O Rav Yeshayahu Heber zt"l,
que faleceu recentemente devido ao Covid, foi o fundador da instituição "Matnat
Chaim", uma organização israelense que incentiva e facilita as doações
de rins. Eles ajudam pessoas que precisam de transplante de rim a encontrar um
doador compatível e já fizeram mais de oitocentos transplantes. Diferente de
outros órgãos, doar um rim é possível até mesmo para pessoas vivas, já que
nascemos com dois rins, mas é possível viver com apenas um. Com muita
dedicação, a instituição "Matnat Chaim" consegue tocar o
coração das pessoas e sensibilizá-las a ponto de conseguir até mesmo doações de
rins para receptores que não são familiares dos doadores.
Certa vez o Rav Yeshayahu colocou
no jornal um anúncio emocionado, procurando alguém que pudesse doar um rim para
uma moça que tinha onze filhos e precisava urgentemente de um rim. Na
sexta-feira de manhã tocou o telefone do escritório dele. O rabino atendeu e
percebeu, pela voz da mulher do outro lado da linha, que se tratava de uma
senhora idosa. Ele não entendeu por que uma senhora idosa estava ligando para
aquela instituição. Será que ela gostaria de doar um rim? Porém, sendo uma
senhora idosa, certamente não poderia ser um potencial doador. Para a surpresa
do rabino, a senhora disse:
Rabino, eu vi o
seu anúncio no jornal, sobre a doação de um rim para essa mãe de onze crianças,
e fiquei muito sensibilizada. Sabe, rabino, eu tenho 92 anos. Infelizmente,
apesar de querer muito, eu sei que não posso doar um rim para ela. Então por
que estou ligando? Pois mais tarde, se D'us quiser, eu vou acender as velas de
Shabat, e gostaria muito de poder ajudar esta moça. Então, por favor, ao menos
me fale qual é o nome dela, para que eu possa rezar por ela logo após o
acendimento das velas de Shabat.
Naquele momento o rabino fez uma
incrível reflexão. Existem muitas formas de fazer bondade. Normalmente, em
relação à instituição "Matnat Chaim", as pessoas pensam: "Se
eu não posso doar meu rim, então não posso fazer nada pelo doente".
Mas isso não é verdade. Há outras formas de ajudar as pessoas que estão
precisando de um transplante.
O gesto daquela senhora foi muito
nobre. Foi uma das maiores doações de órgãos que alguém poderia fazer, pois ela
doou seu coração.
Da próxima vez em que você ouvir falar de alguém que está precisando de algo, mesmo que você não tenha como fornecer o que esta pessoa precisa, ainda assim você pode ajudar. Sempre que possível, anote o nome dessa pessoa e reze por ela. Esta já é uma gigantesca ajuda.
Nesta semana lemos a Parashá Reê
(literalmente "Veja"), na qual Moshé (Moisés) continua
preparando o povo hebreu para a entrada na Terra de Israel. Novamente Moshé
ressaltou a santidade da Terra de Israel e os cuidados no contato com os povos
que já viviam lá, idólatras e imorais. Além disso, Moshé reforçou o cumprimento
de algumas Mitzvót (Mandamentos) importantes, como as leis de Kashrut,
as leis de Shemitá (Ano Sabático, o fim de um ciclo de sete anos, no
qual as terras "descansavam") e a obrigação de fazermos
bondades com os menos afortunados.
Na Terra de Israel se aplicam
algumas leis diferentes em relação aos produtos agrícolas. Algumas partes da
colheita precisam ser separadas e destinadas a alguns fins específicos. Por
exemplo, aproximadamente 2% da produção era separada e presenteada aos Cohanim,
sendo esta porção conhecida como "Terumá Guedolá"
(literalmente "Grande porção"). Do que sobrou, 10% era
separado e presenteado aos Leviim, sendo esta porção conhecida como "Maasser
Rishon" (literalmente "Primeiro dízimo").
Já a Parashá desta semana traz
mais duas porções, o "Maasser Sheni" e o "Maasser
Ani". Do que havia sobrado da colheita após a retirada da Terumá
Guedolá e do Maasser Rishon, mais 10% eram separados, mas a
destinação desta porção dependia de qual era o ano em relação ao ciclo de Shemitá.
No primeiro, segundo, quarto e quinto ano do ciclo de Shemitá, esta
porção era chamada de "Maasser Sheni" (literalmente "Segundo
dízimo") e deveria ser levada e consumida pelo dono da colheita em
Jerusalém, já que se tratava de frutas com santidade. Já no terceiro e no sexto
ano do ciclo de Shemitá, esta porção era chamada de "Maasser
Ani" (literalmente "Dízimo do pobre") e deveria ser
entregue aos pobres.
À primeira vista, parece que a
ordem do Maasser Sheni e do Maasser Ani deveria ter sido
invertida. Por que os proprietários de terras não eram obrigados em primeiro
lugar a compartilhar parte da sua colheita com os pobres, para somente depois
desfrutar de sua colheita em Jerusalém? Em outras palavras, por que Elohim não
determinou que o Maasser Ani fosse dado aos pobres no início do ciclo de
Shemitá, e só depois de alimentar os pobres os donos poderiam ter
proveito do seu Maasser Sheni em Jerusalém?
Explica o Rav Zev Leff que uma
das atitudes mais honrosas de um ser humano é a preocupação com o próximo, em
especial com os menos afortunados. Porém, Elohim não se importa apenas com a
quantidade que uma pessoa doa, mas também com a qualidade deste ato de doação.
A pessoa que doa deve fazer a doação de todo o coração, com alegria pela possibilidade
de estar ajudando o próximo. Isso é muito importante, pois o necessitado sente
quando a doação é feita de má vontade, e isso é humilhante, pois a doação é
acompanhada de um sentimento negativo, como se o pobre estivesse sendo um
grande peso para o doador.
Doar com alegria é algo tão
importante que o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135 - Egito, 1204) afirma que a
Tzedaká deve ser dada com um semblante alegre, pois aquele que dá Tzedaká
com um semblante descontente está anulando a Mitzvá. Isso significa que
a atitude com a qual alguém dá Tzedaká é intrínseca à própria Mitzvá.
Elohim não quer que façamos
bondades apenas como robôs, querendo somente nos isentar da nossa obrigação.
Assim o profeta define o que Elohim quer de nós:
Que façam justiça,
amem o Chessed (bondade) e andem modestamente com Elohim. (Michá/Miquéias 6:8).
Em relação à justiça está escrito
apenas que devemos ser justos. Porém, em relação ao Chessed, Elohim
exige o amor pelo Chessed. Quando amamos algo, não medimos esforços,
mergulhamos de cabeça. É isso que Elohim espera de nós em relação à bondade com
os necessitados, que seja um ato de amor e compaixão, não um ato mecânico. Não
basta fazer Chessed, precisamos amar o Chessed.
Mais do que qualquer outra Mitsvá,
a Tzedaká é parte da essência do povo judeu e a fonte de nossa futura
redenção. Qual é a melhor qualidade que uma pessoa pode possuir? De acordo com
nossos sábios, é um bom coração, pois incluiu todos os outros bons traços de
caráter (Pirkei Avót 2:9). Ter um bom coração se expressa justamente nas
atitudes de Chessed e na preocupação com o bem-estar do próximo.
O objetivo do nosso esforço neste
mundo é o aperfeiçoamento das nossas almas. As Mitzvót são o meio para
atingir esse objetivo. Existem duas Mitzvót que nos permitem emular Elohim
e, desta maneira, nos conectarmos a Ele de uma maneira mais forte. A primeira Mitzvá
é o estudo da Torá e a segunda Mitzvá é o Chessed. Através do
estudo da Torá nos ligamos à "mente" de Elohim, como se
estivéssemos entendendo como Ele pensa. É uma oportunidade de conexão única.
A segunda Mitzvá é o Chessed.
A base de toda a existência é o desejo de Elohim de fazer o bem à Sua criação.
Portanto, quando fazemos atos de Chessed com vontade e amor, seguimos os
passos de Elohim. Avraham descobriu Elohim justamente através da característica
de Chessed, ao reconhecer a bondade inerente à criação. Ele desejava
tanto realizar atos de Chessed que, mesmo quando sentia terríveis dores
após seu Brit Milá aos 99 anos, sofreu ainda mais quando nenhum convidado
apareceu. Nossa matriarca Rivka também se distinguia por seu amor pelo Chessed,
e foi através dessa qualidade que Eliezer, o servo de Avraham, a testou, para
saber se ela era apropriada para fazer parte da família de Avraham.
Desta maneira é possível entender
a ordem do Maasser Sheni e do Maasser Ani. Ao ordenar que
trouxéssemos um décimo das nossas colheitas para Jerusalém, para consumirmos e
nos alegrarmos lá, Elohim nos ensinou duas lições vitais. A primeira é que
nossos bens materiais são um presente de Elohim e Ele pode ditar as regras de
como devemos usar essa generosidade material. A segunda é que usar a riqueza
material da maneira ensinada por Elohim gera sentimentos de alegria e
santidade.
Uma vez que tenhamos
internalizado essas duas lições nos primeiros dois anos do ciclo de Shemitá,
podemos oferecer essa generosidade aos pobres no terceiro ano, não de uma
maneira superficial, mas com alegria e com um verdadeiro sentimento de amor
pelo Chessed.
R' Efraim Birbojm
Texto extraído do blog:
http://ravefraim.blogspot.com/
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