Pular para o conteúdo principal

APRENDA A VALORIZAR

 


Reuven era filho único e tinha perdido sua mãe ainda pequeno. Seu pai o havia criado sozinho, com muito esforço, mas Reuven já não aguentava mais a convivência. O tempo todo seu pai o deixava irritado, pois era muito rigoroso e sempre estava dando broncas: "Se você for sair da sala, desligue o ventilador", "A luz está ligada na cozinha, onde não há ninguém. Apague!", "Suas coisas estão bagunçadas, mantenha seu quarto organizado".

 

Certo dia, Reuven não aguentou mais. Simplesmente arrumou suas coisas e foi embora, sem dar nenhuma satisfação ao pai. Sentindo-se livre de todo aquele peso, foi viver com alguns amigos. Mal dava atenção ao pai, só ligava quando precisava de mais dinheiro.

 

Infelizmente, algum tempo depois, Reuven recebeu a triste notícia do falecimento de seu pai. Provavelmente ele havia morrido de desgosto e tristeza. Mas Reuven não sentiu nenhum remorso. Ele sentia um enorme alívio por ter saído daquela cobrança diária.

 

Agora Reuven teria que se sustentar sozinho. Ele mandou seu currículo para várias empresas e foi chamado para uma entrevista em uma delas. Era um excelente cargo e Reuven se animou com a possibilidade de ser contratado, mas, ao mesmo tempo, ele estava receoso.

 

Reuven chegou ao local da entrevista, mas percebeu que não havia seguranças no portão. Embora o portão estivesse destrancado, a maçaneta estava um pouco solta, o que dificultava para abrir. Reuven então resolveu dar umas pancadas e consertou a maçaneta.

 

Já dentro da empresa, viu que em ambos os lados do caminho havia lindas flores, mas Reuven percebeu que o jardineiro havia esquecido a torneira aberta e a mangueira jogada no meio do caminho, fazendo com que a água transbordasse. Reuven ergueu a mangueira, colocou-a perto de uma das plantas e fechou a torneira. Quando chegou ao escritório, também não havia ninguém na recepção, mas havia um aviso informando que a entrevista seria no primeiro andar. Reuven subiu lentamente as escadas e percebeu que a luz ainda estava acesa, mesmo que o sol brilhava forte. Lembrando-se das advertências do pai, procurou o interruptor e apagou a luz.

 

Já no andar de cima, em um grande salão, ele viu outras pessoas sentadas, esperando sua vez de serem entrevistadas. Eram tantos concorrentes, será que ele teria alguma chance de conseguir o emprego? Percebeu que na entrada havia um tapete de "boas-vindas", mas viu que ele estava de cabeça para baixo. Imediatamente, como seu pai sempre exigia, ele endireitou o tapete. Ao se sentar, viu que nas fileiras da frente havia muitas pessoas esperando, enquanto as fileiras de trás estavam vazias, e vários ventiladores estavam funcionando sobre aqueles assentos vazios. Ele escutou a voz do seu pai dizendo: "Por que o ventilador está ligado onde não há ninguém?". Ele então se levantou e desligou os ventiladores.

 

Finalmente, quando chegou sua vez, Reuven percebeu que a reunião seria diretamente com o chefe e ficou muito tenso. O chefe, em silêncio, pegou os certificados de Reuven e, sem olhar para os papéis, perguntou:

 

- Quando você pode começar a trabalhar?

 

Reuven não entendeu. Seria uma brincadeira? Seria parte de um teste para ver como ele reagiria? Percebendo a expressão de confusão no rosto de Reuven, o chefe disse:

 

- Deixe-me explicar a você. Não fazemos perguntas a ninguém aqui, pois acreditamos que através delas não seremos capazes de avaliar as habilidades de alguém. Nós avaliamos as atitudes das pessoas. Criamos algumas situações e observamos o comportamento dos candidatos por meio de câmeras espalhadas por todos os ambientes. Ninguém que veio aqui hoje fez nada para ajeitar a maçaneta do portão, para fechar a água que estava jorrando na mangueira, para ajeitar o tapete de boas-vindas ou para desligar os ventiladores e as luzes que estavam desperdiçando energia. Você foi o único que fez isso. Por isso, decidi escolher você para o cargo.

 

Aquelas palavras desabaram na cabeça de Reuven como uma pedrada. Ele sempre ficou irritado com a disciplina que seu pai impunha em casa, chegando ao ponto de desprezá-lo e abandoná-lo por isso, e agora percebeu que, graças ao pai, havia conseguido o emprego. Porém, agora já era tarde demais para agradecer...

 

Aprecie enquanto você tem as coisas. Não espere perder as coisas para saber dar valor.

 

 


 

Nesta semana lemos a Parashá Ki Tissá (literalmente "Quando você contar"), que traz, entre outros assuntos, a construção do Bezerro de Ouro, um erro que quase causou a destruição do povo judeu. Moshé (Moisés) ainda estava em cima do Monte Sinai quando Elohim o avisou que o povo havia se desviado. Ele imediatamente desceu para ver o que havia acontecido, achando que encontraria o povo chorando, arrependido por ter transgredido por causa de alguma situação desesperadora. Porém, quando encontrou o povo cantando e dançando em volta do Bezerro de Ouro, sua primeira reação foi quebrar as Tábuas dos 10 Mandamentos que Elohim havia entregado.

 

Porém, sobre esta quebra das Tábuas, há um detalhe muito interessante. Quando a Torá ensina que Moshé recebeu as Tábuas, a Torá menciona que eram milagrosas, escritas pelo próprio "Dedo de Elohim", como está escrito:

 

E deu a Moisés (quando acabou de falar com ele no monte Sinai) as duas tábuas do testemunho, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Elohim. (Shemot/Êxodo 31:18)

 

Nenhum detalhe adicional é mencionado. Mais tarde na Parashá, pouco antes de Moshé quebrar as Tábuas, a Torá revela mais sobre elas:

 

E virou-se Moisés e desceu do monte com as duas tábuas do testemunho na mão, tábuas escritas de ambos os lados; de um e de outro lado estavam escritas. E aquelas tábuas eram obra de Elohim; também a escritura era a mesma escritura de Elohim, esculpida nas tábuas. (Shemot/Êxodo 32:15,16)

 

Desta segunda vez, percebemos que a Torá se alongou na descrição das Tábuas. Por que esta diferença?

 

A pergunta fica ainda mais forte quando percebemos que o primeiro versículo se refere ao momento da entrega das Tábuas a Moshé, enquanto o segundo versículo se refere ao momento em que elas estavam prestes a serem destruídas. Pela lógica, os louvores deveriam ter sido mencionados no momento da entrega das Tábuas, não no momento da sua destruição. Então por que a Torá relata exatamente o oposto do que era esperado?

 

Responde o Rav Yssocher Frand que talvez a Torá está nos ensinando uma lição que não se aplica apenas às Tábuas, mas também à vida em geral. Sempre que possuímos algo já por algum tempo, mesmo que sejam coisas muito especiais, acabamos deixando de valorizar o que temos. Quando alguém está prestes a perder aquilo que possui, somente então começa a perceber sua importância e beleza.

 

Quando amamos certas pessoas, e vivemos como se fossemos tê-las para sempre ao nosso lado, consideramos "normal" estar com estas pessoas. No entanto, quando nos deparamos com o "fantasma" da perda de um ente querido, e percebemos que nosso tempo com essa pessoa está terminando, de repente começamos a entender a preciosidade do que temos e o valor de cada momento com essa pessoa. Nossa atitude então muda totalmente.

 

Talvez os versículos da Torá estejam enfatizando essa preciosa lição. Em um primeiro momento as qualidades das Tábuas não são mencionadas. Somente quando Moshé estava prestes a quebrar as Tábuas, então paramos pela primeira vez para considerar a singularidade e a magnificência dessas Tábuas.

 

Esta é uma lição que tem inúmeros exemplos ao longo de nossas vidas. Um dos exemplos mais óbvios diz respeito à nossa época escolar. O sentimento predominante é de que não aproveitamos a experiência quando tivemos a oportunidade. Olhamos para trás e vemos como foi preciosa a experiência que tivemos. Todos dizem que, se pudessem voltar atrás, teriam aproveitado muito melhor seus anos escolares, pois foram certamente "os melhores anos de suas vidas". Porém, enquanto a pessoa ainda está na escola e o tempo parece infinito diante dela, ela não aproveita tudo o que poderia. A comida na escola pode não ser a mais deliciosa, a convivência com os outros alunos nem sempre é fácil. Existem muitas pequenas "reclamações" na época escolar. Porém, a experiência geral é gratificante, rica e única.

 

O mesmo ocorre com a educação dos filhos. É necessário um grande esforço para criar filhos. Eles podem minar nossas energias e "descarregar nossas baterias" completamente. Porém, quando a pessoa envelhece e vê seus filhos crescidos, ela olha para trás e diz: "Aqueles anos maravilhosos passaram muito rápido".

 

E assim também é o relacionamento com nossos pais. Podem haver tensões e aborrecimentos. Às vezes, a vida pode ser difícil no relacionamento entre pais e filhos. Mas muitas pessoas deixam de perceber a enorme bênção que temos quando ainda podemos recorrer aos pais em busca de um conselho ou um simples ombro amigo.

 

Um dos maiores testes da vida é valorizar uma situação enquanto a vivemos. A vida é muito fugaz, pois somos engolidos pelos detalhes e pelos pequenos solavancos na estrada do cotidiano. Simplesmente não temos tempo e paz de espírito para apreciar o que temos. Este é o teste de vida que atravessa gerações, em todos os aspectos de nossas vidas. Até mesmo em relação aos nossos empregos, muitas vezes aguardamos ansiosamente a aposentadoria. Porém, depois que a pessoa se aposenta, o que fará na manhã seguinte? Se uma pessoa ainda tem a capacidade física e psicológica de ser ativa e produtiva, ela deve ser valorizada e posta em prática.

 

Esta é a lição que a Torá está nos ensinando. Apenas notamos que as Tábuas eram uma obra milagrosa de Elohim quando estamos prestes a perdê-las. O desafio é valorizar o que temos enquanto ainda o temos.

 

R' Efraim Birbojm

Comentários

  1. Realmente tudo que foi falado neste texto, veio em minha memória meus tempos de escola que não foi muito fácil, mas foram bons, e se tratando da Torah, eu tenho aprendido muito e busco melhorar mas, que o Eterno nós guie e nos faça um vaso nas mãos D'le, Shalom shalom.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A INCOERÊNCIA TEOLÓGICA

    Dias atrás estava conversando com alguns evangélicos e sobre o porquê de seguirem aquilo que seguem. Por exemplo: a mulher não poder usar calça, o crente não poder fazer tatuagens, dentre outras coisas.   Quando questionados, claramente em alto e bom som, a maioria fala que não! Retruquei com um simples por quê? Um respondeu: - "Acho que pode sim, não vejo problema algum!"   Outro contrariando, falou: - "O pastor diz que a mulher não pode usar calça e pronto!"   E outro complementou: - "O pastor disse, mas eu não vejo nada na Bíblia que fala de mulher não poder usar calça!"   Um mais ferrenho disse: - "Isto é doutrina, então deve ser seguido!"   Aí perguntei: - "Doutrina? Baseada em que? Por acaso está na Bíblia?"   Recebi uma resposta: - "Tem sim! Na Bíblia, numa parte fala que a mulher não pode usar roupa de homem, e homem não pode usar roupa de mulher!"   Está aí a resposta, ent

EM QUE DIA MORREU YESHUA: SEXTA OU QUARTA-FEIRA?

    É verdade que Yeshua (Jesus) ressuscitou no domingo de manhã? Alguns advogam que o domingo se tornou o dia de guarda, baseados nesta ideia. Seria isto verdade? É certo considerar parte de um dia, como sendo 24 horas?   O MASHIACH E O SINAL DE JONAS   Sem levar em conta a história de Jonas, não haveria prova positiva com a qual refutar o protesto de que o Mashiach (Messias) da Bíblia era um impostor; porque Ele mesmo disse para alguns incrédulos escribas e fariseus, os quais duvidaram de sua verdadeira identidade, embora o tenham visto fazer milagres, que não seria dado outro sinal além daquele de Jonas, para justificar a sua afirmação messiânica.   Então alguns escribas e fariseus lhe disseram: Mestre, gostaríamos de ver da tua parte algum sinal. E Ele lhes respondeu: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas. Pois como Jonas esteve três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim estará o Filho do home

FÉ NO FUTURO

    Alguma medida do radicalismo que é introduzido no mundo pela história do Êxodo pode ser vista na tradução errada das três palavras-chave com as quais Elohim Se identificou a Moisés na Sarça Ardente.   A princípio, Ele se descreveu assim:   “Eu sou o Elohim de teu pai, o Elohim de Abraão, o Elohim de Isaque e o Elohim de Jacó” .   Mas então, depois que Moisés ouviu a missão para a qual seria enviado, ele disse a Elohim:   “ Suponha que eu vá aos israelitas e lhes diga: 'O Elohim de seus pais me enviou a vocês', e eles me perguntam: 'Qual é o nome dele?' Então o que devo dizer a eles? Foi então que Elohim respondeu, enigmaticamente, Ehyeh Asher Ehyeh (Ex. 3:14).   Isto foi traduzido para o grego como ego eimi ho on , e para o latim como ego sum qui sum , significando 'Eu sou quem sou', ou 'Eu sou Aquele que é'. Todos os teólogos cristãos primitivos e medievais entenderam que a frase falava de ontologia, a natureza metafísica da e