A Saturnália
Por hora, faremos um parêntesis para
falarmos sobre outra festa. Essa, de origem comprovadamente pagã conforme
narram os relatos históricos. Uma festa de origem romana, cuja origem remonta
ao século III a. C., denominada de Saturnália.
Segundo o historiador Frank E. Smitha
em sua obra “Macrohistory and World Report”, a Saturnália era uma
comemoração que teve início quando os romanos foram derrotados pelos cartagineses,
e precisaram elevar o moral de seus cidadãos, no século III a. C.
A Saturnália era uma comemoração que
girava em torno da celebração do solstício de inverno, e incorporou práticas
que estavam associadas ao paganismo primitivo.
O solstício de inverno é um evento
astronômico importante. Na trajetória da terra ao redor do sol, os dias vão, ao
longo do ano, tornando-se mais curtos ou mais longos, diariamente. O solstício
de inverno é justamente o momento em que a tendência se inverte, ou seja, os
dias chegam ao seu período mínimo e voltam a crescer.
Nas culturas pagãs primitivas, onde o
sol era cultuado como uma divindade, por volta dessa época era costume o
acendimento de fogueiras e velas como forma de tentar ajudar o sol a recuperar
a sua luz. Os primitivos acreditavam que era esse rito de acendimento das luzes
que permitia ao sol recuperar o seu poder, e os dias passavam a ser mais
longos.
A Saturnália, na realidade, fazia
juntamente com a Brumália, um conjunto de solenidades de inverno.
A Brumália e o Culto a Baco em Israel
Na cultura romana, o solstício de
inverno, ou Bruma, era comemorada com a Brumália, uma festa de culto a
Baco/Dionísio. Foi justamente essa uma das festividades em que Macabim Beit (2
Macabeus) relata ter havido profanação do Beit HaMikdash (Templo):
Em cada mês, no dia natalício do rei,
realizava-se um sacrifício; os judeus eram odiosamente forçados a tomar parte
no banquete ritual e, por ocasião das festas em honra de Dionísio, deviam
forçosamente acompanhar o cortejo de Baco, coroados com hera. (Macabim Beit/2
Macabeus 6:7)
O culto a Baco/Dionísio certamente
permaneceu e/ou foi reintroduzido posteriormente em Israel (e com eles, as
solenidades da Saturnália/Brumália), pois Flavio Josefo diz que Herodes, ao
reformar o Beit HaMikdash (Templo), introduziu nele uma grande videira dourada,
símbolo da adoração a Baco:
Então Herodes removeu as fundações
antigas e lançou outras, e ergueu o Templo sobre elas... e [nele] se estendia
uma videira dourada, com seus ramos pendurados de grande altura, a largura e
delicadeza do artesanato da qual era uma visão surpreendente para os
espectadores... (Antiguidades 15:11:3)
Tácito, historiador romano do
primeiro século, também testemunhou sobre a continuidade dos costumes de adoração
a Baco no Beit HaMikdash (Templo):
A medida que os sacerdotes cantavam
ao acompanhamento de flautas e tambores, eles se se cobrem de louros, e como
uma vinha dourada foi encontrada em seu Templo, muitos creem que eles adoram
Baco, o conquistador do Leste; mas os dois cultos não têm nada em comum, pois
Baco estabeleceu um ritual brilhante e alegre, enquanto os costumes dos judeus
são bizarros e morosos. (Histórias 5:5)
Plutarco, outro historiador romano,
também testemunhou a persistência do culto a Baco no primeiro século, em
Israel:
Eles habitam em tendas e cabanas
feitas essencialmente de videiras e de heras; o primeiro dia desse festival
eles chamam de Festa dos Tabernáculos. Alguns dias depois, eles celebram outra
festa, invocando Baco não mais através de símbolos, mas chamando o seu nome
diretamente... eles entram no Templo, onde provavelmente celebram a Bacanália.
(Simpósio 4:5:3)
A mesma data de celebração da
Brumália de Baco seria, posteriormente, adotada pelos seguidores romanos dos
mistérios de Mitra, pois Mitra era justamente considerado uma divindade solar.
A Celebração das Festividades Pagãs
de Inverno
Sobre as comemorações da Saturnália,
algumas antigas citações esclarecem, como por exemplo as de Tertuliano, que
escreveu o seguinte no início do século II:
Mas para nós, a quem os Shabatot são
estranhos, assim como o rosh chodesh e as festas amadas por Deus, a Saturnália,
os festivais de Ano Novo e meio do inverno e a Matronália são frequentados…
'que as suas obras brilhem,' disse Ele. Mas agora todas as nossas oficinas e
portões brilham! Tu hoje encontrarás mais portas de pagãos sem lâmpadas e coras
de louros do que cristãos […] Então, dirás: 'as lâmpadas perante minhas portas,
e os louros em meus portões são para honrar a Deus? Elas, obviamente, não estão
lá para honrarem a Deus, mas àquele que é honrado no lugar de Deus por
cerimônias religiosas dessa natureza… Portanto, que aqueles que não têm luz
acendam suas lâmpadas diariamente. (Tertuliano, Sobre a Idolatria, caps. 14 e
15)
Tertuliano menciona o hábito de, na
Saturnália, os pagãos acenderem lâmpadas diariamente e as colocarem próximas à
porta. Essa é exatamente a prática que os p'rushim (fariseus) adotaram
em Chanuká acerca do suposto milagre, conforme veremos mais adiante.
Ainda sobre hábitos da Saturnália, a
Enciclopédia Católica diz o seguinte:
Se as lâmpadas, que anteriormente
eram distribuídas na Saturnália, agora são identificadas com a purificação de
nossa senhora? O que, pergunto eu, há de tanta surpresa se os santos bispos
permitiram que certos costumes firmemente arraigados entre povos pagãos, e tão
tenazmente aderidos por eles que até mesmo após sua conversão ao Cristianismo
eles não puderam ser induzidos a eliminá-los, fossem transferidos para a
adoração do verdadeiro Deus? (Catholic Encyclopedia, "Lights")
De fato, em razão das celebrações do
solstício de inverno, um hábito bastante comum era o de presentear a pessoas
não apenas com dádivas (tal qual ocorre nos dias de hoje no Natal - outra festa
derivada da Saturnália/Brumália) como ainda com velas, justamente pelo hábito
de auxiliar o deus-sol:
Todas as classes se dedicavam a
banquetearem e a alegrarem-se; presentes eram trocados entre amigos, cerrei ou
velas de cera eram a oferta mais comum dos mais humildes aos seus superiores, e
as massas se amontoavam nas ruas, bradando 'Eis a Saturnália.' (Sir William
Smith, A School Dictionary of Greek and Roman Antiquities)
O costume citado por Tertuliano de
acender lâmpadas na porta de casa vem do costume grego de erguer altares em frente
às portas, exatamente algo que os selêucidas estavam forçando o povo de Yehudá
(Judá) a fazerem, pouco antes da revolta dos Macabim (Macabeus):
No dia quinze do mês de Kislev, do
ano cento e quarenta e cinco, edificaram a abominação da desolação por sobre o
altar e construíram altares em todas as cidades circunvizinhas de Yehudá.
Ofereciam sacrifícios diante das portas das casas e nas praças públicas,
rasgavam e queimavam todos os livros da lei que achavam. (Macabim Alef/1
Macabeus 1:54-56)
Continua na Parte IV
Por Sha'ul Bentsion
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