INTRODUÇÃO AO SHABAT – PARTE II
Nas sinagogas ortodoxas é notório o
fato de que o Shabat é um peso enorme, e que sua prática é tão obsessiva
que até o papel higiênico é previamente picado e posto numa pilha porque
destacá-lo do rolo seria considerado trabalhar no Shabat!
O judaísmo ortodoxo nada mais é do que
a continuação da antiga seita dos fariseus - conseguem entender com muita
facilidade porque Yeshua se posicionou contra esses absurdos?
Para ajudá-los a compreender tal
coisa, listo aqui algumas instruções rabínicas quanto ao Shabat encontradas
no Talmud Bavli, uma das principais obras da literatura farisaica:
Se alguém
está andando no Shabat e chega a um córrego de água, se ele puder colocar seu
primeiro pé dentro antes de erguer o segundo, é permitido [atravessar o
córrego]; caso contrário, é proibido. (b. Shabat 113b)
São
devemos comer hissopo grego no Shabat, porque não é alimento de pessoas
saudáveis. (b. Shabat 109b)
Se alguém
desamarra os laços de seus sapatos ou suas sandálias [no Shabat] – um [baraita]
ensinava: ele é passível de uma oferta pelo pecado. (b. Shabat 112a)
Até mesmo a liturgia tinha enormes
listas de detalhes a serem observados. Por exemplo:
Quando o Yom
Kipur cair num Shabat, aquele que recita o serviço de neilá deve se referir ao Shabat.
(b. Shabat 24b)
O tratado sobre Shabat na Mishná,
cujas regras são contemporâneas a Yeshua, contém quase cerca de 150 páginas
detalhando o que pode e o que não pode ser feito no Shabat.
Já a Guemará, que é composta de
comentários rabínicos sobre a Mishná, contém mais de 500 páginas, com
extensas discussões sobre o detalhe do detalhe de cada coisa que pode ou não
ser feita no Shabat, até mesmo em situações raras.
Com isso você consegue entender por
que Yeshua disse que o Shabat foi feito para o homem, e não o homem para
o Shabat!
Tal era a obsessão farisaica com o Shabat,
que ele era exaltado de forma tão absurda que chegamos a encontrar a seguinte
frase no talmud:
Aquele que
observa o Shabat segundo suas leis, mesmo se praticar idolatria como a geração
de Enosh, é perdoado… (b. Shabat 118b)
Imagine se o ETERNO irá perdoar alguém
que tem consciência do Shabat, e deliberadamente pratica idolatria. E
pior: imagine se praticar idolatria é menos grave do que não observar as
recomendações rabínicas sobre o Shabat! Percebe-se que o entendimento
farisaico sobre o Shabat, bem como suas práticas, está absolutamente
equivocado!
Porém, isso não é razão para
desprezarmos o Shabat. Isso seria tão absurdo quanto desprezar a Bíblia
porque há quem a distorça, ou mesmo de não usarmos mais facas de cozinha,
martelos ou canos d’água porque há quem os utilize para assassinar outras
pessoas!
Alguns tentam contra argumentar usando
o texto de colossenses 2:16, que diz:
Portanto,
ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa,
ou da lua nova, ou dos sábados. (Colossenses 2:16)
Porém, mais uma vez o contexto é
ignorado. Observe:
Portanto,
ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa,
ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo
é de cristo. Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e
culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado
na sua carnal compreensão, e não ligado à cabeça, da qual todo o corpo, provido
e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Elohim. Se,
pois, estais mortos com cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos
carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não
toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso,
segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma
aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do
corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne. (Colossenses
2:16-23)
Não pense que Sha’ul (Paulo)
está falando contra a prática do Shabat. Se estivesse, pelo que já vimos
até aqui da revelação do ETERNO, ele estaria indo contra o próprio ETERNO, que
disse que o Shabat é para sempre.
Assim como Yeshua o fez antes dele, Paulo
está criticando duramente a atitude de algumas seitas judaicas tomaram quanto
ao Shabat, transformando-o em algo muito além do repouso que o ETERNO
previu para o homem.
Observe primeiramente que Paulo
menciona cultos a anjos e “coisas que não viu”. Isso não é por acaso.
Nos tempos de Paulo já surgia, por influência babilônia, um enorme misticismo
com relação ao Shabat assim como a outros elementos da fé.
Veja, por exemplo, uma passagem do mar
morto, datada de pouco antes de Yeshua:
[texto
pertencente ao instrutor. O cântico acompanhando o sacrifício do] primeiro
[shabat,] cantado no quarto dia do primeiro mês. Na congregação de todos os
[sábios] seres divinos, e [no conselho de todos os espíritos] divinos, ele
gravou os seus preceitos para governar todas as obras espirituais, e suas
[gloriosas] leis [para todos os] sábios [seres divinos], aquela congregação
sábia honrada por Elohim, aqueles que se aproximam em conhecimento. (4Q400 Frag.
1 Col 1)
Michael Wise, um dos principais
acadêmicos dos escritos de Qum’ran, afirma:
Os
cânticos de Shabat visavam unir o adorador com os anjos adorando no céu. O que
acontece na terra é apenas um pálido reflexo da realidade maior e definitiva. O
que, então, poderia ser mais desejável do que se juntar para adorar de forma
mística?... Sugere-se adicionalmente que a circulação dos cânticos [de shabat]
entre judeus cristãos [sic] é o enigma da ‘heresia de colossenses.’ a carta de Paulo
à igreja [sic] dos colossenses descreve precisamente o que alguns acadêmicos
consideram ser gnosticismo incipiente. (the dead sea scrolls: a new
translation, the songs of the sabbath sacrifice, pgs. 463 e 464)
Observe, portanto, que a ideia de que Paulo
não estava falando contra o shabat não é invenção nossa, mas sim uma leitura
sólida e fundamentada e amplamente defendida no meio acadêmico.
Tais seitas místicas defendiam que o Shabat
precisaria ser celebrado de uma forma específica, e com uma liturgia
específica, para que houvesse alinhamento com a adoração mística dos anjos. E
condenavam aqueles que não faziam tal coisa, pois não andavam em “sabedoria”.
Agora, de posse dessa informação
histórica, releia novamente a citação de colossenses. Perceba como é ingênua e
equivocada a ideia de que Paulo estivesse falando contra o Shabat. Para
não deixar nenhuma dúvida, Paulo fala contra “preceitos e doutrinas de homens.”
Pense comigo: será que Paulo considerava
como “preceito e doutrina de homens” um mandamento dado pelo próprio ETERNO?
Deixemos Paulo falar por si próprio:
E assim a
torá é santa, e o mandamento santo, justo e bom. (Romanos 7:12)
O Shabat é um mandamento
descrito na torá. A torá é santa. E o mandamento - aqui obviamente referência a
um mandamento da torá - é santo, justo e bom, como pode ser doutrina de homens?
Ou será que Paulo acreditava que os dez ditos dados pelo ETERNO a Moisés na
verdade eram 9 e sofreram acréscimo? Não faz sentido pensarmos dessa forma.
Como se percebe, nem Yeshua, muito
menos Paulo falou contra a prática do Shabat. E nem poderiam, afinal o ETERNO
não contradiz a si mesmo.
Outra objeção comum é a ideia de que o
Shabat represente um dia qualquer de repouso que o ser humano deve
adotar. Mas será que isso encontra base nas Escrituras? Comecemos pela própria
criação. Nela, encontramos:
Assim os
céus, a terra e todo o seu exército foram acabados. E havendo Elohim acabado no
dia sexto a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que
tinha feito. E abençoou Elohim o dia sétimo [et-yom hashevi’i], e o santificou;
porque nele descansou de toda a sua obra que Elohim criara e fizera. (Gênesis
2:1-3)
O hebraico não deixa dúvida de que o ETERNO
abençoou e separou “o” sétimo dia. O hebraico usa da forma enfática “et-yom
hashevi’i” deixando claro que não é qualquer dia, mas sim o sétimo. Esse é
o dia que o ETERNO abençoou, santificou e separou para o nosso repouso.
Lembre-se do texto de Daniel 7:23-25,
que afirma que o quarto reino mudaria os tempos do ETERNO - texto esse que não
faria sentido se o dia fosse opcional. Vemos esse cumprimento não apenas na
mudança do Shabat, como também das demais solenidades bíblicas.
Você já se perguntou por que esse
quarto reino se daria ao trabalho de promover tal mudança?
A resposta está no fato de que se não
guardarmos o dia que o ETERNO instituiu, então já não guardamos mais a sua
aliança. Porque quem determina os termos da aliança é o próprio ETERNO.
Portanto, da próxima vez que você ler
as Escrituras, ore ao ETERNO e peça para lhe revelar o que Ele deseja que você
faça, e o que Ele deseja corrigir na sua vida. E leia as Escrituras buscando
extrair exemplos e lições práticas.
Para ter fé, a verdadeira fé de Yeshua,
é preciso encarar as suas palavras (reveladas na Bíblia) como instruções para a
nossa vida.
Lembre-se das palavras de Yeshua: Ele
é o Senhor do Shabat. Ele, e não nós. Não compete a nós escolhermos o
que queremos abençoar e santificar. Aliás, sequer temos tal poder ou
autoridade.
A diferença entre guardar “o” Shabat
do ETERNO, e guardarmos “um” Shabat, é a diferença de quem está no
comando. Se é o ETERNO, estamos andando em fé. Mas se somos nós, então estamos
caindo exatamente na situação de nos acharmos “senhores de nossa própria espiritualidade”.
Quanto a isso, vale à pena reler os textos de Paulo indicados no passo - caminhado
com fé - desta série.
Outros críticos do Shabat afirmam
que a data do Shabat teria se perdido no tempo, e chegam a citar a
passagem bíblica abaixo para defender que ninguém sabe a data do Shabat:
E arrancou
o seu tabernáculo com violência, como se fosse a de uma horta; destruiu o lugar
da sua congregação; YHWH, em Sião, pôs em esquecimento a festa solene e o Shabat,
e na indignação da sua ira rejeitou com desprezo o rei e o sacerdote. (Lamentações
2:6)
Observe que o texto não diz que o ETERNO
aboliu o Shabat, nem que a data do Shabat foi perdida. O texto se
refere a Sião, e à diáspora dos judeus. Sião ficaria sem as festas e o Shabat
enquanto estivesse desolada. Porque não haveria em Sião quem celebrasse as
festas e o Shabat, uma vez que o povo estaria na dispersão. Isso não
significa que o Shabat ou mesmo as festas tenham cessado ou mesmo que
teriam deixado de ser praticadas nesse período.
Mas é possível identificar a data do Shabat
hoje? A resposta é afirmativa. Vejamos como.
Primeiramente, é preciso estabelecer
que tanto nas Boas Novas quanto nos demais textos da B’rit Chadashá (Aliança
Renovada) - conhecida popularmente como Novo Testamento - não se encontra
nenhum indício de que o Shabat estivesse sendo celebrado na data errada.
Pelo contrário, quando Yeshua fala da
fuga não ser no Shabat, ou quando discutiu com os fariseus sobre o que é
ou não lícito no Shabat, nunca houve qualquer menção a uma mudança na
data do Shabat. E Yeshua, como Senhor do Shabat, certamente
saberia a data correta.
Isso continua a ser verdadeiro quanto
aos seguidores de Yeshua. Por exemplo, em Atos, encontramos o seguinte:
E, saídos
os judeus da sinagoga, os gentios rogaram que no Shabat seguinte lhes fossem
ditas as mesmas coisas. (Atos 13:42)
E dali
para Filipos, que é a primeira cidade desta parte da Macedônia, e é uma
colônia; e estivemos alguns dias nesta cidade. E no dia de Shabat saímos fora
das portas, para a beira do rio, onde se costumava fazer oração; e,
assentando-nos, falamos às mulheres que ali se ajuntaram. (atos 16:12-13)
Tanto para judeus, quanto para
não-judeus; tanto em Israel, quanto fora de Israel, observa-se que o Shabat
era o mesmo.
Esse é também o testemunho de Flávio
Josefo, falando sobre a prática em Jerusalém e no templo, quando afirma:
Existe um
povo chamado judeus, e habitam em uma cidade que é a mais forte de todas as
cidades, cujos habitantes chamam de Jerusalém, e estão habituados a repousarem
todo sétimo dia; (Contra Apion 1:209)
[...] Onde
um dos sacerdotes de fato permanecia, e dava um sinal antecipado, com uma
trombeta, no princípio de cada sétimo dia, no crepúsculo vespertino, assim como
à noite quando o dia se encerrava, de forma a dar notícia ao povo de quando
deveriam deixar o trabalho, e quando deveriam voltar ao trabalho novamente. (Guerras
4:9:12)
Alguns ainda tentam afirmar que
mudanças no calendário romano teriam alterado a contagem do Shabat.
Porém, fato é que nenhum grupo judaico ou israelita histórico jamais foi
documentado guardando outra data. Sejam samaritanos, fariseus, saduceus, ou
essênios, todos sempre observaram a mesma data historicamente. A saber, o
sétimo dia, numa sequência ininterrupta de setes.
Além disso, todos os grupos com raízes
históricas, a saber: judeus ortodoxos, beta Israel etíopes, judeus caraítas, e
samaritanos observam o Shabat exatamente na mesma data. Não é razoável
supor que todos esses grupos tenham sido influenciados por alguma mudança no
calendário romano.
Muito antes dos romanos invadirem Israel,
os manuscritos do mar morto e literaturas da época do segundo templo, como o
livro dos jubileus, já mostravam semanas corridas de sete dias na literatura
judaica, o que demonstra uma independência entre os dois sistemas.
De fato, o termo bíblico para ‘semana’,
no hebraico shavua vem da mesma raiz de shevá, que significa
sete, se escrevem de forma idêntica, e chega até mesmo a ter a mesma grafia em Gn.
29:27-28.
E o termo não é usado unicamente para
se referir a contagens sequenciais e ininterruptas de sete dias, mas também de
anos. E assim como nós descansamos a cada sete dias ininterruptos, a terra
também deveria descansar a cada sete anos ininterruptos:
Fala aos
filhos de Israel, e dize-lhes: quando tiverdes entrado na terra, que eu vos
dou, então a terra descansará um Shabat a YHWH. Seis anos semearás a tua terra,
e seis anos podarás a tua vinha, e colherás os seus frutos; porém ao sétimo ano
haverá sábado de descanso para a terra, um Shabat a YHWH; não semearás o teu
campo nem podarás a tua vinha... Também contarás sete semanas de anos, sete
vezes sete anos; de maneira que os dias das sete semanas de anos te serão
quarenta e nove anos.” (Levítico 25:2-4,8)
Como você pode perceber, o Shabat
que temos atualmente é muito bem fundamentado não apenas biblicamente, mas
também historicamente, de modo que não há nenhuma dúvida quanto à sua data ou
origem. É possível traçá-lo historicamente até os tempos de Yeshua, o Senhor do
Shabat, sem qualquer dúvida quanto à sua frequência.
Em minha experiência, o Shabat é
o elemento mais delicado da observância da torá de Yeshua e, portanto, de toda
a Teshuvá. Muitos dos que observam o Shabat há anos, como é o meu
caso, puderam já observar que o Shabat é aquele passo de compromisso que
por muitas vezes espelha toda a atitude da pessoa no que diz respeito à fé.
Geralmente, o Shabat é um dos
pontos que mais serve de termômetro para o compromisso de alguém com relação a
viver uma fé bíblica. Pessoas cujo compromisso não está firme provavelmente não
conseguirão dar esse passo, ou talvez adotem uma postura “light” com
relação ao Shabat, adotando-o não como estilo de vida, mas simplesmente
como “dia de ir à congregação”. Refiro me aqui a quem não consegue se
comprometer, e não àqueles que se veem forçados a trabalhar no Shabat porque
ainda não têm uma alternativa.
E com a infinidade de materiais
teológicos defendendo a posição romana, é preciso muni-los com uma visão clara
das Escrituras sobre o Shabat. Dificilmente conseguirá dar um passo tão
grande alguém que não tenha muito claro para si a importância e a solidez do Shabat
nas Escrituras.
E antes de discutirmos o que fazer no Shabat,
como guardá-lo, é preciso que esteja clara a instituição, a importância e a
permanência do Shabat como sinal para o povo do eterno. Sem isso, não há
esperança de uma observância sólida e duradoura.
Ter solidez no conhecimento sobre a
importância do Shabat fará muita diferença na seriedade de seu
compromisso, enquanto sinal da aliança com o ETERNO.
Francisco
Adriano Germano
Compilação
de diversas fontes
Comentários
Postar um comentário