristãos os consideram uma das denominações mais distantes da Bíblia em
termos de fé e prática. E mesmo os católicos romanos representam apenas cerca
de 50% do mundo cristão - o que significa que igualmente teriam problemas em
afirmar que todo o restante está equivocado, por força unicamente numérica.
Além disso, esse argumento
apresenta dois pesos e duas medidas, quando apresentado por um evangélico ou
protestante. Porque se Lutero, Zwingli ou Calvino tivessem pensado dessa forma,
as igrejas protestantes possivelmente não existiriam hoje. Na época desses
homens, não havia variedade de igrejas numa mesma região. Se a região fosse
dominada por Roma, todos seriam católicos romanos. Isto significa que esses
homens tiveram que aceitar ficarem inicialmente sozinhos, e não seguiram a
maioria.
Nem é preciso recordar que a
Bíblia em diversos pontos adverte que não devemos nem seguir a maioria, muito
menos ceder a pressões sociais (ou mesmo familiares), como por exemplo nos
versos abaixo:
Entretanto, Elohim
não se agradou da maioria deles, razão por que ficaram prostrados no deserto.
(Curintayah Alef/1 Coríntios 10:5)
Se alguém vier a
mim, e não deixar a pai e mãe, a mulher e filhos, a irmãos e irmãs, e ainda
também à própria vida, não pode ser meu talmid (discípulo). (Lucas 14:26)
O ETERNO permitiu que
fosse dessa forma?
Alguns afirmam que "o ETERNO
está no comando das igrejas" e que se Ele permitiu que assim fossem,
isso significa que Ele está satisfeito com elas.
Alguns problemas se apresentam a
partir dessa premissa. O primeiro deles, já evidenciado anteriormente é: De que
igreja o ETERNO está no comando? E, se de fato esse comando existe da forma
como as pessoas argumentam, por que tantas igrejas igualmente bem-intencionadas
chegam a conclusões distintas sobre o direcionamento dEle?
Na realidade, o que acontece é
que o ETERNO é paciente. E as pessoas confundem a paciência do ETERNO com ter o
seu agrado. Vejamos um exemplo nas Escrituras sobre isso:
E acharam escrito
na Torá que YHWH ordenara, pelo ministério de Moshe, que os filhos de Israel
habitassem em cabanas, na solenidade da festa, no sétimo mês... E toda a
congregação dos que voltaram do cativeiro fizeram cabanas, e habitaram nas
cabanas, porque nunca fizeram assim os filhos de Israel, desde os dias de
Yahushua Ben Nun, até àquele dia; e houve mui grande alegria. (Nehemiyah/Neemias
8:14,17)
Repare no que a Bíblia diz aqui:
O povo de Israel passou quase mil anos negligenciando uma mitsvá (mandamento)
do ETERNO! E nem por isso o ETERNO deixou de amar ou de ser paciente com o povo
de Israel. O povo estava no erro, mas o ETERNO foi longânimo devido à
ignorância do povo.
Da mesma forma, a restauração da
fé não teve seu fim em Lutero: Ela teve seu início nele, mas precisa
prosseguir. É preciso que todos deixem as práticas pagãs incorporadas pela
Igreja de Roma, e voltem às práticas bíblicas.
A misericórdia do ETERNO não deve
ser pretexto para deixarmos de nos voltarmos para a verdade. E assim como o ETERNO
se relacionou com Israel apesar de sua desobediência, sem aprová-la, muitas
vezes o ETERNO se relaciona com pessoas que estão em sistemas religiosos de
engano, sem com isso significar que Ele aprove todos os seus hábitos,
comportamentos ou crenças.
Conclusões
A partir deste estudo, podemos
tirar algumas conclusões importantes:
- As práticas cristãs da atualidade não têm 2 mil anos.
- Não existe um "Cristianismo" ou uma "Igreja" de 2 mil anos. Essa definição depende da subjetividade de cada um.
- Diferentes grupos cristãos têm diferentes crenças sobre assuntos até fundamentais na fé.
- Até recentemente, a ideia de obedecer à Lei do ETERNO sempre acompanhou os que dizem seguir Yeshua, com variações apenas na definição sobre o que é "Lei".
- Não há unanimidade no meio do Cristianismo sobre o que é a "Lei do ETERNO".
- As práticas da Torá (Lei) do ETERNO não são novidade, e boa parte delas pode ser encontrada nos mais variados grupos cristãos.
- A Torá (Lei) não é unicamente praticada por um pequeno bando de loucos do século 21. Ela foi praticada ao longo de toda história.
- É ilusão achar que estar em uma denominação cristã é "seguir a maioria".
- É ilusão achar que "seguir uma suposta maioria" é positivo, biblicamente.
- A tolerância do ETERNO com o Cristianismo não significa que Ele aprove todas as suas crenças, ou práticas.
- Todos esses argumentos são de fundo unicamente emocional, e não têm base nem histórica, nem teológica e muito menos bíblica.
Sendo assim, a resposta para a
pergunta "Onde está a verdade?" deve ser respondida unicamente
nas Escrituras, independentemente de que denominação a pratica, ou de quantas
pessoas praticam a verdade.
E lembremos que não era raro que
os profetas da antiguidade se sentissem sozinhos, ao perceberem que a maioria
do povo não seguia a totalidade das Escrituras.
Por Sha'ul Bentsion
Comentários
Postar um comentário