Pular para o conteúdo principal

BLOQUEANDO AS MÁS INFLUÊNCIAS

 


Júlio, um homem simples e pouco estudado, não assistia televisão e nem lia jornais. Ele vivia à beira da estrada e vendia os melhores sanduíches da região, pois se preocupava com a qualidade e com a divulgação do seu produto. Ele colocava cartazes pela estrada e oferecia com alegria o seu produto em voz alta. Como o sanduíche era delicioso e o atendimento era diferenciado, as pessoas gostavam e voltavam. As vendas foram aumentando e o negócio prosperava cada vez mais, pois ele investia no seu produto, comprando o melhor pão e os melhores recheios.

 

Júlio venceu na vida e conseguiu pagar uma boa escola ao seu filho Carlos, para que ele pudesse ser alguém na vida. Carlos era um rapaz esforçado e, quando cresceu, foi estudar economia na melhor universidade do país. Anos depois, já formado e com um excelente emprego, Carlos voltou para casa e notou que o pai continuava com sua vidinha de sempre, vendendo sanduíches na beira da estrada. Preocupado, teve então uma séria conversa com ele:

 

- Pai, você está alienado! Você não vê televisão, não acessa a internet e não lê jornais. Há uma grande crise no Brasil, pai. A situação do país é crítica, está tudo ruim, o Brasil vai quebrar. Você precisa se preparar para a crise!

 

Depois de ouvir as considerações do filho, uma pessoa tão culta e estudada, Júlio se preocupou e pensou: "Se meu filho, que estudou economia na melhor universidade do país, acha isto, então ele só pode estar com a razão, a coisa deve estar feia mesmo!".

 

Com medo da crise, Júlio procurou um fornecedor de pão mais barato, de pior qualidade. Também começou a preparar recheios mais baratos, também de pior qualidade. Para economizar, parou de fazer cartazes de propaganda na estrada. Abatido pela notícia da crise, já não sentia o mesmo entusiasmo para anunciar seus sanduíches. Obviamente que, com todos estes fatores juntos, as vendas começaram a cair, até chegarem a níveis insustentáveis. O pequeno negócio de Júlio, que por anos havia sustentado de forma honrosa a família toda, quebrou. Júlio, com um sorriso triste, falou para o filho:

 

- Você estava certo, meu filho, nós estamos no meio de uma grande crise. Bendita a hora em que eu insisti para que você estudasse economia. Que bom que você conseguiu me avisar a tempo sobre a crise...

 

Somos seres sociais. Sem perceber, acabamos sendo influenciados negativamente pelos outros. E os prejuízos das más influências podem muitas vezes custar caro.

 


 

Neste shabat, lemos a Parashá Vayshlach (literalmente "E enviou"), que descreve a volta de Ya’acov (Jacó) após décadas longe de casa. Ya’acov, que havia ido sozinho para Haran, fugindo da fúria de seu irmão Essav (Esaú), voltava agora com uma enorme família. Ele imaginou que, depois de tanto tempo, a fúria de Essav já teria se esfriado.


Porém, ao ser avisado de que seu irmão vinha ao seu encontro acompanhado de 400 homens, certamente, tinha intenções de travar uma guerra. Ya’acov então fez esforços em três diferentes áreas para se preparar para o reencontro com seu irmão: mandou presentes para Essav, em uma tentativa de apaziguá-lo; orou pela proteção de Elohim; e dividiu sua família em dois acampamentos, para caso Essav atacasse um deles, o outro se salvasse.


Qual oração Ya’acov fez para Elohim? Assim diz o versículo:

 

"Por favor, me salve das mãos do meu irmão, das mãos de Essav" (Gênesis 32:12).

 

Porém, as palavras de Ya’acov nos chamam a atenção pela linguagem repetitiva. Por que Ya’acov não disse apenas "me salve do meu irmão" ou "me salve de Essav"? Uma linguagem repetitiva aparece também em outro ponto da Parashá, quando a Torá descreve o sentimento de Ya’acov antes do reencontro:

 

"E Ya’acov sentiu medo e ficou angustiado" (Gênesis 32:8).

 

Se a ideia era simplesmente transmitir que Ya’acov estava preocupado com as consequências do seu encontro com Essav, por que escrever duas linguagens, medo e angústia?


Explica o Rav Yehonasan Gefen, que aparentemente, a ameaça que Essav representava era apenas física. Ya’acov temia que sua família fosse destruída por Essav e seus 400 homens, pois seria uma dura batalha. Porém, havia uma segunda grande ameaça, ainda mais perigosa, que Essav representava.


De acordo com o Rav Yossef Dov Soloveitchik zt"l (Bielorrússia, 1820 - 1892), mais conhecido como Beis Halevi, as duas expressões, "meu irmão" e "Essav" representam os dois diferentes tipos de perigo que Essav. Um deles era realmente o perigo físico, caso Essav se levantasse contra Ya’acov com violência e com um sentimento de vingança ardente, colocando em risco sua sobrevivência. O outro perigo era justamente o contrário, caso Essav se comportasse com fraternidade em relação ao seu irmão Ya’acov, o que é representado pelas palavras "meu irmão".


Entendemos o perigo de Essav se comportar com violência. Ele era um assassino, não se importava com o valor de uma vida e vinha ao encontro de Ya’acov com um verdadeiro exército. Em sua obstinação, faria de tudo para destruir Ya’acov e sua família. Porém, qual seria o perigo de Essav caso ele se comportasse fraternamente? Não seria bom se Essav viesse em paz e quisesse construir com seu irmão um relacionamento de amizade e proximidade?


De acordo com o Beis Halevi, Ya’acov conhecia a má-índole de Essav. Ele era uma pessoa desprovida de espiritualidade, cuja vida era focada apenas no preenchimento dos desejos e prazeres imediatos. Ya’acov teve medo de que a proximidade com Essav traria influências negativas para sua família. O inimigo "Essav" era perigoso e representava a ameaça física, mas o inimigo "meu irmão" era ainda mais perigoso, pois representava a ameaça espiritual. Isto explica também as duas linguagens utilizadas para se referir ao medo de Ya’acov. A linguagem "teve medo" se refere ao temor da destruição física, enquanto a linguagem "ficou angustiado" se refere ao temor das más influências espirituais.


Aparentemente, o perigo espiritual de Essav é de arrancar completamente de Ya’acov e de seus descendentes a conexão com Elohim e com a Torá. Porém, o Beis Halevi se aprofunda no entendimento de qual é o verdadeiro perigo espiritual do "irmão" Essav.


Quando os irmãos se encontraram, o coração de Essav amoleceu e ele convidou Ya’acov para que viajassem juntos. Há um Midrash (parte da Torá Oral) que nos ensina que a ameaça de Essav foi mais sutil do que arrancar toda a espiritualidade de Ya’acov. O Midrash explica o que significou este "convite" de Essav. Ele sugeriu a Ya’acov que fizessem uma parceria dos dois mundos, o Olam Hazé (mundo material) e o Olam Habá (Mundo Vindouro). Essav estava sugerindo que eles se unissem, cada um renunciando a um pouco do seu estilo de vida. Essav estava disposto a aceitar sobre si alguns fundamentos da Torá e, em troca, Ya’acov deveria renunciar a um pouco do seu foco espiritual, se envolvendo mais com o uso do mundo material apenas pela busca de prazeres. Ya’acov passou no teste, recusando firmemente a proposta de Essav.


O perigo espiritual do "meu irmão" não são as influências que querem arrancar completamente a nossa espiritualidade, pois contra estas forças nós estamos preparados. Se alguém tentasse nos convencer a servir uma idolatria, certamente expulsaríamos a pessoa. O verdadeiro perigo está quando somos influenciados a "diluir" nossa pureza espiritual. Como são perdas "pequenas", não nos importamos e não nos protegemos. Porém, esquecemos que a soma de pequenas perdas resulta em uma desconexão com Elohim.


Esta é uma lição importante para os nossos dias, quando as influências da sociedade começam a permear e a influenciar nossas casas, afetando o cumprimento das Mitzvót (Mandamentos) e a nossa visão verdadeira sobre o propósito da vida. Vemos pessoas que se identificam fortemente com o judaísmo, mas não conseguem deixar de trabalhar no Shabat ou consumir comida não Kasher. Outros cumprem Mitzvót, mas não se importam de se comportar de maneira obstinada para alcançar o sucesso profissional, deixando os valores da Torá em segundo plano.  


A firme recusa de Ya’acov nos ensina que, da mesma maneira que devemos nos esforçar no cumprimento das Mitzvót, também devemos nos esforçar para bloquear as influências que nos afastam de uma visão clara em relação ao nosso objetivo na vida. Nosso maior inimigo não são as grandes perdas espirituais, e sim as pequenas, que parecem não nos afetar. Somente bloqueando as influências externas e vivendo uma vida com valores verdadeiros seremos pessoas completas como Ya’acov. Este é, certamente, um dos maiores testes da nossa geração.


R' Efraim Birbojm

Texto revisado por Francisco Adriano Germano

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O QUE SIGNIFICA A EXPRESSÃO BARUCH HASHEM?

  A expressão judaica Baruch Hashem é a mais emblemática manifestação judaica de gratidão e reconhecimento, significando " Bendito seja o Senhor " ou " Louvado seja o Senhor ".   Baruch Hashem ( ברוך השם ) que traduzida para o português significa “ Bendito seja o Nome ” (em referência ao nome YHWH), é usada pelo povo judeu em conversas cotidianas como uma forma de expressar gratidão a Elohim por tudo. Muitas vezes é colocado no topo de cartas pessoais (ou e-mails), às vezes abreviado como B”H ou ב”ה .   É comumente usada em gentilezas trocadas. Por exemplo, quando se pergunta “ como vai você ”, a resposta apropriada é “ Baruch Hashem, vai tudo bem ”. Os usos mais típicos são: “ Baruch Hashem, encontramos uma vaga de estacionamento ” ou “ Deixei cair aquela caixa de ovos, mas Baruch Hashem, nenhum deles quebrou ”.   Em suas peregrinações pelas modestas comunidades judaicas da Europa Oriental, o sábio Baal Shem Tov indagava sobre a condição de seus conter...

FAÇA O QUE TEM QUE SER FEITO

    A história que reproduzirei a seguir foi contada pelo Rav Israel Spira zt"l (Polônia, 1889 - EUA, 1989), o Rebe de Bluzhov, que a testemunhou no Campo de Concentração de Janowska:   Todos os dias, ao amanhecer, os alemães nos levavam para fora do acampamento, para um dia de trabalho pesado que só terminava ao anoitecer. Cada dupla de trabalhadores recebia uma enorme serra e deveria cortar sua cota de toras. Por causa das condições terríveis e da fome, a maioria de nós mal conseguia ficar de pé. Mas nós serrávamos, sabendo que nossas vidas dependiam daquilo. Qualquer um que desmaiasse no trabalho ou deixasse de cumprir sua cota diária era morto na hora.   Um dia, enquanto eu puxava e empurrava a serra pesada com meu parceiro, fui abordado por uma jovem da nossa equipe de trabalho. A palidez em seu rosto mostrava que ela estava extremamente fraca.   - Rebe - sussurrou ela para mim - você tem uma faca?   Imediatamente entendi sua intenção...

O TERCEIRO TEMPLO E A PROFECIA: UM RITUAL QUE PODE REDEFINIR A HISTÓRIA

Nas próximas semanas, um acontecimento de grande relevância espiritual e geopolítica poderá marcar um novo capítulo na história de Israel e do Oriente Médio. Autoridades religiosas israelenses planejam realizar o aguardado sacrifício da novilha vermelha, um ritual ancestral descrito no livro de Números 19:2-10 , essencial para a purificação ritual e diretamente associado à reconstrução do Terceiro Templo — um elemento central nas profecias escatológicas judaicas.   Atualmente, um grande altar branco está em construção na Cidade Velha de Jerusalém, preparando o cenário para uma cerimônia que não ocorre desde os tempos bíblicos. O local escolhido para o rito, o Monte das Oliveiras, é estratégico e altamente sensível, situado em frente ao Monte do Templo, onde se encontram a Mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha — dois dos locais mais sagrados do islamismo. A realização do sacrifício nesse contexto pode intensificar tensões religiosas e políticas, com possíveis repercussões no e...