O Primeiro Relato do Talmud
Não é difícil percebermos de onde
derivam as práticas rabínicas. Vejamos agora algumas fontes rabínicas, para
melhor compreendermos a questão.
A primeira menção mais explícita à
prática de Chanuká ocorre no Talmud, o qual foi compilado compilado entre os
séculos V e VI de nossa era. Os trechos em que o Talmud menciona Chanuká são
parte da chamada “Baraita”, uma espécie de texto apócrifo da Mishná,
supostamente do século II. Ou seja, na melhor das hipóteses, a primeira vez que
se tem notícia do milagre de Chanuká ocorre no século II, com pelo menos 350
anos depois dos eventos da revolta dos Macabim (Macabeus). Até então, não existia
qualquer relato sobre esse suposto milagre!
Mesmo assim, o Talmud começa
demonstrando que nem sempre esse foi o motivo para as velas. Vejamos o que é
dito:
Nossos rabinos ensinaram: O preceito
de Chanuká [demanda] uma lâmpada por homem em sua casa; os zelosos [acendem]
uma lâmpada para cada membro [da casa]; e os extremamente zelosos -Beit Shamai
mantém: No primeiro dia oito lâmpadas são acesas, e depois disso são
gradualmente reduzidas; mas a Beit Hillel diz: No primeiro dia, uma é acesa, e
depois progressivamente aumentadas. Ulla disse: No Oeste dois amoraim, R. Jose
b. Abin e R. Jose b. Zebida, diferem assim: um mantém, a razão da Beit Shamai é
que isso corresponderá aos dias vindouros, e a da Beit Hillel é que
corresponderá aos dias que passaram; mas outro mantém: A razão da Beit Shamai é
que isso corresponderá aos novilhos do festival [de Sukot] enquanto a razão da
Beit Hillel é que nós aumentamos em santidade, mas não reduzimos. Rabbah b. Bar
Hana disse: Havia dois anciãos em Sidon: um fazia como a Beit Shamai, e o outro
como a Beit Hillel: o primeiro dava a razão de sua ação a fim de que
correspondesse aos novilhos do festival [de Sukot], enquanto o último dizia que
sua razão era porque aumentamos em santidade, mas não reduzimos. (b. Shabat
21b)
Repare no fato de que existe uma
grande discussão entre a escola de Hillel e a escola de Shamai (não confundir
com os próprios personagens - aqui a referência é a um período posterior a
ambos.) Agora repare no argumento citado como proveniente da escola de Shamai:
O número de velas ao final do festival deveria ser de treze, por quê? Por causa
do sacrifício de Sukot! Pois a Torá diz:
E, por holocausto em oferta queimada,
de cheiro suave a YHWH, oferecereis treze novilhos, dois carneiros e catorze
cordeiros de um ano; todos eles sem defeito. (Bamidbar/Números 29:13)
Ou seja, aqui vemos que naquela época
ainda persistia a noção de que a festa era celebrada por oito dias pelo fato de
que, na realidade, os Macabim (Macabeus) combinaram a festa da dedicação do
altar com a ideia de celebrarem uma espécie de Sukot Sheni!
A Origem desconhecida do Festival das
Luzes
Além disso, vemos que o acendimento
das velas realizado até o século II era feito de forma errática, sem qualquer
relação com o suposto milagre. Cada grupo de p'rushim (fariseus) fazia
de uma forma: uns por participante, outros somente pelo número de homens, e
assim por diante. Não havia qualquer consenso.
Podemos perceber também, pelo próprio
discurso de Hillel e de Shamai, fazendo ainda uma associação com os dizeres de
Flavio Josefo, que ninguém tinha uma justificativa para as velas de Chanuká
serem acesas. Cada pessoa buscava um motivo diferente. A Casa de Shamai, que
era por tradição mais literalista, tentava associar ao sacrifício de Sukot. A
Casa de Hillel, por sua vez, tentava justificar em termos de “santidade”.
Mas na realidade não havia nada de santo no que estava acontecendo.
Não é difícil para o leitor perceber
o que aconteceu: Desde os tempos da dominação romana, Israel teve problemas com
a helenização. Nesse processo, uma série de elementos da cultura grega foram
introduzidas no meio do povo.
E uma dessas influências que
permaneceu, desde os tempos antigos, foi justamente a do acendimento de velas à
porta durante o período das festividades do solstício de inverno! Esses ritos
foram incorporados e associados por alguns grupos aos eventos de Chanuká.
É justamente por essa razão que
Josefo não sabia o motivo pelo qual alguns chamavam Chanuká de “Festival das
Luzes”. Chanuká era uma festa de dedicação do altar, e ao mesmo tempo uma
espécie de Sukot Sheni. Chanuká nunca foi um “Festival das Luzes”! O “festival
das luzes” que ocorria naquela época era justamente a Saturnália/Brumália!
Mesmo assim, demorou para que os
p'rushim (fariseus) encontrassem uma justificativa plausível para aquela
prática. Somente o fizeram no mínimo 350 anos depois do evento (no mínimo,
porque é possível que tenha sido posterior, já que o Talmud é dos séculos V a VI):
E o que é Chanuká? Pois nossos
rabinos ensinavam: No dia vinte e cinco de Kislev [têm início] os dias de
Chanuká, os quais são oito [dias] em que uma lamentação por morto e jejum são
proibidos. Pois quando os gregos entraram no Templo, eles profanaram todos os
óleos lá existentes, e quando a dinastia dos Hasmoneus prevaleceu contra eles e
os derrotou, eles fizeram uma busca e encontraram somente uma botija de óleo
que tinha o selo do Cohen HaGadol [Sumo Sacerdote] mas que só continha óleo
suficiente para iluminar por um dia; porém um milagre lá foi operado e eles
acenderam [a Menorá] por oito dias. No ano seguinte estes [dias] foram
apontados por festival com [recitar do] Hallel e ação de graças. (b. Shabat
21b)
Além disso, legitimaram a mesma
prática a que Tertuliano fazia referência, quando determinaram que as velas de
Chanuká deveriam ser postas à porta ou à janela, exatamente como era feito na
Saturnália:
Nossos rabinos ensinavam: É
incumbente colocar a lâmpada de Chanuká próximo à porta de casa, na parte
externa. Se alguém habita no aposento superior, ele a coloca na janela mais
próxima da rua. mas em tempos de perigo, é suficiente colocá-la na mesa. Raba disse:
Outra lâmpada é necessária para que a sua luz seja usada, mas se houver fogo
queimando, não é necessária. Mas em caso de uma pessoa importante, mesmo se
houver fogo queimando, outra lâmpada é necessária. (b. Shabat 21b)
Percebam a gravidade do que fizeram
os p'rushim (fariseus): Para justificarem a inclusão de um rito pagão em uma
festa que deveria celebrar a vitória de Israel sobre o paganismo, inventaram
uma história de um milagre que jamais aconteceu!
Mas o pior ainda estaria por vir.
Evidentemente, ao fazerem isso, certamente foram questionados por muitos sobre
a validade dessa prática. Então, para darem ainda mais respaldo a essa prática,
resolveram fazer um outro revisionismo histórico ainda mais absurdo: Resolveram
declarar que não foram os romanos que inventaram a Saturnália, e sim Adam
(Adão)! Tenho certeza de que alguns leitores irão reler a frase anterior
algumas vezes, tamanha a perplexidade com a afirmação feita. Porém, é fato
muito bem documentado no Talmud, que diz:
Disse R. Hanan b. Raba: A Calenda é
observada oito dias depois do equinócio. A Saturnália nos oito dias que
antecedem o equinócio. Como um mnemônico, tome o verso: 'Tu me cercaste por
detrás e diante.' [Sl. 139:5] Nossos rabinos ensinaram: Quando Adam, o
primeiro, viu o dia gradualmente tornar-se mais curto, disse: 'Ai de mim,
talvez porque pequei, o mundo à minha volta está se escurecendo e retornando ao
seu estado de caos e confusão. Este, portanto, é o tipo de morte ao qual fui
sentenciado pelos céus! Então começou a observar um jejum de oito dias. Mas, à
medida que observava o solstício de inverno, notou que o dia se tornava cada
vez mais longo, e disse: 'Este é o decurso do mundo,' e passou a observar uma
festa de oito dias. No ano seguinte, apontou a ambos por festividades. Agora,
ele os apontou em razão dos céus, mas os [pagãos] os apontaram em razão da
idolatria. (b. Avodá Zará 8a)
A primeira afirmativa é talvez a mais
absurda. Repare que os p'rushim (fariseus) tentam justificar a
Saturnália e a Calenda (outra festa pagã romana, de que se sabe pouco hoje em
dia) através de Tehilim/Salmos 139:5! Vejamos o que diz o salmo, em contexto:
Tu me cercas por trás e por diante e
sobre mim pões a mão. Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é
sobremodo elevado, não o posso atingir. Para onde me ausentarei da tua Ruach?
Para onde fugirei da tua face? (Tehilim/Salmos 139:5-7)
O texto, obviamente, não tem nenhuma
relação com a Saturnália, e qualquer tentativa de associá-lo a essa prática
pagã já foge do âmbito do absurdo, e faz incursão na esfera do delírio total e
absoluto!
Além disso, a tentativa de afirmar
que Adam teria inventado a Saturnália é igualmente um absurdo que não merece
sequer ser comentado.
Paralelos em Outras Religiões Pagãs
Os costumes incorporados pelos
p'rushim (fariseus) na celebração de Chanuká também encontram semelhanças com
outras religiões que também foram influenciadas pela celebração do solstício de
inverno.
Um exemplo claro disso é o Diwali, o “Festival
das Luzes” do Hinduísmo, cujas celebrações também herdaram o costume das
luzes do solstício de inverno.
O termo "diwali" vem
do hindu, que significa "fileira de lâmpadas". O significado
espiritual do Diwali é "a luz que retorna à escuridão". Por
essa razão, nas casas, as famílias costumam acender as velas do Diwali para
protegê-las do mal, pois Diwali simboliza a vitória
sobre demônios.
Acima, uma imagem demonstra o
acendimento de velas (preferencialmente velas utilizando óleo) no Diwali. As
semelhanças, infelizmente, não são mera coincidência.
Continua na Parte V
Por Sha’ul Bentsion
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