Em meados do mês de Av de
1929, sessenta e sete israelitas foram cruelmente massacrados e muitos foram
feridos em um massacre comandado por árabes na cidade de Chevron. Muitos mortos
eram estudantes da Yeshivá de Slobodka. Um mês e meio depois, em Rosh Hashaná (Yom Teruah),
os sobreviventes e suas famílias se reuniram para as rezas em um salão de
Jerusalém. A atmosfera era pesada, e o salão tinha um ar de angústia e desânimo
que beiravam o desespero. O Mashgiach (Supervisor) da Yeshivá, Rav Yehuda Leib
Chasman zt"l (Lituânia,1869 - Israel, 1935), levantou-se, foi até um dos
seus alunos, chamado Betzalel Shikovitzky, e pediu para que ele conduzisse as
rezas. Betzalel era um aluno sensível e tinha uma voz doce. Porém, ele não
aceitou o pedido e disse:
- Rav, me desculpe, mas eu não
posso fazer a Tefilá de Rosh Hashaná. Eu ainda não sou casado, nem tenho barba!
Certamente há pessoas muito mais aptas a fazerem esta reza tão importante...
O Mashgiach balançou a cabeça,
demonstrando que havia entendido bem o que Betzalel havia dito. Porém, ele
colocou a mão sobre o ombro de Betzalel e repetiu seu pedido para que ele
conduzisse a Tefilá. Desta vez, sem questionar, Betzalel se aproximou do
púlpito para iniciar o serviço. Quando ele chegou ao trecho da Tefilá que diz
"Veahavatechá al tassir mimenu leolamim" ([Elohim], jamais remova Seu
amor de nós), as lágrimas sufocaram sua garganta, enquanto ele lamentava
repetidamente: "Veahavatechá al tassir mimenu leolamim". Aquela era
uma declaração, do fundo do seu coração, de que tudo o que havia acontecido,
toda a perda e a dor, também era parte do amor de Elohim. Como uma barragem que
rompe, toda a dor acumulada transbordou nas pessoas presentes. Eles levantaram
suas vozes e choraram junto com Betzalel, aceitando o amor de Elohim, apesar da
dor. A Tefilá continuou, emocionante e cheia de lágrimas. No final, o Rav
Chasman foi até Betzalel e disse:
- Quando eu pedi para que você
fizesse a Tefilá, era justamente isso o que eu queria que acontecesse.
Infelizmente muitos sofrimentos
deste mundo são difíceis de serem entendidos, por nosso intelecto ser limitado.
Porém, se queremos ter uma vida de serenidade e tranquilidade, precisamos
colocar no coração que tudo o que ocorre, por mais duro que possa parecer,
emana do mais puro amor e bondade de Elohim.
Na Parashá desta semana, Ki Tavô
(literalmente "Quando vocês vierem"), Moshé (Moisés) dá
uma advertência pesada ao povo israelita, descrevendo todas as duras punições
que recairão sobre o povo, em todas as gerações, caso eles abandonassem o
cumprimento da Torá e suas Mitzvót (Mandamentos). Por que esta
rigorosidade? Pois a Torá é o nosso "Manual de Instruções" da
vida e, quando a abandonamos, a vida acaba perdendo seu sentido verdadeiro.
Porém, a Torá nos revela que não
apenas seremos punidos se não cumprirmos as Mitzvót, mas também se não
as cumprirmos com alegria, como está escrito:
Porque você não
serviu a Elohim com felicidade e com alegria de coração, mesmo quando você teve
fartura de tudo. (Deuteronômio/Devarim 28:47).
Assim também o Rambam
(Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) nos ensina nas Halachót (modo
de aplicação da Torá) referentes à Mitzvá de Lulav [1]:
A felicidade com a
qual uma pessoa deve se alegrar no cumprimento das Mitzvót e no amor a Elohim,
Quem as ordenou, é parte do serviço. Quem se detém desta alegria merece ser
castigado.
De acordo com o Rambam, isto
exige muito trabalho. Porém, por outro lado, ele afirma que aquele que cumpre a
Torá com alegria, então Elohim facilitará para ele o cumprimento das Mitzvót,
removendo obstáculos como doenças, guerras e fome, e dará a ele o suporte
necessário para cumprir a Torá. Portanto, a importância da alegria dentro do
nosso serviço é indiscutível. Porém, o que significa cumprir as Mitzvót
com alegria?
Ensinam os nossos sábios que não
é necessário fazer as Mitzvót cantando e dançando para cumpri-las com
alegria. Cumprir as Mitzvót com alegria significa não as cumprir com
um sentimento de que estamos sendo coagidos e forçados. Ao contrário, devemos
cumprir as Mitzvót com o sentimento de que estamos fazendo a coisa
certa.
Quando alguém se conecta com a
Torá por ser a verdade e porque a reconhece como o estilo de vida ideal, então
ele está cumprindo as Mitzvót com alegria, pois ela não é sentida mais
como um peso. Quando a pessoa chega neste nível, ela pode cumprir as Mitzvót
de maneira calma e serena. Esta é a alegria nas Mitzvót. Portanto, a
alegria não vem de "forçar um sentimento", ela deriva do
entendimento de que estamos fazendo a coisa certa. As letras da palavra "Bessimchá",
"com alegria", rearranjadas, formam a palavra "Machshavá",
que significa "pensamento". Estar alegre não é apenas um
sentimento, é uma escolha intelectual.
Na realidade, isto não se
aplica apenas ao cumprimento das Mitzvót, e sim a todos os aspectos da
vida. Ao reconhecermos que tudo o que ocorre neste mundo é a vontade de Elohim
e que, portanto, é o melhor para nós, este entendimento nos possibilita viver
com mais tranquilidade diante das dificuldades.
É isto o que nos transmite o
Talmud (Brachót 54a), ao afirmar que "A pessoa deve fazer uma Brachá
para algo ruim da mesma maneira que faz Brachá para algo bom". Da
mesma forma que nos alegramos quando ocorre algo que consideramos ser bom,
também devemos nos alegrar quando ocorre algo que consideramos ser ruim. Isto
não quer dizer que devemos dar uma festa e pulos de alegria quando escutamos
uma má notícia, como faríamos se tivéssemos ganhado um milhão.
Porém, devemos aceitar com
serenidade e coração completo a vontade de Elohim. Devemos ter o entendimento,
sem que paire qualquer tipo de dúvida, daquilo que Elohim nos trouxe é a coisa
certa e é o melhor para nós. Esta calma e tranquilidade é a alegria verdadeira.
Quando Elohim se revelou a Moshé
e pediu para que ele ordenasse ao Faraó que libertasse os israelitas, Moshé
encheu seu coração de esperança de que finalmente o sofrimento dos seus irmãos
terminaria. Porém, o resultado foi o contrário do que Moshé esperava. Não
apenas o Faraó não libertou o povo israelita como também aumentou ainda mais o
trabalho e os castigos. Moshé então questionou a conduta de Elohim: “Então,
tornando-se Moshé ao Senhor, disse: Senhor! por que fizeste mal a este povo?
por que me enviaste?” (Êxodo/Shemot 5:22) A resposta de Elohim veio logo em
seguida: "E Elohim falou com Moshé e disse: "Eu sou YHWH"
(Shemot 6:2).
Muitas pessoas conseguem viver
com este conceito na prática. Como o Rav Aharon Kotler zt"l (Bielorússia,
1891 - EUA 1962) que, poucos dias antes do seu falecimento, estava sentindo
dores terríveis. Sua esposa, tentando trazer-lhe algum conforto, disse: “Não
se preocupe, vai ficar tudo bem". O Rav Aharon Kotler, apesar das
dores, deu um sorriso e disse: "Já está tudo bem agora. Tudo o que D'us
faz é para o bem".
Às vezes é difícil enxergar
que tudo o que ocorre em nossas vidas é bom. É difícil sentir alegria e
serenidade mesmo diante de testes difíceis. Há algumas coisas que se esclarecem
com o tempo, como atrasos em viagens que acabaram salvando a vida de pessoas de
acidentes fatais. Porém, muitas revelações serão feitas por Elohim apenas
quando partirmos deste mundo, quando poderemos enxergar o quadro completo de
nossas vidas.
O Rav Yechezkel Landau zt"l
(Polônia, 1713 - Praga, 1793) nos informa que não há nada ruim que vem de
Elohim neste mundo. Até mesmo as dificuldades que surgem têm o propósito de
purificar a nossa alma e prepará-la para o Mundo Vindouro. Além disso, as dificuldades
e sofrimentos também vêm para preparar o cenário para a Redenção Final. Porém,
estando neste mundo, limitado pela percepção dos nossos cinco sentidos, o homem
não pode enxergar isto. No entanto, no Mundo Vindouro, quando nossa percepção
não terá mais os limites do corpo físico, então agradeceremos até mesmo pelo "mal"
que aconteceu conosco neste mundo, pois enxergaremos com total claridade que
tudo foi para o bem. Precisamos ter Emuná (Fé) completa de que também
neste mundo não há nada ruim, tudo é parte da bondade infinita de Elohim.
Que tenhamos a capacidade de
internalizar a mensagem de que tudo o que acontece neste mundo é para um
propósito e que, de maneira intelectual, possamos chegar à alegria verdadeira,
nas Mitzvót e na vida.
"QUE SEJAMOS
INSCRITOS E SELADOS NO LIVRO DA VIDA"
R' Efraim Birbojm
Texto adaptado e corrigido
por Francisco Adriano Germano
Notas
[1] É uma das quatro espécies
usadas durante o feriado judaico de Sucot. As outras espécies são o hadass (murta),
aravah (salgueiro) e etrog (cidra). Quando unidos, o lulav, o hadass e a aravah
são comumente chamados de "o lulav".
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