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UMA BREVE ANÁLISE DA PROPOSTA DO SHABAT LUNAR

 




No judaísmo da internet destinado a simpatizantes, surgiu uma forma de se observar o Shabat (sábado) que tem atraído muitas pessoas e a observação desse Shabat é um tanto curiosa. Nesse modelo, geralmente as pessoas aguardam a Lua Nova para determinar o dia 1º do mês. A partir desse dia contam sete dias para começar a observar o Shabat semanal. Nesse modelo, os dias 8, 15, 22 e 29 após a Lua Nova serão sempre shabatot (sábados) semanais.

 

Os propagadores desse modelo de guarda do Shabat mostram muitos versículos da Torá para fundamentarem essa nova maneira de observar o Shabat. E para muitas pessoas, se está na Torá, então é verdade.

 

Porém, existe uma expressão que diz: um texto fora de contexto é um excelente pretexto. Por isso devemos analisar com mais calma determinados artigos. Principalmente quando o assunto é Shabat. Pois um ensinamento que envolve a guarda do Shabat implica mudanças drásticas diante do ETERNO. Assim, decidi avaliar alguns pontos. Não vou citar os artigos que li defendendo o Shabat Lunar para evitar problemas com os autores. Mas os leitores podem encontrá-los facilmente no google.

 

A contagem dos cinquenta dias até Shavuot

 

O primeiro argumento contrário que aponto nesse modelo de guarda do Shabat é o erro quanto aos 50 dias de contagem até Shavuot:

 

Também guardarás a festa das semanas (Shavuot), que é a festa das primícias da sega do trigo, e a festa da colheita no fim do ano. (Êxodo 34:22)

 

Depois para vós contareis desde o dia seguinte ao Shabat, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta movida; sete semanas inteiras serão. Até ao dia seguinte ao sétimo Shabat, contareis cinquenta dias; então oferecereis nova oferta de alimentos a YHWH.  (Levítico 23:15-16)

 

Os detalhes devem ser muito bem observados para que não haja equívoco.

 

Antes de tudo a fórmula é muito simples. Desde o dia seguinte ao Shabat, ou seja, primeiro dia da semana, deve-se contar sete semanas inteiras, até o dia seguinte ao sétimo Shabat, totalizando cinquenta dias. Ou seja, são semanas de setes dias mais um dia. Em números é equivalente a 7 x 7 + 1 = 50. A contagem deve começar no primeiro dia da semana e terminar também no primeiro dia da semana.

 

O que vai acontecer na observação do Shabat Lunar?  Depende de como você faz a contagem.

 

Veja, na imagem a seguir, a contagem dos 50 dias após o Shabat Lunar de Pessach:

 



 Na imagem acima temos um calendário mensal de Shabat Lunar, começando no dia 15 do primeiro mês e indo até as duas primeiras semanas do terceiro mês.

 

Segundo esse calendário do Shabat Lunar o dia 15 é Shabat semanal e é Pessach [1]. Então, segundo o texto bíblico, devemos iniciar a contagem dos 50 dias no dia 16. Dentro do quadro amarelo temos os exatos 50 dias. Dessa forma, a festa de Shavuot cairá no dia 6 desse calendário de Shabat Lunar. Porém, faltará dois dias para o Shabat Lunar que ocorrerá no dia 8!

 

O texto é bem claro “até o dia seguinte ao sétimo Shabat”. Além do dia 6 cair longe de um Shabat Lunar, nem o sétimo Shabat aparece. Se contarmos os Shabatot Lunares dos quadros vermelhos só temos 6. E se o dia 1º do segundo mês e o dia 1º do terceiro mês forem contados como Shabatot, o número pula para 8.

 

Além disso não temos as 2 semanas inteiras, pois a contagem começou no primeiro dia da semana, dia 16 do primeiro mês, e terminou no quinto dia da semana, dia 6 do terceiro mês. Assim, não temos as sete semanas inteiras que são exigidas no mandamento e nem o sétimo Shabat. Lembre-se do que está escrito “sete semanas inteiras serão” e “até o dia seguinte ao sétimo sábado, contareis cinquenta dias”.

 

Como não existe um consenso entre as pessoas que guardam o Shabat Lunar, é necessário avaliar vários casos. Pois o assunto de Shavuot foi encontrado apenas em Fóruns da internet em inglês. Com diferentes maneiras de contagem. Há outros que contam sete Shabatot. A forma de contagem vai depender do grupo. Assim estudaremos mais dois casos de contagem.

 

Caso 1. Dia 1º é Shabat a ser contado.

 


 

Novamente contaremos a partir do dia 16. Vamos supor que o Rosh Chodesh seja um Shabat. Então os dias dentro dos quadros vermelhos serão os 7 Shabatot Lunares a serem contados.  O dia seguinte ao sétimo Shabat é o dia 1º, que também é Shabat Lunar. No entanto, se você contar os dias dentro do quadro amarelo só temos 45 dias. Mas o mandamento diz “contareis cinquenta dias”.

 

Depois para vós contareis desde o dia seguinte ao Shabat, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta movida; sete semanas inteiras serão. Até ao dia seguinte ao sétimo Shabat, contareis cinquenta dias; então oferecereis nova oferta de alimentos a YHWH. (Levítico 23:15-16)

 

Caso 2. O dia 1º não é Shabat a ser contado.

 



Quando o dia 1º, ou seja, o Rosh Chodesh, não é contado como Shabat Lunar nem no segundo mês e nem no terceiro mês. O sétimo Shabat Lunar cai no dia 8 do terceiro mês. Então o dia seguinte é a Festa de Shavuot, como diz o mandamento "Até ao dia seguinte ao sétimo Shabat, contareis cinquenta dias", ou seja, dia 9 do calendário lunar. No entanto, na contagem dos dias dentro do quadro amarelo, você terá 53 dias. Contradizendo a contagem de 50 dias.

 

A característica do Shabat Lunar

 

O que se percebe nos enormes textos publicados pelos defensores do Shabat Lunar, é que eles não destacam as diferenças entre Shabat e Shabat Shabaton. Também não se preocupam com os ajustes do calendário a longo prazo. Então eles põem no mesmo dia do Shabat semanal o Shabat das Solenidades. Também desprezam a contagem das semanas que atravessam meses, como é o caso de Shavuot.

 

Eles consideram como obrigatório, que as Solenidades caiam sempre no dia do Shabat semanal, criando uma ilusão textual. Essa ilusão no texto causa uma verdadeira confusão no leitor desses artigos. Geralmente os autores se negam a discutir os mandamentos a respeito de cada Shabat com o argumento de se evitar estender no assunto.

 

Quando encontram um simpatizante do judaísmo, um leitor que desconhece os detalhes dos mandamentos, eles abrem a porta para criar a ilusão com a palavra Shabat nesses leitores, afirmando que todas as solenidades apontadas (moedim) devem cair no mesmo dia do Shabat semanal. Para tal, apontam várias passagens com datas, mas não mostram as diferenças entre os Shabatot. No entanto, existe diferença entre os Shabatot e essas diferenças são essenciais para distinguir um Shabat do outro. E os textos da Torá destacam muito bem quando se deve ter repouso e repouso absoluto. Vejamos isso:

 

Seis dias trabalharás [ta’avod], e farás toda a tua obra [melachatecha]. Mas o sétimo dia é o Shabat de YHWH teu Elohim; não farás [ta’asse] nenhuma obra [melachá], nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez [assá] YHWH os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia cessou; portanto abençoou YHWH o dia de Shabat, e o santificou. (Shemot/Êxodo 20:10)

 

O termo para obra aqui é melachá, e ele é definido nesse trecho por duas raízes diferentes: avad e assá. A raiz “avad” significa literalmente serviço, isto é, o trabalhar para alguém, ou para o próprio sustento. Além disso o Shabat do sétimo dia tem mandamentos adicionais. Vejamos isso:

 

Não acendereis fogo [teva’aru eish] em nenhuma das vossas moradas no dia de Shabat. (Shemot/Êxodo 35:3)

 

E ele disse-lhes: Isto é o que YHWH tem dito: Amanhã é repouso [shabaton], o santo Shabat de YHWH; o que quiserdes assar [tofu], assai-o [efu], e o que quiserdes cozer [tevashlu], cozei-o [bashelu]; e tudo o que sobejar, guardai para vós até amanhã. (Shemot/Êxodo 16:23)

 

Aqui o mandamento está posto para o Shabat do sétimo dia. Como podemos perceber, não se podia acender fogo no dia de Shabat. Naturalmente, não poderia cozinhar nesse dia. O ETERNO ordena que a comida seja preparada antes e não no dia de Shabat.

 

E ao primeiro dia haverá santa convocação [micrá kodesh]; também ao sétimo dia tereis santa convocação [micrá kodesh]; nenhuma obra [melachá] se fará neles, senão o que cada alma houver de comer; isso somente aprontareis para vós. (Shemot/Êxodo 12:16).

 

Tereis no primeiro dia uma santa convocação [micrá kodesh], e não fareis nenhum trabalho servil [melechet avodá]. Durante sete dias oferecereis a YHWH sacrifícios pelo fogo. No sétimo dia haverá uma santa convocação [micrá kodesh]; e não fareis trabalho algum servil [melechet avodá]. (Vayicrá/Levítico 23:7-8)

 

Observe o que a Torá diz sobre o primeiro e último dia de pães ázimos: Nada é dito de forma direta sobre serem Shabaton (repouso/cessação). Porém, toda obra (melachá) é proibida, exceto o cozinhar. Algo que é proibido no Shabat semanal. São dias de santa convocação (micrá kodesh), ou seja, dias em que as pessoas devem se reunir para buscar a Elohim. O primeiro e último dia de pães ázimos (matsot) são dias de descanso, mas não de descanso absoluto.

 

O descanso absoluto no dia de Shabat está ligado exatamente ao repouso do ETERNO no sétimo dia da criação. Pois assim diz o próprio mandamento: "Porque em seis dias fez [assá] YHWH os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia cessou; portanto abençoou YHWH o dia de Shabat, e o santificou.”. Por isso Ele faz desse dia Shabat Shabaton, ou seja, de repouso absoluto. Se os dias 15 e 22 de matsot devem cair no mesmo dia do Shabat semanal, então porque exato nesses dias ele deixa de ser Shabaton? Por que esses dias deixaram de ser repouso absoluto?

 

Um ponto que é muito enfatizado pelos defensores do Shabat Lunar é que todas as solenidades apontadas devem cair no dia de Shabat. Por isso as Escrituras dizem que elas são Shabatot. Assim, os dias 8, 15, 22 e 29 do mês lunar são sempre Shabatot semanais. Mas sobre Yom HaKipurim (o Dia das Expiações) é dito:

 

Mas aos dez dias desse sétimo mês será o dia das expiações; tereis santa convocação [micrá kodesh], e afligireis as vossas almas; e oferecereis oferta queimada a YHWH. E naquele mesmo dia nenhum trabalho [melachá] fareis, porque é o dia da expiação, para fazer expiação por vós perante YHWH vosso Elohim... Shabat de descanso [shabaton] vos será; então afligireis as vossas almas; aos nove do mês á tarde, de uma tarde a outra tarde, celebrareis o vosso Shabat. (Vayicrá/Levítico 23:27-28)

 

Note que esse Shabat Shabaton sai do Shabat Lunar proposto. Os defensores do Shabat Lunar apontam que todo Shabat deve estar no dia de mudança de fase da lua. Porém, aqui os dias nove e dez destacados caem depois do dia oito apontado como Shabat na teoria do Shabat Lunar. Além disso, é um Shabat Shabaton. Ao contrário dos Shabatot do dia 15 e 22 de Matsot.

 

O argumento dos sacrifícios

 

Para não ter a primeira semana aumentada em oito dias, os defensores do Shabat Lunar dizem que o primeiro dia do mês é um Shabat semanal e afirmam que a prova disso são os sacrifícios ofertados que são iguais no primeiro dia e no Shabat. Mas isso não procede com a Torá. Compare os dois versículos a seguir:

 

No dia de sábado, oferecerás dois cordeiros de um ano, sem defeito, e duas décimas de flor de farinha, misturada com azeite, em oferta de alimentos, com a sua libação. (Números 28:9)

 

E nos princípios dos vossos meses oferecereis, em holocausto a YHWH, dois novilhos e um carneiro, sete cordeiros de um ano, sem defeito; E três décimas de flor de farinha misturada com azeite, em oferta de alimentos, para um novilho; e duas décimas de flor de farinha misturada com azeite, em oferta de alimentos, para um carneiro. E uma décima de flor de farinha misturada com azeite em oferta de alimentos, para um cordeiro; holocausto é de cheiro suave, oferta queimada a YHWH. E as suas libações serão a metade de um him de vinho para um novilho, e a terça parte de um him para um carneiro, e a quarta parte de um him para um cordeiro; este é o holocausto da lua nova de cada mês, segundo os meses do ano. (Números 28:11-14)

 

Nos princípios dos meses havia sacrifícios de dois novilhos e um carneiro, enquanto esses sacrifícios não são especificados para o dia de Shabat. Note também a quantidade de cordeiros são diferentes. No dia de Shabat eram dois, enquanto no princípio dos meses eram sete. As décimas de flor de farinha especificadas para os sacrifícios também distinguem o ritual de Shabat com o Rosh Chodesh.

 

Conclusão

 

Qualquer doutrina deve ser bem examinada nas Escrituras. Perceber as contradições do Shabat Lunar leva tempo, porque o calendário é um tema bastante complexo. A quantidade de citações bíblicas pode até parecer uma boa evidência, mas não é prova. Pergunte-se a si mesmo. Se o calendário deixou de ser lunar nos dois mil anos, por que nenhum Rabino em vinte séculos de investigação nem ao menos comentou esse assunto?

 

O movimento Caraíta, que é contra as tradições Rabínicas, é o grupo que poderia ter passado mais próximo da conclusão do Shabat Lunar. No entanto, nunca falou nada parecido em séculos de investigação. Estou falando de pessoas que conhecem a fundo os textos e são fluentes neles. Imersos nessa cultura a séculos em diferentes partes do mundo. Assim, examine e estude. Não só os textos. Mas a história.

 

O texto apresentado nesse artigo, não tem como objetivo refutar os argumentos acerca do Shabat Lunar. Porque isso seria muito trabalho para uma pessoa. Resolvi apenas apontar os pontos fracos dessa doutrina e levar o leitor a fazer uma investigação independente. Assim, poderá por si mesmo refutar os muitos argumentos apresentados sobre o Shabat Lunar ou simplesmente se tornar um adepto.

 

Fonte: http://caminhosobral.blogspot.com.br/

Texto corrigido e atualizado por Francisco Adriano Germano

 

Notas

[1] O autor do artigo empregou o termo Pessach, quando na verdade deveria ser empregado o termo Chag haMatzot. Pessach se refere apenas ao sacrifício do Korban Pessach, o cordeiro, que era comido na noite do 15 dia do mês.

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