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PRISIONEIROS DO MUNDO MATERIAL

  


Alfredo era um mendigo que vivia dos trocados que recebia na rua. Certa vez, ele foi tentar pedir dinheiro para Eduardo, o homem mais rico da cidade, mas que era conhecido por ser muito pão duro. Eduardo estava sentado à mesa, fazendo anotações em seu livro de contabilidade, quando Alfredo chegou.

 

- Não posso lhe atender agora - disse rispidamente Eduardo - estou muito ocupado, contando a minha fortuna.

 

Alfredo gostou da ideia. Ele tirou do bolso tudo o que tinha e começou a contar seus trocados. Eduardo percebeu o que estava acontecendo e começou a rir. Ele não aguentou e, de forma sarcástica, comentou:

 

- Estou vendo que você está tentando me imitar. Porém, parece que há uma grande diferença entre nós. Enquanto eu conto milhões, você conta centavos. Por que você não calcula a diferença que há entre nós?

 

- Já fiz esta conta - disse corajosamente Alfredo - Consultei um especialista e cheguei à conclusão de que não estamos tão distantes assim um do outro. A diferença são alguns milhares de reais.

 

Ao perceber a expressão de espanto e curiosidade no rosto de Eduardo, o mendigo explicou:

 

- Verifiquei com o coveiro da cidade. Ele me disse que existem dois tipos de enterro. Existem cerimônias mais simples, para os pobres, e cerimônias mais chiques, para os ricos. A diferença verdadeira entre nós não passa de vinte mil reais. Pois, depois do enterro, nenhum dinheiro vai nos diferenciar.

 

Não podemos deixar que nossas posses nos controlem e nos façam achar que somos melhores que os outros. Pois desta vida não se leva nada, a não ser as Mitzvót e as boas ações que realizamos.


 


Nesta semana lemos a Parashá Lech Lechá (Literalmente "Vá, por você"), que descreve alguns testes aos quais Avraham/Abraão foi submetido. Ele tornou-se um dos pilares do mundo ao passar por cada teste, e foi o responsável por difundir o conceito de um Elohim único. Avraham é o modelo de perseverança e luta, nos ensinando que, mesmo se o mundo inteiro vai contra a verdade, não devemos desistir de fazer o que é correto.

 

A Parashá desta semana traz um difícil teste para Avraham. Em sua época ocorreu a primeira "Guerra Mundial", uma guerra de quatro reis contra cinco. Os quatro reis eram extremamente poderosos e conseguiram vencer os cinco reis. Os derrotados tiveram seus bens saqueados e levados como cativos. Entre os cinco povos derrotados estava Sdom (Sodoma) e Amorá (Gomorra), e entre os cativos estava Ló, o sobrinho de Avraham. Quando Avraham foi avisado de que Ló havia sido levado cativo, ele arriscou a vida para salvá-lo, lutando contra os quatro reis e vencendo milagrosamente.

 

Avraham venceu a guerra com um pequeno exército de 318 homens, pessoas sem nenhum tipo de treinamento militar. A guerra foi contra as maiores potências militares da época, com reis muito poderosos que em suas batalhas destruíam todos os povos que encontravam. O comentarista Rashi (França, 1040 - 1105) explica que o coração de todos os que viam a força daqueles quatro reis se derretia de medo e o pânico tomava conta deles. Se nem mesmo a coligação de cinco reis pôde derrotá-los, como Avraham conseguiu fazê-lo, acompanhado apenas de um pequeno exército? As pessoas entenderam o tamanho do milagre que havia ocorrido.

 

Porém, há algo que chama muito a nossa atenção. Na Parashá que será lida na próxima semana, Vaierá, a Torá descreve a destruição completa das cidades de Sdom e Amorá. A Torá explica que eles mereceram este decreto por terem se corrompido completamente e por terem feito atos de muita crueldade. Mas se os reis e os habitantes de Sdom e Amorá haviam presenciado tantos milagres abertos e haviam reconhecido a força e a bondade de Elohim, como puderam fazer tantas transgressões, a ponto de perderem o mérito de existir sobre a face da terra? Eles haviam testemunhado que existe um Dono do Mundo e que existe o conceito de recompensa pelos bons atos e castigo pelos maus atos, então o que não estava claro para eles?

 

Responde o Rav Eliahu Lopian zt"l (Polônia, 1876 - Israel, 1970) que o ser humano se acostuma a viver de acordo com seus traços de caráter e seus desejos. O natural é não lutarmos contra nossas vontades e instintos, nem tentarmos dominar nossas más inclinações. Mesmo quando uma pessoa tem claridade de algo, ou até mesmo quando uma pessoa presencia um milagre, quando surge um desejo em seu coração, ela corre atrás dele. Mesmo quando o intelecto diz que sua atitude a levará a um fim ruim e amargo, os desejos vencem e a pessoa segue seu instinto.

 

Foi isto o que ocorreu com os habitantes de Sdom e Amorá, cujas transgressões causaram seu extermínio. Eles eram movidos pelos desejos e pela busca de preenchimentos materiais. E, por serem guiados pelos seus desejos, de nada adiantou o intelecto e o reconhecimento da verdade. Eles não esqueceram da verdade, somente não encontram forças para vencer seus instintos, a ponto de ser afundarem e cometerem as piores transgressões.

 

Já Avraham seguiu o caminho contrário. Ele reconheceu o Criador, não por profecia ou inspiração Divina, e sim através de uma reflexão profunda, que o levou a colocar sua Emuná em Elohim.

 

Avraham se compara a uma pessoa que, passando por um palácio com várias luzes acesas, diz: "Será que é possível este palácio funcionar sem alguém estar controlando?" O dono do palácio, ao escutar que alguém o procurava, sai e se apresenta, dizendo "eu sou o dono do palácio".

 

Da mesma maneira, Avraham percebeu a harmonia e a perfeição do mundo, e por isso começou a questionar: "É possível que este mundo não tenha alguém que o conduza?". Elohim, vendo que alguém O procurava, apresentou-se para Avraham e disse: "Eu sou o Dono deste Mundo". Avraham chegou a este entendimento com esforço e reflexão. Foi com o máximo do seu potencial intelectual que Avraham entendeu que todos os atos de Elohim são apenas por bondade. Por observar que o ETERNO era bondoso e misericordioso, Avraham entendeu que ele deveria andar nos mesmos caminhos e fazer bondade aos outros. E não há bondade maior do que mostrar aos outros o caminho da verdade.

 

Esta foi a diferença entre Avraham e o povo de Sdom. Ele alcançou o sucesso espiritual pois não teve preguiça e não se satisfez com um simples entendimento de Elohim, apenas para "sair da obrigação". Ao contrário, ele transformou seu intelecto e sua sabedoria em atitudes.

 

Avraham conseguiu conectar seu intelecto ao seu coração. Seu entendimento conseguiu fazer com que ele anulasse suas más inclinações e se tornasse um dos pilares do mundo. Este é o nosso trabalho, fazer com que o intelecto vença os maus instintos. Podemos utilizar o mundo material, mas não como algo que nos escraviza e nos faz esquecer até mesmo milagres abertos, e sim como uma maneira de reconhecer e contemplar o Criador. Milagres são bons, mas nosso intelecto é melhor.

 


Por R' Efraim Birbojm

Texto corrigido e adaptado por Francisco Adriano Germano

 


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