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AS QUATRO EXIGÊNCIAS DE ATOS 15



Na verdade, pareceu bem a Ruach HaKodesh (Espírito Santo) e a nós, não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá. (Atos 15:28-29)

 

Até àquela altura dos acontecimentos narrados em Atos, a comunidade de crentes em Yeshua não havia estabelecido nenhuma regra restritiva para o ingresso dos gentios que se chegavam no Caminho, que devessem cumprir algum tipo de norma elaborada por homens, baseada na Torá.

 

Porém, diante do crescente número de crentes de origem gentílica que ingressavam na comunidade de crentes, os apóstolos reunidos em Jerusalém decretaram que esses gentios deveriam aceitar um conjunto mínimo de exigências, para lhes permitir uma aceitação genuína dentro da comunidade.

 

E por que estas quatro exigências? Há algo fundamental nelas para manter unida uma comunidade? Estas quatro exigências realmente eram conhecidas como “Leis Noéticas” ?

 

É muito comum entre os especialistas recorrer a essas “Leis Noéticas” quando se discute a proibição emanada do Concílio de Jerusalém em Atos 15. Vários autores demonstram que as quatro exigências aos gentios são uma versão resumida dessas “Leis Noéticas” ditadas pelos rabinos da antiguidade.

 

No Talmud babilônico são enumeradas essas “Leis Noéticas” como sete normas:

 

1. Proibição de idolatria;

2. Proibição de blasfêmia;

3. Proibição de derramar sangue;

4. Proibição de pecados sexuais;

5. Proibição de roubar;

6. Proibição de comer carne de animais vivos;

7. Exigência de estabelecer um sistema legal.

 

Na verdade, essas sete leis são um resumo posterior quando a sinagoga já não mais se interessava em ter gentios como parte da comunidade. A formulação das “Leis Noéticas” representa um segundo caminho, de maneira que aos gentios fosse garantido um lugar no Olam Habá (Mundo Vindouro) sem a necessidade de participar da comunidade judaica.

 

Isto significa que a interpretação de Atos 15 como uma aplicação dessas “Leis Noéticas” não seja possível, porque estas leis são totalmente opostas à conclusão do Concílio de Jerusalém. O Concílio ou Beit Din de Jerusalém decidiu que os crentes gentios seriam recebidos exatamente da mesma maneira como membros do pacto como os judeus eram recebidos, na base de sua fé, sem a necessidade de circuncisão ou outro requisito.

 

Além do mais, se o Concílio de Jerusalém tivesse reconhecido essas “Leis Noéticas” para os gentios, estaria em flagrante desobediência a Torá, porque esta estabelece claramente, em um sentido plano, sem necessidade de interpretação que há uma única Torá para Israel e para os gentios que permanecem com eles (Bamidbar/Números 15:16).

 

Claramente essas “Leis Noéticas” não coincidem com a conclusão de Atos 15 e devemos procurar outra explicação.

 

AS QUATRO EXIGÊNCIAS COMO “CERCA” CONTRA A ADORAÇÃO AOS ÍDOLOS

 

Claramente se nota que os apóstolos consideraram essas quatro exigências dadas aos crentes de origem gentia como requisito essencial para serem recebidos na comunidade.

 

Obviamente, os apóstolos não estavam sugerindo aos crentes de origem pagã que todas as orientações morais e éticas poderiam ser resumidas nestas quatro exigências. Sugere-se que essas quatro proibições estejam relacionadas com o tópico da adoração de ídolos nos templos gentios.

 

Da perspectiva judaica, nada caracterizava mais os gentios do que a idolatria e nada era mais detestável. Se estavam permitindo aos gentios entrarem na congregação e na comunidade sem lhes exigir que se tornassem prosélitos (como os fariseus costumavam fazer), como poderia a comunidade ter certeza de que eles tinham posto um fim em seu paganismo, rompendo com a idolatria? Sem um conjunto de proibições que envolve o tocar, manipular, comer etc. como ter a certeza de que esses gentios, vivendo em uma cultura pagã, não estavam participando da idolatria na qual eles tinham crescido?

 

Nesse aspecto, o Beit Din de Jerusalém viu a necessidade de submeter os gentios em alguns regulamentos criados por homens. A comunidade de crentes em Yeshua precisava estar segura de que os gentios não estavam adorando mais os ídolos e que eles os tinham abandonado e estavam arrependidos de seu crime capital. E para obter tal segurança, os apóstolos estavam requerendo dos gentios crentes que assumissem o jugo e a carga destas leis feitas pelos homens em matéria de idolatria.

 

Percebe-se que essas quatro exigências dadas aos crentes de origem gentílica estavam associadas com a adoração dos ídolos, nos templos pagãos. Ao se requerer dos crentes gentios a separação dos aspectos culturais dos templos pagãos, os apóstolos estavam indicando aos gentios que observassem a idolatria de uma perspectiva judaica, além de prepará-los a aceitar algum tipo de instruções adicionais, ao estilo dessas formuladas pelo Sanhedrin, para este mesmo aspecto.

 

Como Ben Witherington escreveu:

 

Eles não deveriam dar a oportunidade aos judeus da Diáspora acusar os gentios de estarem praticando idolatria e moralidade tendo acreditado no Messias

 

Ao determinar que os crentes de origem gentílica deveriam se afastar dos aspectos relacionados a idolatria, a qual deveria ser considerada, naturalmente, fora da perspectiva de um crente comum, os apóstolos estabeleceram uma halachá pertinente à idolatria, ou seja, uma “cerca”, a qual não pertenceria as Escrituras, mas estaria no mundo real para que esses gentios fossem incluídos dentro da comunidade judaica.

 

Quando nos referimos aos templos gentios, bem como dos seus rituais, devemos nos lembrar de que em grande parte estes eram vistos como instituições culturais e sociais e não apenas como centros religiosos. Por exemplo, os templos gentios serviam frequentemente como bancos para os assuntos do estado e como lugar de discussão de todo o tipo de tópicos políticos.

 

Os gentios que haviam nascido e crescido em culturas idólatras da Grécia e Roma tinham em grande valia muitos aspectos familiares e comunitários que os amarravam aos templos pagãos. Um crente de origem gentílica poderia continuar a participar desses templos e até mesmo se unir em eventos familiares, políticos e comunitários sem participar da idolatria? Eles poderiam comer sem fazer a adoração aos deuses para quem essas comidas geralmente eram oferecidas?

 

Muitas atividades da sociedade grega e romana envolviam o templo pagão de tal modo que os crentes de origem gentílica deveriam tomar precauções adicionais, a fim de oferecer testemunho aos seus irmãos judeus, de que abandonaram a idolatria em todos os seus aspectos. É para esta finalidade que as quatro proibições foram ditadas pelo Concílio de Jerusalém.

 

AS QUATRO PROIBIÇÕES COMO ASPECTOS DO TEMPLO PAGÃO

 

1. Se privar dos alimentos oferecidos aos ídolos.

 

Esta frase “alimentos oferecidos aos ídolos” é traduzida com uma única palavra do grego “eidolothutos” (εἰδωλόθυτος) e nove vezes aparece nos escritos do chamado “Novo Testamento”, sempre no contexto de comer alimentos num templo pagão. Este fato é fortalecido pela frase usada na relação inicial de Atos 15:20. As “contaminações dos ídolos” claramente se referem à contaminação de alimentos usados nos rituais dos templos pagãos. Ao empregar esta palavra, os apóstolos não estão proibindo alimentos do mercado geral, mas apenas alimentos específicos de um jantar cerimonial que esteja conectado a uma cerimônia de idolatria.

 

Os crentes de origem gentílica não deveriam comer alimentos oriundos de centros de idolatria pagãos, porque estas comidas eram dedicadas a ídolos. Claro que havia atividades no recinto do templo que não tinham nada a ver com os ídolos que ali estavam. Aparentemente esse aspecto lhes era permitido.


2. Se privar de sangue

 

Refere-se, especificamente, ao ato de ingerir sangue, algo tão comum em rituais de adoração para ídolos. Se a pessoa tomava ou não o sangue da vítima do sacrifício não está muito claro, porém há evidências que os sacerdotes faziam isso. De uma perspectiva judaica, participar em um ritual no qual o sacerdote bebe o sangue do sacrifício é ter participação do mesmo ato abominável. Evidentemente, a Torá proíbe comer sangue. Tal coisa era detestável para a comunidade judaica.

 

3. Se privar do sufocado (estrangulado)

 

Normalmente os animais sacrificados no templo pagão eram levados para fora, a fim de cortar o seu pescoço. Porém, às vezes, esse ato se dava por meio da estrangulação. Este assassinato desumano de animais estava contra o espírito da Torá. A Torá proíbe que se coma sangue, mas não há instruções nas Escrituras, de como sacrificar um animal (no caso do sacrifício de animais permitidos de serem levados ao altar).

 

Com o objetivo de cumprir plenamente com os mandamentos da Torá contra a ingestão de sangue, os Sábios encontraram a necessidade de formular tais regras ou leis (Shechitá). A carne dos animais estrangulados foi certamente proibida, pela altíssima probabilidade de estar saturada de sangue.

 

Os crentes de origem gentílica não participavam na cruel estrangulação de animais, nos rituais que incluíam tais práticas. Nem deveriam comer a carne de animais estrangulados. Se os crentes gentios adquirissem carne dos templos, havia uma probabilidade muito alta de serem carne de animal que foi estrangulado.

 

4. Se privar da fornicação

 

A palavra traduzida do grego como “fornicação” é PORNEIA, de onde se origina a palavra “pornografia”. Alguns sugerem que esta palavra, neste caso, descreve os matrimônios proibidos (i.e. por proximidade consanguínea). Em Vayikra/Levítico 18 discute as uniões proibidas, porém, a Septuaginta (LXX) não emprega essa palavra para estes casos. Porneia é usada em 1 Coríntios 5:1 para descrever incesto.

 

Evidentemente, em Atos 15 a palavra porneia está associada com as prostitutas do templo pagão. Era tão notório a prostituição nos templos pagãos em Corinto que a frase “jogar os coríntios” significava tomar parte da promiscuidade sexual.

 

Possivelmente os apóstolos estavam se referindo a envolvimentos com prostituição cultual dos templos pagãos, ao estabelecerem a proibição de “fornicação”. Se esta não fosse a intenção, seria desnecessária toda a discussão para qualquer crente, mesmo os de origem pagã, por questões óbvias. Mas a proibição se dirige a qualquer conexão com os rituais dos templos pagãos onde prostitutas participavam da adoração aos ídolos, seja publicamente ou em secreto, visível ou não visível.

 

Em resumo, cada uma das proibições estão relacionadas com algum aspecto específico de adoração nos templos pagãos, se requerendo do crente de origem gentílica se adaptar a halachá efetiva da comunidade judaica com respeito a assuntos de idolatria. A demanda de uma separação total da idolatria do templo pagão é enfatizada na frase final da proibição:

 

Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá. (Atos 15:29)

 

Os apóstolos sabiam que os crentes de origem pagã estavam dispostos a aceitar a rigidez relativa da halachá com respeito a idolatria e em particular com relação aos templos gentios, para serem aceitos dentro da comunidade da Torá. Considerou-se que isto representaria um “fardo” ao colocar sobre eles parte do “jugo” da tradição, mas que era essencial para a sua inclusão dentro da comunidade da Torá, onde eles aprenderiam as Escrituras e cresceriam na fé. Sua disposição em se submeterem a estas regras adicionais deu à comunidade judaica a confiança necessária para receber esses que tinham abandonado completamente a idolatria e tinham se convertido ao único e verdadeiro Elohim, o Elohim de Israel.

 

CONCLUSÃO

 

A norma vigente, para aqueles dias, aos que desejavam participar das comunidades judaicas, passava inexoravelmente pela circuncisão e a observância de regulamentos rabínicos. A resposta do Beit Din Messiânico foi um firme “não” para este assunto. Usar a circuncisão como uma simples exigência a ser feita ao prosélito, como “um ritual de passagem”, não era necessário para um crente pagão que aspirava ser recebido na comunidade da Torá.

 

Porém, havia a necessidade de assegurar à comunidade judaica que esses gentios que confessavam a Yeshua como Mashiach tinham genuinamente abandonado qualquer forma de idolatria. Considerando que as culturas grega e romana eram centralizadas na adoração de ídolos nos templos pagãos, era importante que a comunidade judaica estivesse disposta a receber os crentes de origem pagã sem temer que eles os arrastassem à idolatria.

 

Os apóstolos então, exigiram que os crentes de origem gentílica aceitassem os mandamentos e leis extrabíblicas (halachá), referentes ao tópico da idolatria. Estes eram:

 

- Não deveriam participar de qualquer alimento que fosse conectado, ainda que remotamente, com a adoração de ídolos;

- Não deveriam participar em qualquer reunião ou cerimônia que envolvesse o uso errado de sangue como elemento de sacrifício;

- Não deveriam se envolver com qualquer ritual ou cerimônia que inclui a estrangulação de animais, e deveriam ter cuidado de não comer carne de animais mortos por estrangulação (algo comum nos rituais pagãos);

- Deveriam tomar a iniciativa de se distanciar, de manter qualquer contato ou apoiar as prostitutas do Templo;

 

A Torá proíbe qualquer tipo de adoração a ídolos, os Sábios tinham posto um bom número de cercas (barreiras) para distanciar o povo de ter contato com a idolatria e estas barreiras eram extrabíblicas. Porém, os apóstolos consideraram ser essencial demonstrar uma ruptura clara com a idolatria por parte dos crentes de origem gentílica.

 

Porém, como essas instruções (halachá) tem sua origem em homens e não diretamente das Escrituras, os apóstolos não estavam dispostos a sujeitarem os crentes gentios a mesma carga pesada de tradições que eles mesmos não podiam suportar. Assim sendo, consideraram essencial exigir apenas aos crentes de origem gentílica que mantivessem esta halachá. Através da observância dessas exigências iniciais, a comunidade dos crentes em Yeshua receberia com satisfação os crentes de origem gentílica, que radicalmente tinham se separado de toda a forma de idolatria.

 

 

Por Tim Hegg

Traduzido por Gamli'el ben Avraham

Corrigido e adaptado por Francisco Adriano Germano


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