Às vezes, é quando nos
sentimos mais sozinhos que descobrimos que não estamos sozinhos.
O que Jacó acrescentou à
experiência judaica? O que encontramos nele que não encontramos na mesma medida
em Abraão e Isaque? Por que seu nome - Jacó/Israel – é o que carregamos em
nossa identidade? Como foi que os seus filhos permaneceram na fé? Existe algo
dele em nosso DNA espiritual? Existem muitas respostas.
Jacó foi o homem cujos encontros
espirituais mais profundos aconteceram quando ele estava em viagem, sozinho e
com medo, na calada da noite, fugindo de um perigo para outro. Na parashá desta
semana, nós o vemos fugindo de Esaú e prestes a se encontrar com Labão, um
homem que lhe causaria grande dor. Na parashá da próxima semana, nós o vemos
fugindo em direção oposta, de Labão para Esaú, outro encontro que o encheu de
pavor: ele estava "com muito medo e angustiado". Jacó era o
homem de fé supremamente solitário.
No entanto, é precisamente nesses momentos de medo máximo que ele teve experiências espirituais que não têm paralelo na vida de Abraão ou de Isaque - nem mesmo na de Moisés. Na parashá desta semana ele tem a visão de uma escada que se estende da terra ao céu, com anjos subindo e descendo, ao final da qual ele declara:
Certamente
Elohim está neste lugar e eu não sabia [...] quão terrível é este lugar! Isto
nada mais é do que a casa de Elohim e esta, a porta do céu! (Gênesis
28: 16-17).
Na próxima parashá, preso entre a
sua fuga de Labão e o seu encontro iminente com Esaú, ele luta com um estranho
- descrito como um homem, um anjo e o próprio Elohim - recebendo um novo nome,
Israel, e diz, nomeando o local do encontro Peniel, "Eu vi Elohim face
a face e minha vida foi poupada" (Gen. 32:31).
Este não foi um momento pequeno
na história da fé. Normalmente assumimos que os grandes encontros espirituais
acontecem no deserto, ou em uma região selvagem, ou no topo de uma montanha, em
um ashram [1], um mosteiro, um retiro, um lugar onde a alma está em repouso, o
corpo calmo e a mente em um estado de expectativa.
Mas esse não é o caso de Jacó,
nem é o único ou mesmo o primeiro encontro de judeu. Nós sabemos o que é
encontrar Elohim com medo e tremor. Por meio de muito - felizmente não tudo,
mas muito - da história judaica, nossos ancestrais encontraram Elohim em noites
escuras e lugares perigosos.
Às vezes, é quando nos sentimos
mais sozinhos que descobrimos que não estamos sozinhos. Podemos encontrar
Elohim em meio ao medo ou em uma sensação de fracasso. Eu já passei exatamente por
isso nos momentos em que me sentia mais inadequado, oprimido, abandonado,
desprezado pelos outros, descartado e desprezado. Foi nesses momentos que senti
a mão de Elohim se estendendo para me salvar. Esse é o presente de Jacó/Israel,
o homem que encontrou Elohim no coração das trevas.
Jacó foi o primeiro, mas não o
último. Lembre-se de Moisés em seu momento de crise, quando ele disse as
palavras aterrorizantes:
Se é isso que você
vai fazer comigo, por favor, mate-me agora, se eu encontrei favor aos seus
olhos, e não me deixe ver minha miséria (Num. 11:15).
Dessa forma Elohim permitiu que
Moisés visse o efeito de seu espírito sobre os setenta anciãos, um dos raros
casos de um líder espiritual ver a influência que ele exerceu sobre outras
pessoas em sua vida.
Quando Elias estava cansado a
ponto de pedir para morrer que Elohim lhe enviou a grande revelação no Monte
Horebe: o vendaval, o fogo, o terremoto e a voz mansa e delicada (1 Reis 19).
Houve um tempo em que Jeremias se
sentiu tão desanimado que disse:
Maldito o dia em
que nasci, não seja bendito o dia em que minha mãe me deu à luz[...] por que
saí do ventre para ver labuta e tristeza, e terminar meus dias em vergonha?"
(Jer. 20:14,18).
Foi depois disso que ele teve
suas profecias mais gloriosas e cheias de esperança sobre o retorno de Israel
do exílio e do amor eterno de Elohim por Seu povo, uma nação que viveria tanto
quanto o sol, a lua e as estrelas (Jer. 31).
Talvez ninguém tenha falado com
mais emoção sobre essa condição do que o Rei Davi em seus salmos mais agitados.
No salmo 69, ele fala como se estivesse se afogando:
Salva-me, ó Elohim,
porque as águas me subiram ao pescoço. Eu afundo nas profundezas lamacentas,
onde não há ponto de apoio. (Sal. 69:2-3)
Depois, há a frase tão famosa
para os cristãos quanto para os judeus: "Meu Elohim, meu Elohim, por que
me abandonaste?" (Sal. 22:2). E o igualmente famoso, "Das profundezas
eu clamo a ti, Senhor" (Sal. 130: 1).
Esta é a herança de Jacó, que
descobriu que você pode encontrar Elohim, não apenas quando você está cuidando
pacificamente de suas ovelhas, ou se juntando a outros em oração no templo ou
na sinagoga, mas também quando você está em perigo, longe de casa, com perigo
na sua frente e medo atrás.
Esses dois encontros, na parashá
desta semana e na próxima, também nos fornecem metáforas poderosas da vida
espiritual. Às vezes, experimentamos isso como subir uma escada, degrau por
degrau. A cada dia, semana, mês ou ano, à medida que estudamos e entendemos
mais, chegamos um pouco mais perto do céu à medida que aprendemos a ficar acima
das brigas, nos elevar acima de nossas emoções reativas e começar a sentir a
complexidade da condição humana. Isso é fé como uma escada.
Além disso, existe a fé como uma
luta corpo a corpo, enquanto lutamos com nossas dúvidas e hesitações, sobretudo
com o medo (é a chamada "síndrome do impostor") de não sermos
tão grandes quanto as pessoas pensam que somos ou como Elohim quer que sejamos [2].
Dessas experiências, nós, como Jacó, podemos sair mancando. No entanto, é por
meio dessas experiências que também podemos descobrir que lutamos com uma força
que não sabíamos que tínhamos.
Esse é o presente de Jacó, e esta
é a sua ideia transformadora: que das profundezas podemos alcançar as alturas.
As crises mais profundas de nossas vidas podem acabar sendo os momentos em que
encontramos as verdades mais profundas e adquirimos nossas maiores forças.
Rabino Lord Jonathan
Sacks
NOTAS:
1. o termo ashram é, normalmente,
usado para designar uma comunidade formada intencionalmente com o intuito de
promover a evolução espiritual dos seus membros, frequentemente orientado por
um místico ou líder religioso.
2. Existe, é claro, o fenômeno
oposto, daqueles que pensam que superaram o Judaísmo, que são maiores do que a
fé de seus pais. Sigmund Freud parece ter sofrido dessa condição.
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