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MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO JUDAICA

 


Muitos têm se perguntado se não devemos rever à nossa maneira de lermos e estudarmos as Escrituras, de resgatar a forma inicial empregada por Yeshua e seus primeiros talmidim (discípulos) estudavam, ouviam e compreendiam a interpretação bíblica.

 

Isso é fundamental para que compreendamos, por exemplo, as exposições feitas especialmente na B'rit Chadashá (“Novo Testamento”), onde autores como Sha'ul (Paulo), Matitiyahu (Mateus) e Lucas, estruturaram sua teologia e até mesmo seus argumentos em favor da Messianidade de Yeshua.

 

Para ajudar neste processo, iniciaremos a presente investigação das formas de interpretação judaica das Escrituras desde os primórdios do Judaísmo, compreendendo principalmente como evoluiu o pensamento judaico.

 

O Midrash: A forma mais antiga

 

A forma mais antiga de interpretação das Escrituras é conhecida como midrash. Sua primeira ocorrência existe aparece nas Escrituras como, por exemplo, em Divrei HaYamim (2 Crônicas) 13:22, que diz:

 

Quanto aos mais atos de Aviyah, tanto o que fez como o que disse, estão escritos no livro de Midrash do profeta Ido.

 

O termo midrash deriva de “דרש” (drash) que significa buscar ou inquirir. Em outras palavras, o midrash é aquilo que é buscado nas Escrituras. Ou seja, o midrash nada mais é do que uma interpretação do texto, na busca de um sentido que vá além do texto literal. Nos tempos rabínicos, mesmo antes de Yeshua, as técnicas de midrash se subdividiam em duas categorias: Midrash Hagadá e Midrash Torah (ou Midrash Halachá).

 

Midrash Hagadá

 

O termo hagadá significa “narrativa” e, portanto, o Midrash Hagadá consiste na “investigação das narrativas”, de forma a extrair lições presentes, a partir das histórias dos patriarcas e outras narrativas bíblicas.

 

A Enciclopédia Judaica define o objetivo do Midrash Hagadá da seguinte forma:

 

[Midrash Hagadá] interpretava todo conteúdo histórico da Bíblia de uma forma religiosa e nacional tal que os heróis do tempo antigo se tornavam protótipos, enquanto a história do povo de Israel, glorificada à luz das expectativas messiânicas, tornava-se uma revelação contínua do amor e da justiça de Elohim.

 

1) Exemplo de Ya'akov (Tiago)

 

O Midrash Hagadá tinha como premissa que as narrativas bíblicas poderiam servir de exemplos de vida, de como agir ou de como não agir. Sendo assim, o Midrash Hagadá extraía lições a partir das histórias. Um exemplo de Midrash Hagadá pode ser encontrado na lição da B'rit Chadashá (“Novo Testamento”) sobre Avraham Avinu:

 

Desejas saber ainda, fraco filho do homem, que a fé sem obras é morta? Não foi Avraham Avinu justificado pelas obras, quando fez subir Yitschak, seu filho, ao altar? Vede que a fé dele apoiou suas obras, e através das obras, a sua fé amadureceu. (Ya'akov/Tiago 2:20-22)

 

Nesse trecho, Ya'akov HaTsadik (Tiago, o Justo) traz a narrativa de Avraham (Abraão) como exemplo de como a fé deve se desenrolar. Existem inúmeros exemplos dessa natureza na B'rit Chadashá (“Novo Testamento”), que era justamente um período em que tais técnicas eram bastante comuns.

 

Porém, a técnica do Midrash Hagadá também era utilizada para ensinamentos mais profundos e mais complexos. Era comum, sendo assim, que as histórias fossem relidas e uma série de elementos teológicos explicados, ampliados ou elaborados, mantendo-se a história como fio condutor da teologia.

 

2) Exemplo de Sha'ul (Paulo)

 

Um exemplo disso pode ser visto com maior clareza nos escritos de Sha'ul (Paulo), tais como em Curintayah Alef/1 Coríntios 10:1-4:

 

Pois não quero, irmãos, que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar; e, na nuvem e no mar, todos foram imergidos em Moshe, e todos comeram do mesmo alimento espiritual; e beberam todos da mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os acompanhava; e a pedra era o Mashiach.

 

De imediato, pode-se observar que Sha'ul (Paulo) já nos apresenta duas realidades espirituais acerca da água: a água do mar pela qual o povo passou foi semelhante a um ritual de imersão; e a água que alimentou o povo é semelhante ao Mashiach, pois o próprio declarou ser fonte da água que sacia plenamente (Jo. 4:13-14)

 

Através desse midrash, Sha'ul (Paulo) compara a jornada de Israel com o princípio da vida espiritual de quem se achega ao Mashiach, e o objetivo torna-se claro mais adiante no capítulo: ele utiliza da narrativa dos tropeços de Israel, para alertar que nós também podemos tropeçar. Isso fica claro nos versos 11-12, que diz:

 

Ora, tudo isto lhes aconteceu foi como exemplo para nós, e foi escrito como instrução a nós, para quem já são chegados os fins dos séculos. Aquele, pois, que pensa estar em pé, olhe não caia.

 

Ou seja, sua mensagem é clara: Se a jornada foi semelhante, então os tropeços também podem ser, se não atentarmos para eles. O midrash de Sha'ul (Paulo) continua trazendo lições sobre a celebração do Pessach (“Páscoa”) a partir da primeira experiência de libertação de Israel, comparando a essência espiritual de ambas às coisas.

 

A citação acima, de Sha'ul (Paulo), também ilustra bem o pensamento que deu origem a esse tipo de midrash: tudo o que ocorreu e foi narrado pelas Escrituras contém lições profundas, que podem tanto servir de exemplos de vida, quanto podem ilustrar pontos teológicos mais profundos.

 

3) Exemplo da Mekilta

 

Apenas a título de ilustração, oferecemos mais um exemplo, desta vez da Mekilta. A Torah diz o seguinte em Shemot/Êxodo 17:11

 

E acontecia que, quando Moshe levantava a sua mão, Israel prevalecia; mas quando ele abaixava a sua mão, Amalek prevalecia.

 

A Mekilta diz o seguinte acerca dessa passagem:

 

Acaso as mãos de Moshe ajudou Israel a vencer ou destruir a Amalek? Nenhum dos dois, mas enquanto ele apontava sua mão para cima, os israelitas olhavam para cima [ie. para o céu] e criam nAquele que ordenara a Moshe a fazer tal coisa, e o Sagrado, Bendito seja Ele, lhes assegurava maravilhas e vitória.

 

O exemplo acima é um Midrash Hagadá, pois utiliza o tema da narrativa da batalha com Amalek para ilustrar o ponto de que, na realidade, o que assegura a vitória a Israel é a fé em Elohim.

 

Conclusão para o Midrash Hagadá

 

O Midrash Hagadá é sempre uma forma interessante de extrairmos lições espirituais preciosas. Porém, ao lermos uma exposição de Midrash Hagadá (especialmente se vier de um comentário rabínico), nem sempre devemos levá-la ao pé-da-letra, pois por definição o Midrash Hagadá é uma releitura de um evento. Às vezes, contudo, o Midrash Hagadá pode indicar uma realidade espiritual mais profunda por trás da narrativa, como vemos na B'rit Chadashá (“Novo Testamento.”)

 

Como Aplicar

 

Não é difícil aplicarmos as técnicas de Midrash Hagadá para fazermos nossos próprios estudos e prepararmos, por exemplo, prédicas ou outros. Para isso, basta elegermos uma história da narrativa bíblica e nos perguntarmos as algumas coisas:

 

- Que realidade espiritual pode estar por trás dessa história?

- Que lição de vida podemos tirar dessa narrativa?

- Como essa narrativa se compara com o nosso dia a dia?

- Como essa narrativa se compara com a evolução de nossa vida espiritual?

- A que princípios bíblicos essa narrativa se assemelha?

- Como posso trazer o espírito da narrativa para os dias atuais?

- O que essa narrativa nos diz sobre a ação ou o caráter de Elohim?

- Como essa narrativa se compara com ensinamentos posteriores, como por exemplo os ditos de Yeshua ou dos seus sh'lichim (emissários)?

 

Essas são apenas algumas diretrizes que poderiam orientar na concepção de um Midrash Hagadá bem-sucedido. Tenhamos sempre em mente, todavia, que sempre que analisamos as Escrituras sob uma ótica mais profunda, devemos tomar cuidado para que o resultado não fira as próprias Escrituras, nem o seu contexto geral ou mesmo específico.

 

Em outras palavras, o Midrash Hagadá não pode ser utilizado como pretexto para a criação de doutrinas extrabíblicas.

 

Midrash Torah (Midrash Halachá)

 

O outro tipo mais antigo de Midrash que se encontra é o Midrash Torah, que é também conhecido como Midrash Halachá. O termo halachá deriva do verbo “להלך” (lehalech) que significa “caminhar”. Em termos bem genéricos, halachá refere-se à forma como se “caminha”, isto é, a forma como se “vive” a Torah, na prática.

 

O Midrash Halachá nada mais é do que uma técnica para se extrair conclusões sobre assuntos que a Torah não aborda diretamente, mas que podem ser resolvidos através de uma “busca” em todas as Escrituras, juntando e comparando informações, e em alguns casos aplicando algum grau de dedução.

 

1) Exemplo da Mishná

 

Um exemplo de Midrash Halachá: Na Mishná, em Berachot 10b, é dito que a Beit Shamai afirmava que o Shemá deveria ser recitado quando a pessoa acordasse, antes de se levantar da cama. A Beit Hillel afirmava que o importante era o recitar do Shemá pela manhã, independentemente da posição corporal.

 

O texto da Torah diz o seguinte:

 

E as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te. (Devarim/Deuteronômio 6:7)

 

Um exemplo de como poderíamos fazer um midrash halachá. A Torah traz em Shemot/Êxodo 9:13 a seguinte ordem de Elohim a Moshe:

 

Então disse YHWH a Moshe: Levanta-te pela manhã cedo, e põe-te diante de Faraó, e dize-lhe: Assim diz YHWH Elohim dos hebreus: Deixa ir o meu povo, para que me sirva.

 

Evidentemente, Moshe não dormiu na presença de Faraó e nem falou com ele imediatamente ao abrir os olhos. Sendo assim, podemos concluir que o levantar-se refere ao período matinal, e não necessariamente ao primeiro movimento paralelo ao de erguer-se do leito. Portanto, podemos concluir que a recitação do Shemá deve ser feita pela manhã, e que a Beit Hillel está correta em seu entendimento. Esse é um exemplo de como é possível fazer um midrash halachá.

 

2) Exemplo do Sifrei Bamidbar

 

O Midrash Halachá também é uma forma de deduzir alguns princípios da Torah a partir do contexto. Vejamos um exemplo: A Torah diz em Bamidbar/Números 9:10-11

 

Fala aos filhos de Israel, dizendo: Quando alguém entre vós, ou entre as vossas gerações, for imundo por tocar corpo morto, ou achar-se em jornada longe de vós, contudo ainda celebrará o Pessach a YHWH. No mês segundo, no dia catorze à tarde, a celebrarão; com pães ázimos e ervas amargas a comerão.

 

Aqui a Torah estabelece que alguém poderia celebrar o Pessach Sheni (Segundo Pessach) por estar impuro devido a contato com o morto, e assim incapacitado de ir ao Beit HaMikdash (Templo), e por razões de viagem.

 

Ora, o contato com o morto não é a única coisa que impediria a pessoa de subir ao Beit HaMikdash (Templo.) Qualquer tipo de impureza o afastaria do Beit HaMikdash. Se ele tivesse, por exemplo, tsara'at - a doença de pele descrita em Vayicrá/Levítico 14, estaria afastado do arraial de Israel. O que dizer de uma pessoa que tivesse tsara'at à época do Pessach, mas estivesse limpa à época do Pessach Sheni?

 

Sifrei Bamidbar 69 estabelece um Midrash Halachá que a Torah dá apenas um exemplo de tipo de impureza, e entende que pessoas que tivessem contaminação por outros tipos de impureza, e assim estivessem impedidos de subir ao Beit HaMikdash (Templo), poderiam igualmente participar do Pessach Sheni - o que faz total e pleno sentido.

 

Outro exemplo que podemos ter em mente é o do cozinhar nas Festas Bíblicas. A Torah diz:

 

Não acendereis fogo em nenhuma das vossas moradas no dia do Shabat. (Shemot/Êxodo 35:3)

 

As Festas Bíblicas têm restrições e recomendações semelhantes ao do Shabat: restringe-se o trabalho, e solicita-se reunião solene. Mas a Bíblia nada fala especificamente sobre acender ou não o fogo em todas as festas bíblicas.

 

Porém, a Bíblia diz, ao falar do primeiro e do último dia de Chag HaMatsot (Festa de Pães Ázimos):

 

E ao primeiro dia haverá santa convocação; também ao sétimo dia tereis santa convocação; nenhuma obra se fará neles, senão o que cada alma houver de comer; isso somente aprontareis para vós. (Shemot/Êxodo 12:16)

 

O termo “mikrá kodesh” (santa convocação) é também usado para se referir a outras festas bíblicas. Apesar de posteriormente terem sido referidas como “Shabat”, nenhuma das festas bíblicas é chamada dessa forma na Torah, à exceção do Yom Kipur (em que nem faria sentido a discussão sobre fogo, pois faz-se jejum nesse dia.) Festas como Shavu'ot (“Pentecostes”) e o primeiro dia de Sukot (Tabernáculos) são chamadas de “mikrá kodesh”.

 

Como a única passagem que diferencia um dia unicamente de “mikrá kodesh” de um Shabat convencional é a passagem supracitada, praticamente todas as vertentes do Judaísmo (inclusive ortodoxos e caraítas) concluem que nas Festas Bíblicas é permitido cozinhar a refeição do dia. Esse é mais um exemplo de Midrash Torah ou Midrash Halachá.

 

3) Exemplo de Yeshua

 

Esse recurso de Midrash Torah (ou Midrash Halachá) também foi utilizado por Yeshua. Vejamos um exemplo disso em Matitiyahu (Mateus) 19:8:

 

Disse-lhes ele: Moshe, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.

 

Como poderia Yeshua firmar que Elohim não se agradava do repúdio? E como poderia Yeshua afirmar que a única forma justificável de repúdio estava na infidelidade? A resposta está em Malachi (Malaquias) 2:16

 

[...]Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade. Porque YHWH, o Elohim de Israel diz que odeia o repúdio, e aquele que encobre a violência com a sua roupa, diz YHWH Tseva'ot; portanto guardai-vos em vosso espírito, e não sejais desleais.

 

Podemos agora ver com clareza o Midrash Torah de Yeshua: Se Elohim odeia o repúdio, então o repúdio existe apenas em função da necessidade por conta da natureza caída do homem - assim como a expiação para o pecado.

 

Todavia, Malachi (Malaquias) parece reconhecer o repúdio como um mal necessário, em caso de infidelidade. Através dessa “busca” nas Escrituras por passagens que tratem do tema, Yeshua foi capaz de ajuntar uma visão global do assunto. É exatamente esse o espírito do Midrash Torah.

 

Conclusão para o Midrash Torah

 

O Midrash Torah (ou Midrash Halachá) é um dos recursos de interpretação bíblica mais preciosos para quem quer entender como é o viver bíblico. Em especial, o viver a Torah. Muitas vezes, a resposta das questões pode estar em diversos pontos das Escrituras.

 

Como Aplicar

 

Fazer um Midrash Torah é mais complexo do que um Midrash Hagadá, pois requer um bom conhecimento das Escrituras. Todavia, hoje temos um recurso bastante interessante que são os programas e websites de pesquisa nos textos bíblicos.

 

Um Midrash Torah é, por definição, fazer uma tentativa de responder a uma questão que a Bíblia não necessariamente expõe de forma simples e literal. Para fazer isso, é necessário tomar os seguintes passos:

 

- Familiarize-se com a questão, e certificar-se de que a Bíblia não possui uma recomendação direta sobre o tema.

- Se a Bíblia responde a questão parcialmente, procure pensar no espírito da coisa. Em outras palavras, que princípio a Bíblia está ensinando?

- Pesquise nas Escrituras por palavras relacionadas a este tema, de modo a estabelecer suas conclusões.

- Tome cuidado com traduções. Palavras hebraicas diferentes podem apresentar uma mesma tradução. Utilize uma concordância, se necessário, para se certificar de que os textos bíblicos tratam sobre o mesmo tema.

- Procure prestar atenção em possíveis exemplos narrativos. Embora o Midrash Halachá não seja feito sobre narrativas, a prática de Torah de um ou outro personagem bíblico podem ajudar a esclarecer a questão.

- Consulte soluções de outras pessoas ou grupos judaicos sobre o mesmo tema. Por exemplo: o que diz o Judaísmo Ortodoxo sobre a questão? E procure entender as razões para isso. Nem sempre concordamos com outras vertentes judaicas, mas elas sempre podem ser fonte de consulta.

- Consulte pessoas com mais experiência na Torah, de modo a enriquecer o debate.

- Lembre-se: A sua interpretação pode não ser a única possível. Assim sendo, encare sempre uma halachá com bastante humildade, e saiba dar o devido espaço para outras conclusões.

- Seu Midrash Torah jamais deve ferir o texto literal das Escrituras, nem o seu princípio.

- Se você faz parte de uma kehilá (congregação), lembre-se sempre que o grupo precisa ter unidade de halachá. Apresente sempre seu Midrash Torah ao líder e/ou aos zakanim (anciãos), para fins de debate.

 

Devemos ainda sempre tomar muito cuidado para que o método de “busca” nas Escrituras não leve a descontextualizações perigosas. Se soubermos respeitar o contexto, essa forma de estudo é bastante poderosa para pautarmos nossa conduta de forma muito sólida nas Escrituras.

 

Midrash Pesher

 

Um terceiro, porém, não menos interessante tipo de midrash surge para nós a partir das cavernas de Qum'ran, com inúmeros paralelos na B'rit Chadashá (“Novo Testamento”): O Midrash Pesher.

 

O termo pesher vem da raiz “פשר” que significa “libertar” ou “soltar”, e é utilizado com sentido de “interpretar”. Frequentemente nos manuscritos do mar morto, o Midrash Pesher é acompanhado da expressão “pesher hadavar” (a interpretação da palavra.)

 

Essa fórmula é uma citação de Cohelet (Eclesiastes) 8:1 que diz:

 

Quem é como o sábio? E quem sabe a interpretação das coisas [pesher davar]?

 

A ideia, portanto, é a de que o Midrash Pesher se refira a uma interpretação mais profunda das Escrituras, que requer sabedoria. Vale aqui ressaltar que a sabedoria, nas Escrituras, não é associada unicamente ao reter conhecimento, mas também a uma vida reta na Torah. Portanto, podemos dizer que é uma interpretação capaz de ser realizada por alguém cuja vida está afinada com o propósito de Elohim, e que tem domínio das Escrituras.

 

Como Sonhadores

 

Na obra “Encyclopedia of the Dead Sea Scrolls”, Shani L. Berrin define o “pesher” como uma forma de interpretação típica de sonhos. De fato, a raiz do termo aparece em Dani'el 2, como por exemplo no passuk (verso) 7, que diz:

 

Responderam segunda vez, e disseram: Diga o rei o sonho a seus servos, e daremos a sua interpretação. [fishra - פשרה]

 

De fato, se lermos Dani'el, podemos perceber que poucos dentre os nevi'im (profetas) têm uma linguagem tão alegórica quanto ele, e seus textos são narrados a partir de sonhos e visões. É provável que o Midrash Pesher tenha, como se supõe no meio acadêmico, se originado da chamada “escola daniélica”, isto é, a partir dos discípulos de Dani'el.

 

Flavio Josefo, historiador judeu aproximadamente contemporâneo de Yeshua, relata que os essênios eram conhecidos por serem exímios na interpretação dos sonhos, e por sua reputação de serem os mais zelosos pela Torah no seu tempo. Em Antiguidades 17:13:3, Josefo relata que um essênio chamado Shimon interpretou corretamente o sonho de Arquelau.

 

A Interpretação de um Sonho

 

O Midrash Pesher pode ser exatamente definido, em termos bem simples, como o interpretar as Escrituras como se estivéssemos interpretando sonhos. Assim como os sonhos muitas vezes possuem sentidos mais comuns e de simples interpretação - como o sonhar que se está comendo um bolo, quando se está com fome, por exemplo - existem sentidos mais profundos.

 

E o que significa interpretar as Escrituras como se interpretássemos um sonho? Entenda um sonho como um conjunto de símbolos que transcendem o seu significado literal, mas com o preservar de uma ideia mais profunda por trás. Podemos olhar para o sonho de faraó na Torah como um exemplo:

 

Símbolos: 7 espigas e 7 vacas

Simbolizado: 7 anos

Princípio: surge o abundante, que depois é engolido pelo magro.

 

Repare que quando Yossef (José) interpreta o faraó, ele apenas interpreta o símbolo, mas mantém o princípio. Porque o princípio define a realidade espiritual. A realidade era que viria algo abundante, que seria engolido por algo magro. E de fato, os anos abundantes foram engolidos por anos magros.

 

As espigas e vacas representam anos de produção. Isso demonstra que o símbolo precisa ter uma conexão com a realidade. Espigas representam a colheita, assim como as vacas podem representar carne e leite.

 

O último ponto que precisamos compreender é que num sonho, o sentido literal não importa. É claro que deve haver um motivo pelo qual o faraó sonhou com vacas e com espigas da forma como sonhou. Porém, o contexto literal é pouco importante num sonho. Porque o objetivo ao interpretar um sonho é obter o “princípio” - talvez até mesmo de uma realidade espiritual.

 

Vejamos outro exemplo no sonho do próprio Yossef em Gn. 37:9:

 

Símbolos: sol (I), lua (II) e 11 estrelas (III)

Simbolizados: pai (I), mãe (II) e 11 irmãos (III)

Princípio: I, II e III se curvam perante ele

 

Novamente, preserva-se o princípio do curvar-se ou reverenciar, e apenas compreende-se o que o simbolizado representa. No caso em questão, são os irmãos, seu pai e sua mãe que se curvam perante ele. O princípio espiritual é preservado, e o contexto literal não é relevante.

 

Da mesma maneira, o contexto literal no Midrash Pesher é pouco relevante. Não porque a literalidade das Escrituras não seja importante. Elohim proíba! Mas sim pelo fato de que o Midrash Pesher não se ocupa dela, e sim da “realidade espiritual”, ou do “princípio” mais profundo. Naturalmente, como em todo nível de interpretação mais profunda, o Midrash Pesher não pode ferir a literalidade. Por exemplo, não é possível estabelecer um Midrash Pesher que signifique que existe um panteão de deuses, pois isso feriria a interpretação literal das Escrituras.

 

Como aplicar

 

Considerando que as Escrituras e os sonhos proféticos têm a mesma natureza, o Midrash Pesher aplica a mesma lógica dos sonhos aos textos inspirados. Sendo assim, como os essênios aplicavam o Midrash Pesher? Através dos seguintes passos:

 

1) Identificar um princípio espiritual;

2) Detectar que símbolos são usados;

3) Substituir os símbolos por aquilo que eles podem simbolizar;

4) Compreender a relação entre o princípio espiritual e o simbolizado.

 

É possível inverter a ordem dos passos 1 e 2. Por exemplo, podemos identificar primeiramente um símbolo que seja mais evidente, e daí partir para o princípio espiritual. Por exemplo, um texto que se refira a uma oliveira pode se referir a Israel. A partir daí, identificamos o princípio espiritual do texto e o aplicamos a Israel.

 

Vejamos alguns exemplos práticos:

 

1) Exemplo de Hoshea/Oséias 2:9-10

 

Portanto tornarei a tirar o meu grão a seu tempo e o meu mosto no seu tempo determinado; e arrebatarei a minha lã e o meu linho, com que cobriam a sua nudez. E agora descobrirei a sua vileza diante dos olhos dos seus amantes, e ninguém a livrará da minha mão.

 

“Esta passagem significa que ele os assolou com fome e nudez, de modo que se tornaram uma desgr[aça] e escândalo perante as nações em quem confiaram, mas que não puderam salvá-los da punição”. 4Q166 Col. 2

 

Símbolos: grão e mosto (I), lã e linho (II), amantes (III), mão (IV)

Simbolizados: alimentos (I), roupas (II), nações (III), juízo (IV)

Princípio: No tempo determinado, tirou deles os elementos I e II, perante III, o qual não pode lhes salvar de IV.

 

Podemos perceber que o princípio é mantido e se interpreta os símbolos. Vejamos alguns exemplos mais complexos:

 

2) Exemplo de Havakuk/Habacuque 1:12-13

 

Não és tu desde a eternidade, ó YHWH meu Elohim, meu Santo? Nós não morreremos. YHWH, para juízo o puseste, e tu, ó Rocha, o fundaste para castigar. Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal, e a opressão não podes contemplar[...]

 

Esta passagem significa que Elohim não exterminará seu povo através das nações; pelo contrário, Ele dará aos seus escolhidos o poder de exercerem juízo sobre os gentios, e à sua exortação todos os iníquos do Seu povo serão condenados. Os escolhidos são aqueles que têm observado os Seus mandamentos no tempo de sua tribulação, pois é isto que significa o que diz “tão puro de olhos, que não podes ver o mal”. Isto significa que eles não permitiram que seus olhos os conduzissem à prostituição durante o tempo da iniquidade. (1QpHab Col. 5)

 

Símbolos: Nós (I), Ele (II), os olhos (III), o mal (IV)

Simbolizados: Israelitas (I), Israel (II), os obedientes (III), prostituição* (IV)

Princípio: O elemento I não morrerá. O elemento II foi feito para julgar. III não pode suportar IV.

 

* Normalmente prostituição no discurso israelita significa incorporar ritos de divindades pagãs, ou deixar a Torah de Elohim

 

Mais uma vez, o princípio estrutural é mantido e os símbolos são interpretados.

 

O Midrash Pesher também era muito utilizado pelos essênios para verificar possíveis prenúncios proféticos de que eventos presentes foram anunciados pelas Escrituras. O Judaísmo sempre manteve que toda a história está presente em alguma camada de interpretação da Bíblia. É provável que isso tenha motivado esse uso particular do Midrash Pesher. Vejamos um exemplo:

 

3) Exemplo de Interpretação do Presente em Havakuk/Habacuque 2:15

 

Ai daquele que dá de beber ao seu companheiro! Ai de ti, que adiciona à bebida o teu furor, e o embebedas para ver a sua nudez!

 

Isto se refere ao Sacerdote Maligno, que perseguiu o Instrutor de Justiça para destruí-lo no calor de sua ira em seu lugar de exílio, no tempo apontado para o repouso do Yom Kipur, ele apareceu a eles para trazê-los à ruína, no Shabat dedicado ao seu repouso. (1QpHab Col. 11)

 

Símbolos: aquele, beber/bebida/embebedar, companheiro, ver a nudez

Simbolizados: Sacerdote Maligno (I), destruição (II), Instrutor de Justiça, pegar desprevenido (III)

Princípio: O elemento I traz II com furor a III, com o objetivo de IV.

 

Repare como o Midrash Pesher pode ser utilizado para explicar a realidade espiritual por trás de um acontecimento presente. Nesse acontecimento, no auge da batalha pelo controle do Beit HaMikdash (Templo), o Sacerdote Maligno, um sumo-sacerdote ilegítimo, exilou o Instrutor de Justiça e, aproveitando-se da mudança no calendário e sabendo que o Instrutor estaria celebrando o Yom Kipur, o atacou nessa data para pegá-lo desprevenido.

 

O Midrash Pesher também era utilizado para a interpretação de eventos escatológicos. Vejamos um exemplo:

 

Em Yeshayahu/Isaías 10:33-34

 

Mas eis que o Adon, YHWH Tseva'ot, cortará os ramos com violência, e os de alta estatura serão cortados, e os altivos serão abatidos. E cortará com ferro a espessura da floresta, e o Líbano cairá à mão de um poderoso.

 

[Isto se refere aos] kittim*, qu[e cair]ão nas mãos de Israel e dos humildes [de Yehudá...] todas as nações, e os poderosos serão destruídos, e [sua] co[ragem] se dissolverá. [... os mais altos] de todos serão cortados' refere-se aos guerreiros dos kit[tim, que, como diz o verso] '[A] espessura da floresta será cortada com ferro.'] e[stes são...] para guerra contra os kittim. 'As árvores do Líbano pel[a mão de um poderoso cairão' refere-se aos] kittim, que serão p[ostos] no poder dos nobres de [Israel...] (4Q161 Col. 3)

* É praticamente um consenso entre os acadêmicos que os kittim, nos manuscritos de Qum'ran, se refiram aos romanos.

 

Embora o trecho esteja fragmentado, podemos perceber alguns elementos do Midrash Pesher:

 

Símbolos: ramos (I), ramos altos (II), ramos altivos (III), ferro (IV) espessura das florestas (V), árvores do Líbano (VI), poderoso (VII)

Simbolizados: nações (I), Roma (II), guerreiros dos romanos (III), guerra (IV), exército romano (V), governantes romanos (VI), governantes de Israel (VII)

Princípio: O Eterno podará I, eliminará II e III, e através de IV cortará V. VI cairá pela mão de VII.

 

Este já é um exemplo bem complexo, e há uma pequena dose de especulação devido à natureza fragmentária do manuscrito. Todavia, pode-se perceber com clareza que o princípio está preservado, e como os elementos são todos interpretados. Neste caso, à luz da tese de que as árvores se referem a nações (de fato, um elemento bíblico).

 

Como se sabe, Sha'ul (Paulo) estudou em Dam'sek (Damasco), que continha uma das principais comunidades essênias na época. É inegável que Sha'ul (Paulo) tenha tomado contato com o Midrash Pesher, e um exemplo de sua aplicação é bastante famoso. O acadêmico C. K. Barret em sua obra “The Interpretation of the Old Testament in the New” afirma, por exemplo, que Ruhomayah/Romanos 10:6-7 é um exemplo de Midrash Pesher. Vamos, portanto, analisar a passagem:

 

[A Torah] não está nos céus, para dizeres: Quem subirá por nós aos céus, que no-lo traga, e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos? Nem tampouco está além do mar, para dizeres: Quem passará por nós além do mar, para que no-lo traga, e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos? Porque esta palavra está mui perto de ti, na tua boca, e no teu coração, para a cumprires. Vê que proponho, hoje, a vida e o bem, a morte e o mal; se guardares o mandamento que hoje te ordeno[...] então, viverás[...] (Devarim/Deuteronômio 30:12-14)

 

Mas a justiça que é pela fé diz assim: Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu? Isto é, a trazer do alto o Mashiach. Ou: Quem descerá ao abismo? Isto é, a tornar a trazer dentre os mortos o Mashiach. Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, a saber: Se com a tua boca confessares ao nosso Adon Yeshua, e em teu coração creres que Elohim o ressuscitou dentre os mortos, viverás. (Ruhomayah/Romanos 10:6-7)

 

Símbolos: Torah (I), céu (II), mar (III), boca (IV), coração (V)

Simbolizados: Mashiach (I), morada celestial (II), lugar dos mortos (III), confessar Yeshua (IV), crer na Sua ressurreição (V)

Princípio: Ninguém pode trazer I de II, ou I de III. A palavra está em IV, e em V, para que vivamos.

 

Mais uma vez, a estrutura do Midrash Pesher é facilmente verificada nesse argumento de Sha'ul (Paulo.) Vejamos mais um exemplo:

 

E o meu Tabernáculo estará com eles, e eu serei o seu Elohim e eles serão o meu povo. (Yehezkel/Ezequiel 37:27)

 

E que consenso tem o templo de Elohim com os ídolos? Porque vós sois o Templo do Elohim vivente, como Elohim disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Elohim e eles serão o meu povo. (Curintayah Beit/2 Coríntios 6:16)

 

Símbolo: Tabernáculo/Templo (I)

Simbolizado: Nosso corpo (I)

Princípio: Elohim habita em (I)

 

Esse é um Midrash Pesher mais simples, porém mesmo assim a estrutura pode ser observada com facilidade.

 

O próprio Yeshua também utilizou do Midrash Pesher, conforme podemos ver no exemplo abaixo:

 

Pão dos céus lhes deste na sua fome e água da rocha lhes fizeste brotar na sua sede. (Nehemiyah/Neemias 9:15)

 

Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer o pão do céu... E Yeshua lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede... Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. (Yochanan/João 6:30,35,54-56)

 

Símbolo: pão dos céus (I), água da rocha (II), fome e sede (III)

Simbolizado: carne de Yeshua (I), sangue de Yeshua (II), necessidade de vida eterna (III)

Princípio: O povo teve (III), logo Elohim enviou (I) e (II) para lhes saciar.

 

Para aplicar um Midrash Pesher, basta seguir os passos descritos na fórmula utilizada pelos essênios. Lembrando-se, unicamente de três fatores:

 

- É preciso estar muito atento aos símbolos, e a que eles podem se referir, por associação de ideias.

- Essa associação de ideias deve ser feita sempre levando em conta a linguagem bíblica. Por exemplo: uma árvore na linguagem bíblica pode identificar uma nação. Mas, seria um erro associá-la ao meio-ambiente, que é uma preocupação mais da nossa sociedade.

- Podemos aplicar o Midrash Pesher, especialmente em textos escatológicos, para tentarmos compreender o mundo presente ou mesmo os tempos vindouros. Porém, toda interpretação dessa natureza é passível de erro, e, portanto, devemos considerá-la como uma hipótese.

- O Midrash Pesher, a exemplo dos outros midrashim, não pode ferir a leitura literal das Escrituras.

 

Não é difícil aplicar o Midrash Pesher, e muitos o fazem de forma inconsciente com textos claramente alegóricos como, por exemplo, alguns textos escatológicos, a exemplo de Guilyana (Apocalipse). Ninguém lê sobre a “grande Bavel (Babilônia)” e supõe que o império babilônio, que já era extinto nos tempos de Yochanan (João), ressurgirá das cinzas. Todavia, o Midrash Pesher não precisa ser aplicado unicamente a alegorias.

 

Qualquer elemento pode ser considerado um símbolo, e por associação de ideias ser objeto de uma construção teológica. O maná, por exemplo, utilizado no Midrash Pesher de Yeshua, é bem real. A Torah, utilizada no Midrash Pesher de Sha'ul (Paulo), é igualmente real. Mesmo assim, foram objeto de uma construção análoga, preservando-se o princípio.

 

Conclusão para Midrash Pesher

 

Evidentemente que o Midrash Pesher nem sempre aparece de forma tão explícita quanto colocamos a título de ilustração. O Midrash Pesher aparece muitas vezes de forma implícita na aplicação de p'ssukim (versículos) que podem parecer, ao leitor desatento, estar fora de contexto, mas que na realidade demonstram uma semelhança de princípio, mesmo que o contexto da citação seja aparentemente outro - porque na realidade substitui-se os símbolos por associação de ideias.

 


Há momentos em que pode não ficar claro qual método de Midrash está sendo empregado. Pode-se olhar para uma passagem que poderia ser tanto um Midrash Hagadá quanto um Midrash Pesher. Mas o importante não é tentarmos adivinhar qual técnica foi empregada, mas sim percebermos o pensamento judaico por trás da construção neotestamentária, e assim entendermos como podemos ler as Escrituras com uma mentalidade mais judaica, ao invés do prisma de uma lógica ocidental moderna, que é muito distante da forma de pensamento dos seguidores de Yeshua.

 

Como vimos acima, os Midrashim foram as primeiras técnicas de interpretação das Escrituras surgidas no meio judaico. Com o passar do tempo, os Midrashim foram se tornando cada vez mais sofisticados, e começaram a construir a base do que podemos chamar de uma lógica judaica para interpretação das Escrituras.


Por Sha'ul Bentsion

Corrigido por Francisco Adriano Germano

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