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O NOVO TESTAMENTO FOI MESMO ESCRITO EM GREGO?

  


Quando enfatizamos a restauração do nome hebraico de Yeshua não raro nos deparamos com o argumento de que os apóstolos, sob inspiração da Ruach HaKodesh (Espírito da Santidade), escreveram em grego e que empregaram livremente termos como “Theos” em lugar de Elohim, “Kurios” em lugar de Adonai e “Iesous” em lugar de Yeshua. Argumentam alguns que a forma “Iesous” teria sido criada pelos sábios judeus ao traduzirem a Septuaginta [1] muito antes de se produzir o "Novo Testamento".

 

Abraçamos esses termos no passado porque nossas mentes se recusavam a ir além da comida enlatada que nos era servida. Uma investigação preliminar já nos fornecerá pratos mais apetitosos, e com um colorido de verdade mais atraente.

 

Inicialmente nomes próprios normalmente não se traduzem, apenas se transliteram, ou seja, se procuram as letras correspondentes ao mesmo som original na língua final. E nos casos em se traduz um nome, que seja um nome que preserve o significado original. A tradução deve se concentrar em encontrar uma palavra que tenha idêntico sentido na língua para a qual se está traduzindo o texto.

 

Ora em hebraico Yeshua significa salvação. Na língua grega original a palavra para salvação é Soteria e o equivalente para Salvador é Soteros. Isso traz uma dificuldade enorme para o termo “Iesous”, pois ela simplesmente não significa nada, não existia na língua grega original esse termo.

 

Por alguma razão que nos foge à compreensão e que a meu ver era espiritual, eles adaptaram Avraham para Abraam, Ytzchak para Isaak, Yakov para Iakob, Yshay para Iessai, e Yeshua para Iesous. Nenhum nome do Tanach foi tão corrompido de tal forma que os gentios não o pudessem conhecer como o Nome mais elevado de todos, o nome do Messias.

 

O nome Yeshua que significa salvação, não foi traduzido pela palavra grega correspondente que é Soteria, nem pelo seu equivalente masculino Soteros, mas foi simplesmente esquecido, apagado, e em seu lugar se criou uma palavra nova, adulterando uma língua. Antes de prosseguir quero recordar uma vez mais o que diz a palavra:

 

Seja conhecido de vós todos, e de todo o povo de Israel, que em nome de Yeshua HaMashiach, o Nazareno, aquele a quem vós crucificastes e a quem Elohim ressuscitou dentre os mortos, em nome desse é que este está são diante de vós. Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina. E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos. (Atos 4:10-12)


Por isso, também Elohim o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Yeshua se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, E toda a língua confesse que Yeshua HaMashiach é SENHOR, para glória de Elohim Pai. (Filipenses 2:9-11)

 

Ora, o discurso de Kefa (Pedro) foi feito em Yerushalaim (Jerusalém), para judeus e o texto de Filipenses foi escrito para gentios. Esse nome que é ÚNICO não pode ter sido mudado de Yeshua para Iesus, porque os dois nomes não têm quase nada em comum e Jesus ainda menos.

 

Isso nos leva de volta a questão da língua original do "Novo Testamento". Para resolver a questão precisamos ter em conta que os apóstolos, sendo judeus, escreveram em grande parte para judeus, pelo que não faria sentido algum, por exemplo, que escrevessem uma epístola aos hebreus na língua grega. Ainda que houvesse judeus helenistas (falantes de grego), já que eles se espalharam por todo Império Romano, estes sempre usaram o hebraico nas suas sinagogas como o fazem até hoje. Além disso, havia uma quantidade enorme de crentes judeus morando em Israel. O uso do grego nestes casos jamais se justificaria.

 

Supor que os evangelhos foram escritos em grego seria equivalente a dizer que a vida de Yeshua não despertou interesse algum entre os judeus e que sua mensagem não lhes dizia respeito. Isso é desmentido pela Brit Chadashá (“Novo Testamento”) que declara:

 

E, ouvindo-o eles, glorificaram ao Senhor, e disseram-lhe: Bem vês, irmão, quantos milhares de judeus há que creem, e todos são zeladores da lei. (Atos 21:20)

 

Escrever para estes crentes em grego seria a forma de fazer com que a mensagem jamais chegasse a todos.

 

Existem inúmeras provas de que a Brit Chadashá não foi originalmente escrita em grego, mas em hebraico e aramaico. Ao contrário do que cristandade no ocidente tem afirmado não há provas de que o “Novo Testamento” haja de fato sido escrito em grego. Além disso, não há originais de nenhum texto bíblico, apenas cópias de cópias de cópias. Aqui é oportuno dizer que existem apenas três textos completos do “Novo Testamento” que podem ser considerados realmente antigos. Trata-se da Primeira e Segunda Epístola de Timóteo e da Terceira Epistola de Yochanan (João). Os três textos datam do ano 350.

 

Nessa época, a igreja juntou diversos textos gregos rejeitando todos os textos aramaicos, siríacos e Hebraicos e produziu as cópias conhecidas como Codex Vaticanus (325-350), Codex Sinaiticus (330-360) e Codex Alexandrinus (400-440).  Preservam-se hoje cerca de 5.400 manuscritos do Novo Testamento em grego, a maioria deles são fragmentos. Destes apenas 36, são do século III ou anteriores.

 

Nota-se que todos os três códices completos da Bíblia em grego são ao período sob forte influência grega e romana na igreja ocidental, iniciado no Concílio de Niceia em 325. Mais tarde Jerônimo, ao produzir a sua Vulgata Latina, reconhecerá que vários evangelhos foram produzidos originalmente em hebraico, em especial o de Matityahu (Mateus) e Ivrim (Hebreus), mas nem por isso eles foram levados em conta ou serviram de base para sua tradução para o latim.

 

É convicção da igreja oriental que os textos foram traduzidos diretamente do hebraico para o siríaco, um dialeto do aramaico por volta do ano 160. O Diatessaron, o mais famoso dos manuscritos dos quatro evangelhos em siríaco foi produzido por Taciano entre os anos 160 e 175.

 

Segura de que Yeshua como judeu não falava grego a seu próprio povo, mas em hebraico e aramaico, a Igreja do Oriente elaborou seu cânon um pouco mais tarde pelas mãos de Rabula, Bispo de Edessa (411-435) na atual Síria. O texto que não incluía Kefa Beit (2 Pedro), Yochanan Beit (2 João), Yochanan Guimel (3 João) Yehudáh (Judas) e Guilianah (Apocalipse) foi mais tarde chamado de Peshita por Moisés bar Kepha em 903. Peshitta, a palavra que em aramaico significa simples, faz alusão a um texto aramaico que podia ser entendido por todos. Sobrevivem hoje mais de 350 manuscritos em siríaco, muitos dos séculos V e VI.

 

Vários testemunhos reunidos por Eusébio de Cesaréia (256-349), um dos mais antigos historiadores do cristianismo confirmam que o autor de Matityahu, sendo hebreu, escreveu seu livro em hebraico para seu próprio povo, e que depois ele foi traduzido para outras línguas, cada um como podia.

 

A seguir os testemunhos ordenados conforme os capítulos de sua História Eclesiástica, editada no Brasil pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus:

 

VIII [De como Irineu menciona as diversas Escrituras]: Posto que ao dar início a esta obra prometemos citar oportunamente as palavras dos antigos presbíteros e escritores eclesiásticos, nas quais nos transmitiram por escrito as tradições chegadas até eles sobre as Escrituras canônicas, e como Irineu era um destes, citemos também suas palavras; e em primeiro lugar as que se referem aos sagrados evangelhos; são as seguintes: "Mateus publicou entre os hebreus, em sua própria língua, um Evangelho também escrito, enquanto Pedro e Paulo estavam em Roma evangelizando e lançando os fundamentos da Igreja.

 

X [De Panteno, o filósofo]: Destes foi também Panteno, e diz que foi à Índia, onde é tradição que descobriu que o Evangelho de Mateus se havia adiantado à sua chegada entre alguns habitantes do país que conheciam Cristo: Bartolomeu, um dos apóstolos, teria pregado para eles e havia-lhes deixado o escrito de Mateus nos próprios caracteres hebreus, escritos que conservavam até o tempo mencionado.

 

XXIV [Da ordem dos evangelhos]: Com efeito Mateus, que primeiramente tinha pregado aos hebreus, quando estava a ponto de ir para outros, entregou por escrito seu Evangelho, em sua língua materna, fornecendo assim por meio da escritura o que faltava de sua presença entre aqueles de quem se afastava.

 

XXV [Como Orígenes mencionou as escrituras canônicas]: "Acerca dos quatro Evangelhos, que também são os únicos que não foram discutidos na Igreja de Deus que está sob o céu, por tradição aprendi que o primeiro a ser escrito foi o Evangelho de Mateus, que foi por algum tempo arrecadador e depois apóstolo de Jesus Cristo, que o compôs em língua hebraica e o publicou para os fiéis procedentes do judaísmo.

 

XXXIX [Dos escritos de Papias]: Isto é o que conta Papias sobre Marcos. Referente a Mateus, diz o seguinte: "Mateus ordenou as sentenças em língua hebraica, mas cada um as traduzia como melhor podia.

 

Estes testemunhos são importantes porque sabemos que o anjo Gavriel (Gabriel) foi enviado a Yosef (José) com a estrita missão de ordenar que ele aceitasse a Miriam (Maria) como esposa e que desse ao menino que havia de nascer o nome de Yeshua. O texto hebraico tal como ocorre no Mateus de Shem Tov diz:

 

V`teled ben vê`tkera shemo Yeshua ki hu yoshia et ami meeonotem

Ela dará à luz um filho ao qual porás o nome Yeshua por que ele salvará seu povo dos seus pecados

 

Há outros manuscritos hebraicos da Brit Chadashá (“Novo Testamento”) que foram preservados, como o texto de Sebastian Münster (1537), Jean du Tillet (1555), Milchamot Hashem, de Iaakov Ben Reuven (1170) e Nizahon Vetus (final do século 13). Bem, que judeus tivessem preservado o texto de Matityahu ou Matay em hebraico não deveria causar estranheza a ninguém, afinal, não só os testemunhos citados por Eusébio, mas até mesmo o testemunho de Jerônimo, um devotado papista, confirmam isso:

 

Mateus, o apóstolo também chamado Levi, o publicano, compôs as boas novas do Maschiah publicado pela primeira vez em Yehudáh (Judéia) em hebraico para o bem daqueles da circuncisão que creram, mas esse foi depois traduzido em grego, apesar de que o autor seja incerto. A palavra hebraica em si tem sido preservada até os dias atuais na biblioteca de Cesaréia que Pamphilus tão diligentemente reunia. Eu também tive a oportunidade de tomar o volume descrito para mim pelos nazarenos de Beréia, uma cidade da Síria, que o usam. Nesta matéria, é de notar que sempre que o Evangelista, quer por sua própria conta ou na pessoa de nosso Senhor, o Salvador cita o testemunho do Antigo Testamento, ele não segue a autoridade dos tradutores da Septuaginta, mas o hebraico. Portanto estas duas formas existem "Do Egito chamei meu filho", e "ele será chamado Nazareno." (Eusébio Sofrônio Jerônimo, Vidas de Homens Ilustres, ano 393)

 

Este é um testemunho de grande impacto. Eusébio Sofrônio Jerônimo (347-420), um papista que defendeu a primazia do grego sobre todo o resto do “Novo Testamento”, apesar dos crentes do oriente o refutarem, testemunha duas coisas normalmente ignoradas: que o livro de Mateus foi escrito primeiro em hebraico e que os judeus a quem ele dirigiu a epístola eram zelosos da lei.

 

Ele ainda dá testemunho de que havia duas seitas ligadas ao judaísmo na sua época, ambas crentes em Yeshua: os nazarenos e os ebionitas. Isso é evidente a partir do seu comentário ao texto grego de Mateus 12:13:

 

Jerônimo, por Matt. 12:13 (398 AD) "No Evangelho usado por nazarenos e ebionitas (que eu tenho recentemente traduzido para o grego do hebraico e que é chamado por muitos - ou quase - de Mateus), este homem que tinha a mão atrofiada é descrito como um pedreiro, que reza por ajuda em palavras como esta: ‘Eu era um pedreiro busca de um sustento com minhas mãos. Peço-te, Yeshua, para restaurar a saúde me meu, que eu não posso pedir para mesquinhamente minha comida.’ (Citação de O Novo Testamento Apócrifo, Montague Rhode James, (Oxford: Clarendon Press 1924), 1-8.

 

Além disso, é importante que se diga que a crença de que o “Novo Testamento” foi escrito em grego, muito disseminada no ocidente, se deve ao fato de que a Igreja de Roma reinou soberana sobre estas terras. Essa suposição sempre foi contestada pelas igrejas do oriente e inclusive há várias igrejas católicas, de rito não latino, que preservam seu culto e orações em aramaico.

 

Há inúmeras cópias da Peshita aramaica preservadas, tão antigas, ou mais velhas que as cópias gregas. O aramaico tem sido usado como língua litúrgica em várias comunidades cristãs do Oriente. Estas comunidades orientais jamais engoliram a tese católica da supremacia do grego. O Dr. Paul Younan afirma:

 

A Peshitta é a Bíblia oficial da Igreja do Oriente, o nome Peshitta, em aramaico, significa "simples, puro”, em outras palavras, o texto original e puro do 'Novo Testamento’. A Peshitta é o único e autêntico texto que contém os ‘Escritos dos Nazarenos’ ('Novo Testamento’) que foi escrito em Aramaico. A língua do Messias (Lishana d'Meshikha) e de seus discípulos (Talmideh).

 

Em referência à originalidade da Peshitta, as palavras de Mar Eshai Shimum, Patriarca dos Católicos da Igreja do Oriente, estão sumarizadas abaixo:

 

Em referência a originalidade dos textos da Peshitta, como Patriarca e Líder da Sagrada Apostólica Igreja do oriente, gostaria de afirmar que a Igreja do Oriente recebeu as Escrituras das mãos dos próprios abençoados apóstolos no original em Aramaico, a língua falada pelo Nosso S-nhor Jesus Cristo (Maran Yisho' Mshikha), e assim a Peshitta é o texto da Igreja do Oriente que veio dos tempos bíblicos sem nenhuma mudança ou revisão.

 

A Igreja do Oriente sempre acreditou que os livros do “Novo Testamento” foram originalmente escritos em aramaico e depois traduzidos para o grego pelos fiéis do ocidente, ao final do 1º século, mas nunca dos fiéis do oriente, onde o aramaico era a língua franca do Império Persa.

 

O uso constante do aramaico bem como a crítica textual revela que os textos gregos procedem do aramaico e não o contrário. É bom que se diga que até mesmo os cristãos do Líbano, que são católicos na sua maioria cantam o Pai nosso em aramaico e todas as demais liturgias.

 

Por fim, é importante recordar que no encontro de Sha'ul (Paulo) ocorrido na Estrada de Damasco ele mesmo disse, durante seu julgamento, num discurso proferido aos de sua nação:

 

E, caindo nós todos por terra, ouvi uma voz que me falava, e em língua hebraica dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões. E disse eu: Quem és, Senhor? E ele respondeu: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. (Atos 26:14,15 – grifo nosso)

 

Desde logo seria impossível que essa voz, em língua hebraica, se apresentasse a ele como um judeu chamado Iza, Iesus, Ressus ou Jesus. Isso o senso comum impede que qualquer pessoa acredite tal coisa quando levada a confrontar-se com os fatos da narrativa, ainda que normalmente se ignore isso.

 

Do mesmo modo quanto ao termo “Theos” (Deus), da septuaginta e das cópias gregas da Brit Chadashá, pesam objeções ainda mais graves. Se Iesous é um nome inventado que nada tem a ver com Yeshua, Theos é comprovadamente relacionado com as divindades pagãs. Não é, pois uma palavra sagrada, senão para quem ignora a história. 

 

Para que não entreis no meio destas nações que ainda ficam convosco; e dos nomes de seus deuses não façais menção, nem por eles façais jurar, nem os sirvais, nem a eles vos inclineis. (Josué 23:7)

 

Deve servir de alerta o fato de que Adonai olha muito mais para a intenção, ou seja, para a kavanah que brota do coração do que para nossas ações. É por essa razão que vem atendendo seus filhos quando o invocam por nomes equivocados, pelos nomes dos ídolos das nações. Agora, porém o Elohim de Israel está nos chamando de volta para nossa casa, de volta para a pureza original. Sem julgarmos ou condenarmos ninguém, estamos aqui para proclamar que se o Pai deu a seu filho Yeshua o nome que está acima de todo o nome, não seremos nós a “batizá-lo” com outro nome.

 

Baruch Ben Avraham

Texto corrigido e adaptado por Francisco Adriano Germano

 

Notas

[1] A Septuaginta é a versão da Bíblia hebraica traduzida em etapas para o grego koiné, entre o século III a.C. e o século I a.C., em Alexandria (Egito). Dentre outras tantas, é a mais antiga tradução da bíblia hebraica para o grego, língua franca do Mediterrâneo oriental pelo tempo de Alexandre, o Grande. A Septuaginta, desde o século I, tornou-se a versão clássica da Bíblia para os cristãos de língua grega e foi usada como base para diversas traduções da Bíblia.

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