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CALMA PARA CORRIGIR OS ERROS



A Sra. Blumenthal foi assistir à apresentação de uma importante ópera. Como era um espetáculo de gala, ela foi com suas melhores roupas e colocou suas melhores joias. A apresentação foi maravilhosa e ela voltou contente para a casa. Porém, ao se olhar no espelho, notou que havia perdido seu colar de pérolas. Ela ficou desesperada. O problema não era apenas o valor daquele colar, mas também por ser uma joia de estimação. A Sra. Blumenthal pensou que talvez tivesse deixado cair no carro. Sem paciência de esperar o elevador, desceu correndo pelas escadas e foi até a garagem. Examinou o veículo cuidadosamente, mas infelizmente não encontrou o seu colar.

 

A Sra. Blumenthal mal conseguiu dormir naquela noite. Na manhã seguinte, logo cedo, ela fez uma ligação para o teatro e foi gentilmente atendida pelo gerente. Ela explicou, desesperada, sobre o colar desaparecido e o seu imenso valor sentimental. O gerente, muito solícito, pediu a ela que aguardasse na linha enquanto ele verificava com o pessoal da manutenção se alguém havia encontrado o colar. Após alguns telefonemas, o gerente conseguiu falar com o chefe da manutenção, que informou que um dos faxineiros, após o espetáculo, havia encontrado o colar caído no chão e havia devolvido. O colar estava guardado em um lugar seguro.

 

Voltando ao telefone para transmitir a feliz notícia à senhora angustiada, o gerente constatou que ela já havia desligado. Ele não sabia quem era aquela senhora e nem o seu telefone. Infelizmente ela não teve paciência de esperar. O gerente ligou novamente para o chefe da manutenção e disse:

 

- Você vê como são as coisas? As pessoas pedem ajuda, mas infelizmente não "ficam na linha" aguardando a resposta. Quando querem resolver as coisas, são muito precipitadas e desanimam rápido demais".

 

Nos comportamos como a Sra. Blumenthal. Na ânsia de consertar nossos erros, acabamos agindo de maneira precipitada e impulsiva. A falta de paciência nos faz desistirmos rápido demais. A consequência é que sofremos de maneira desnecessária e carregamos problemas e dificuldades pelo resto das nossas vidas.

 



Nesta semana lemos a Parashat Vayelech (literalmente "E foi"), que continua descrevendo o último discurso de Moshé (Moisés) antes do seu falecimento. Moshé transmitiu aos israelitas que o ETERNO já havia previsto que eles futuramente se desviariam do caminho, despertando a fúria divina, mas que se arrependeriam após perceber que haviam se afastado do ETERNO, como está escrito:

 

Esta nação se levantará e se desviará atrás das divindades das nações da terra[...] E eles me abandonarão e quebrarão o pacto que Eu fiz com eles. E a Minha fúria queimará contra eles naquele dia[...] e muitos males e angústias lhes acontecerão, e eles dirão naquele dia: 'Não é porque nosso YHWH não está mais entre nós que todos estes males aconteceram?' (Devarim/Deuteronômio 31:16,17).

 

Este assunto sobre erros e arrependimento se conecta com a próxima Festa do Calendário Judaico: Yom Kipur, o "Dia do Perdão", um dos dias mais solenes e sagrados para o povo judeu. Yom Kipur marca o dia no qual o ETERNO perdoou o povo pela terrível transgressão do bezerro de ouro. Esta mesma influência espiritual, de perdão e misericórdia Divina, se repete anualmente em Yom Kipur, conforme está escrito na Torá:

 

Porque naquele (Yom Kipur) dia se fará expiação por vós, para purificar-vos; e sereis purificados de todos os vossos pecados perante o Senhor. (Vayikra/Levítico 16:30)

 

Mas como isto funciona? Como alcançamos o perdão divino após cometermos tantos erros durante o ano?

 

O versículo termina com as palavras "Diante de Elohim você será purificado". Nossos sábios explicam que esta é uma das fontes que nos ensina que a única maneira para obter o perdão divino é através da Teshuvá, o arrependimento pelos nossos erros e o regresso para perto de Elohim. E uma das partes principais da Teshuvá é o Vidui, a confissão das nossas transgressões. Durante todo o ano nós sempre procuramos desculpas para justificar nossas atitudes equivocadas. Algumas vezes dizendo que não erramos, outras que fomos forçados a errar, ou até mesmo jogamos a culpa nos outros para nos livrarmos das responsabilidades por nossos atos. Porém, em Yom Kipur nós assumimos e confessamos nossos erros perante o ETERNO.

 

No entanto, o processo de Teshuvá exige mais do que apenas fazer o Vidui. Sem a Charatá (arrependimento), a Azivat HaChet (abandonar a transgressão) e a Kabalá Lehabah (compromisso de se abster das transgressões no futuro), não há Teshuvá e o Yom Kipur não nos isenta dos nossos erros.

 

Isto nos assusta um pouco e traz poucas perspectivas de termos um Yom Kipur significativo e bem-sucedido. Todos nós lembramos o Yom Kipur dos anos anteriores, quando ficamos horas de pé, batendo em nosso peito enquanto pronunciávamos as transgressões sem fim pelas quais éramos culpados, com o sincero desejo de nunca mais tropeçar novamente naqueles erros. Porém, ano após ano, nos encontramos rapidamente repetindo exatamente os mesmos erros! Assim foi com a nossa decisão de nunca mais falar Lashon Hará, de darmos mais Tedaká e de dedicarmos mais tempo ao estudo da Torá. Por que não funcionou? Será que não estávamos sendo honestos? Se a Teshuvá completa inclui o total abandono da transgressão, então por que, em todos os anos anteriores, quando nos arrependemos, nunca demoramos muito para voltar aos nossos maus hábitos anteriores? Sem esta resposta, corremos o enorme risco de abalarmos a nossa confiança e de nos resignarmos a sermos "transgressores sem cura". Como fazer para que neste ano seja diferente?

 

Explica o Rav Yehonasan Gefen que a solução está em enxergar que normalmente cometemos dois grandes erros em Yom Kipur. O primeiro erro é achar que vamos conseguir acordar no dia seguinte pessoas completamente diferentes, novas criaturas nas quais todos os maus hábitos anteriores já não existem mais. Isto é uma grande auto enganação. Precisamos aceitar a realidade de que a verdadeira realização no judaísmo não é composta por grandes mudanças pontuais, e sim pelo crescimento diário, passo a passo, constante e sólido. O crescimento não acontece do dia para a noite, ele é necessariamente um processo gradual e, portanto, algo que leva tempo. E, mesmo que ainda não consigamos consertar de uma vez todos os nossos erros depois de Yom Kipur, está tudo bem. De fato, o crescimento é exatamente o motivo pelo qual viemos ao mundo. Viemos para crescer, para desenvolver nossas habilidades, para nos tornarmos pessoas melhores. E se nos comprometermos com um projeto construtivo de autodesenvolvimento, mesmo que seja um processo que leve meses ou até mesmo anos, estamos fazendo a vontade do ETERNO. Esta é a Teshuvá que Ele espera de nós.

 

Outro erro comum cometido em Yom Kipur é que passamos o dia expressando arrependimento e remorso por nossas ações, assumindo um compromisso verbal de que nunca mais praticaremos estes atos. Porém, desta maneira perdemos o foco, pois nos concentramos diretamente no ato, isto é, se fizemos ou não as Mitzvót ou as transgressões, mas ignoramos os aspectos do nosso caráter que são os verdadeiros causadores dos nossos erros.


Por exemplo, o problema não está em perder a hora todos os dias e chegar atrasado na Tefilá. O problema está na preguiça que precisa ser vencida, pois o atraso é só uma consequência deste traço de caráter negativo. É por isso que normalmente fracassamos em evitar as futuras transgressões, pois focamos nas consequências, mas esquecemos de consertar as verdadeiras causas. Somente ter a vontade de não errar mais não se transforma automaticamente em uma verdadeira Teshuvá. Ter boas intenções é muito louvável, mas não é suficiente para nos levar a conquistas espirituais.

 

Aquele que realmente quer mudar e melhorar seus caminhos deve canalizar suas energias na introspecção e na busca sobre o que o inspira e o que o leva às transgressões. Para que a Teshuvá seja honesta, real e, acima de tudo, duradoura e eficaz, é preciso desenvolver uma profunda repulsa, não apenas pelas transgressões, mas também pelas fraquezas pessoais que nos levam por este caminho. Existem algumas perguntas que, apesar de serem dolorosas, não podemos fugir delas se queremos crescer e melhorar: "Este é o judeu que eu realmente quero ser? Esta é a vida que eu quero viver? Estas são as prioridades que eu devo ter na vida? Este é o tipo de cônjuges, pais e amigos que realmente queremos ser?". Todas estas perguntas, e outros questionamentos, devem ajudar a nos guiar para o único caminho que permitirá nos tornarmos pessoas realmente melhores: o longo, complexo e às vezes cansativo, mas extremamente recompensador, trabalho de auto aperfeiçoamento.

 

Teshuvá exige que comecemos a formular uma estratégia para lidar com nossos traços de caráter negativos, para superar de forma sistemática aqueles traços que pesam e minam nosso desejo mais profundo de termos sucesso espiritual. Não é através de uma única atitude, e sim de um processo. Não nos tornaremos seres humanos perfeitos do dia para a noite. Se no estado quase angelical que atingimos em Yom Kipur acharmos que podemos mudar tudo de uma vez, o choque de volta à realidade será inevitável e extremamente doloroso.

 

Nossa Teshuvá não precisa garantir a conclusão instantânea, a mudança imediata. A Teshuvá deve ser, antes de tudo, sincera e real. A máxima expressão da Teshuvá verdadeira, que o ETERNO espera de nós em Yom Kipur, é que possamos mostrar a Ele que estamos embarcando na longa e difícil, mas poderosa, jornada que nos permitirá futuramente evitar as transgressões pelas quais confessamos com arrependimento sincero.

 

Se durante Yom Kipur nós apresentarmos a Elohim, não apenas sonhos, desejos e expectativas angelicais, mas planos concretos para um crescimento verdadeiro e sustentável, Ele certamente aceitará nossa Teshuvá. Pois mais do que nós queremos voltar, Ele, como um Pai misericordioso, quer Seus filhos de volta.

 

R' Efraim Birbojm

Texto corrigido e adaptado por Francisco Adriano Germano


 



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