- Você está louco? - exclamou a
tartaruga - Você vai me picar enquanto eu estiver nadando e eu vou me afogar.
Por que eu te ajudaria?
- Minha querida tartaruga - riu o
escorpião - Não seja tola. Se eu a picasse, você se afogaria e eu me afogaria
junto com você. Onde está a lógica nisso?
- Você está certo! - Exclamou a
tartaruga - Ok, suba aí nas minhas costas e eu te levo!
O escorpião subiu nas costas da
tartaruga e começaram a travessia. Porém, quando ainda estavam na metade do
rio, o escorpião deu uma forte picada na tartaruga. Já sentindo os efeitos do
veneno e sabendo que em breve morreria, a tartaruga questionou, sem entender a
atitude do escorpião:
- Me explique, seu louco! Você mesmo
disse que não havia lógica em me picar. Então por que você fez isso?
- Não tem nada a ver com lógica - disse
o escorpião, já quase se afogando - É apenas o meu caráter.
Na vida, muitas vezes acabamos também
tomando atitudes que são completamente ilógicas e autodestrutivas. A única
explicação para isto é que deixamos com que os desejos, já tão enraizados
dentro de nós, tomem a direção das nossas vidas.
Na Parashá desta semana, Balak, conta a
história de Bilaam (Balaão), um profeta gentio que, infelizmente, canalizou
suas energias para saciar seus desejos por honra e prazeres materiais. Se
prestarmos atenção nos detalhes da história trazida na Parashá, percebemos que
muitas decisões de Bilaam são completamente ilógicas e, algumas até mesmo
irônicas. O que Elohim está nos transmitindo ao registrar na Torá a vida e as
escolhas de Bilaam?
A Parashá começa com a tentativa de
Balak (Balaque), o rei do povo de Moav (Moabe), de contratar os serviços de
seus arqui-inimigos, o povo de Midian (Midiã), para travar uma guerra contra o
povo israelita, que estava a caminho da Terra Prometida. Mas por que Moav
queria lutar contra os israelitas? Afinal, o povo queria apenas entrar na Terra
Prometida, não estava procurando conquistar outros territórios. Se Balak estava
apenas com medo dos israelitas, conforme a Torá sugere, então ele deveria ter
ficado quietinho, no seu canto, sem chamar a atenção do povo israelita enquanto
eles circulavam pela região.
Porém, o que Balak escolheu fazer? De
forma ilógica, ele escolheu lutar contra o povo israelita. Mas ele era
inteligente o suficiente para perceber que a verdadeira força não estava no
poder das suas armas de guerra, e sim no poder das palavras. Então Balak
contratou o profeta Bilaam para amaldiçoar o povo israelita.
Entretanto, Bilaam não era um Tzadik
(Justo), como poderia ter sido. Ele era um homem arrogante e dominado pelos
desejos. Por isso, Balak enviou emissários com promessas de honra e grandes
riquezas caso ele aceitasse amaldiçoar o povo israelita. Provavelmente os
emissários de Balak puderam ver Bilaam babando sobre o dinheiro que ofereceram,
como uma criança faria diante de uma barra de chocolate. Então Bilaam quis se
engrandecer aos olhos dos emissários de Balak e anunciou: "Esperem
aqui, pois eu posso fazer apenas o que Elohim me permitir. Deixem-me falar com
Ele". Bilaam tinha certeza de que Elohim aprovaria sua missão, mas Elohim
jogou um balde de água fria sobre ele ao dizer: "Não vá com eles".
Bilaam mandou os emissários de Balak
embora, dizendo que infelizmente não poderia ajudá-los, pois Elohim havia dito não.
Que incrível, parecia que Bilaam havia escutado Elohim. Balak, ao escutar sobre
a recusa de Bilaam, enviou para ele príncipes mais distintos e importantes,
para lhe oferecer ainda mais honra e dinheiro. Ainda assim Bilaam queria
mostrar a todos como era uma pessoa grandiosa. Ele declarou aos novos
emissários de Balak que nem mesmo por todo o ouro e prata poderia transgredir a
vontade de Elohim. Porém, apesar de ter escutado a resposta clara e
direta de Elohim, Bilaam pediu para verificar novamente com Ele a possibilidade
de amaldiçoar os israelitas. Talvez na cabeça de Bilaam havia a
possibilidade de Elohim ter mudado de ideia durante a noite.
Bilaam achava que a recusa de Elohim
estava associada à falta de honra do povo de Moav em relação a ele, por terem
enviado, na primeira vez, príncipes pouco importantes. Bilaam (Balaão) então
fez o que a maioria das crianças pequenas fazem instintivamente quando
realmente querem algo que lhes disseram que elas não poderiam ter. Elas tentam
de novo, e de novo, até "vencerem pelo cansaço". Bilaam seguiu
a mesma estratégia e insistiu. Elohim então deixou Bilaam ir, mas o proibiu de
dizer qualquer coisa que Ele não ordenasse.
Bilaam levantou-se cedo para selar sua
jumenta, preparando-a para a viagem. Mas por que uma jumenta? Bilaam não
deveria ir montado em um animal mais honroso, que lhe desse mais status? Além
disso, enquanto ele viajava, a Torá nos descreve que a jumenta viu o anjo de Elohim
na estrada com uma espada na mão e se desviou do caminho. Bilaam, que não
estava vendo o anjo, bateu nela com seu cajado. A viagem continuou, mas logo
depois a jumenta novamente se desviou por causa do anjo, raspando a perna de
Bilaam na parede, e apanhou de novo. Finalmente, o anjo apareceu em um lugar
tão estreito que não havia como a jumenta desviar, obrigando-a a parar. Isto
deixou Bilaam irado, a ponto de querer matar seu animal. Era uma enorme
vergonha e humilhação diante de toda a comitiva de Balak (Balaque). Um milagre
aconteceu e a jumenta começa a falar, declarando em um tom irritado: "Esta
é a forma de você me pagar por todos os anos de serviço, nos quais eu te servi
com tanta constância e fidelidade?".
O que nós faríamos se uma jumenta
começasse a falar conosco? Tentaríamos derrotá-la em uma argumentação racional
ou perceberíamos que Elohim está fazendo um enorme milagre para transmitir uma
mensagem sobre nossas escolhas equivocadas? Bilaam escolheu, de forma ilógica,
argumentar com a jumenta, como se falar com animais fosse algo frequente em sua
vida. Esta foi uma incrível demonstração do quanto Bilaam estava perdido
espiritualmente, a ponto de estar conversando com uma jumenta falante e, ao
mesmo tempo, ignorando completamente o milagre que se desenrolava diante dos
seus olhos.
Finalmente, quando Bilaam chegou a Moav
(Moabe), Balak preparou altares com sacrifícios para Elohim, com vista para o
acampamento do povo israelita. Então chegou o grande momento que Balak e o povo
de Moav tanto esperavam: Bilaam se preparou para lançar uma maldição sobre os israelitas.
Porém, ao invés disso, ele acabou abençoando o povo! Ele voltou-se para Balak e
disse: "Veja, eu lhe avisei. Eu só posso fazer o que Elohim quer que eu
faça". Inacreditavelmente, Balak e Bilaam tentaram ainda mais duas
vezes amaldiçoar os israelitas. E cada vez que Bilaam tentava amaldiçoar, ele
acabava dando uma Brachá (Benção) mais detalhada e abrangente ao povo israelita.
Realmente aquele não foi um bom dia para Bilaam. Foi um dia para ser esquecido.
Explica o Rav Simcha Barnett que Elohim
muitas vezes demonstra seu incrível "senso de humor". Porém,
certamente Ele não escreveu o episódio de Bilaam na Torá apenas para nos
entreter. Um dos ensinamentos mais profundos que podemos absorver de toda esta
história é que todos nós temos um pouco de um Bilaam furioso dentro de
nós, ameaçando nos levar a fazer investimentos contraproducentes na vida que,
no final das contas, serão infrutíferos e, em última instância, autodestrutivos.
Bilaam era obstinado, enxergava apenas o
que queria. Nenhuma tentativa de direcioná-lo que poderia vir de Elohim, das
pessoas ou do seu próprio intelecto, poderia dissuadi-lo de perseguir seus
desejos. Isso é simbolicamente indicado através da jumenta que falava. Em
hebraico, burro é chamado de "Chamor", que vem da raiz "Chomer"
e que significa "materialismo". Não só Elohim, representando o
lado espiritual, protestou contra as ações de Bilaam, mas até mesmo sua
jumenta, que simboliza os desejos do seu corpo, voltou-se contra ele. Um
paralelo seria uma pessoa que persegue seus vícios, como álcool ou drogas, até
que seu corpo esteja fisicamente "gritando" para ela parar.
Bilaam, no entanto, ignorou todos os avisos e, de forma obstinada, caminhou
para a sua autodestruição.
Assim também nos comportamos na vida.
Acabamos nos fixando em nossas próprias agendas pessoais, desejos e
empreendimentos que são contrários à vontade de Elohim e contra nossa própria
razão, pois simplesmente não nos fazem bem. E nós os perseguimos com uma paixão
e determinação que poderiam ser muito mais efetivamente aproveitadas em
esforços reais e positivos. Neste processo, perdemos tempo e esforços, isto é,
perdemos vida.
A pior parte é que, na maioria das
vezes, o nosso comportamento não traz o que estamos buscando. Como Bilaam, muitas vezes nosso
comportamento obstinado causa exatamente o oposto do que desejávamos. Podemos
rir das loucuras de Bilaam, mas não podemos nos esquecer do Bilaam que temos
dentro de nós. Devemos aprender a controlar e canalizar os nossos desejos, para
que, como Bilaam, não sejamos vítimas das nossas próprias escolhas equivocadas.
R' Efraim Birbojm
Texto corrigido por Francisco Adriano Germano
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