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O NOME DO MASHIACH

 


Um guia para compreensão da controvérsia

 

I - Introdução

 

Recentemente, o nome do Mashiach tem sido alvo de bastante controvérsia. A cada dia que se passa, surge um novo grupo religioso na Internet divulgando qual seria a “verdadeira” pronúncia do nome e chamando de servos de Satan e ameaçando com fogo do inferno aqueles que o pronunciam de forma diferente.

 

O que tem de comum todos esses grupos?

 

Além do evidente radicalismo – querendo fazer do ETERNO um ser maligno disposto a jogar no inferno pessoas por conta de sílabas não pronunciadas corretamente – a esmagadora maioria desses grupos tem uma coisa em comum: Muita conjectura, especulação, hipótese, e nenhuma evidência histórica séria.

 

Para acabar de vez com essa controvérsia, resolvi postar um estudo mostrando o que dizem as fontes históricas sérias acerca da verdadeira forma escrita e de pronúncia do nome do Mashiach.

 

Vamos também demonstrar o porquê de cada forma existir.

 

II - A Forma Escrita

 

Comecemos então pela forma escrita. Depois, passaremos para a forma pronunciada.

 

יהושע

(Yud-Hey-Vav-Shin-Ayin)

 

Essa é a forma do nome de Josué, no Tanach (“Velho” Testamento). A forma aparece 219 vezes ao longo do texto massorético. Esse nome significa "YHWH salva" e é um nome derivado de Hoshea, nome original de Josué, conforme vemos em Bamidbar (Números) 13:8,16. O nome Hoshea significa "Ele salva". Posteriormente, o nome é alterado por Moshe.

 

Mito: "Esse é o nome verdadeiro, pois contém o nome de YHWH".

A Verdade: Em nenhum momento é dito na Bíblia que as sílabas do nome do Mashiach teriam que ser exatamente as mesmas de YHWH. O Mashiach detém o Nome do Pai, pois Ele é YHWH feito carne. Além do mais, se fôssemos por essa lógica, NENHUMA das formas contém o nome "completo" de YHWH, pois a forma em questão possui apenas 1 Hey (ה), enquanto o Nome possui 2 (יהוה)

 

ישוע

(Yud-Shin-Vav-Ayin)

 

Essa é a forma do Nome do Mashiach que é dada por Gavri'el HaMalach (o anjo Gavri'el/Gabriel)

 

O anjo faz um trocadilho com a palavra yeshuá (salvação), cuja diferença na grafia ocorre apenas em função do Hey final, que torna a palavra salvação feminina, em contraste ao Nome que é masculino. Ele se chamará ישוע (Yeshua) porque trará ישועה (yeshuá/salvação).

 

Esse nome, na realidade, é ou uma abreviação de יהושע (Yehoshua), cujo significado ressalta o aspecto da salvação, ou uma influência do aramaico, visto que o termo sempre aparece na Peshitta Tanach quando o hebraico traz יהושע (Yehoshua). A primeira alternativa é a mais plausível.

 

O fato é que mesmo no texto hebraico, Nechemiyah (Neemias) usa o termo intercambiavelmente com o primeiro, mostrando que eram considerados sinônimos, conforme vemos em 8:17. O termo, ao contrário do que muitos pensam, não é exclusivo do “Novo” Testamento, nem tampouco de origem posterior, mas aparece no Tanach (“Velho” Testamento) 29 vezes. Ezra (Esdras) chega a mencionar um Cohen HaGadol (Sumo Sacerdote) de nome Yeshua, em 3:2.

 

Mito: O nome é uma invenção posterior, para mascarar o verdadeiro nome do Mashiach

A Verdade: Como vimos, o nome aparece 29 vezes no Tanach e, portanto, muito antes do Mashiach nascer, já aparecia de forma bastante comum.

 

Mito: O nome "oculta" o nome de YHWH.

A Verdade: Nenhuma das formas traz todas as letras do Nome de YHWH (יהוה). Se formos por essa lógica, temos que descartar todos os nomes de testemunho histórico. De fato, O nome Yeshua possui duas das 4 letras de YHWH.

 

ישו

(Yud-Shin-Vav)

 

Não existe forma mais controversa do que a forma Yud-Shin-Vav (Yeshu). Contudo, essa controvérsia é muito mais fruto de ignorância do que qualquer outra coisa.

 

A origem dessa forma está no fato de que o nome ישוע no aramaico, no dialeto corrente de Israel, seria pronunciado "Ieshu" ou "Ishu". Conforme aponta o Dr. James Trimm, a origem do termo "Yeshu" (ישו) está no fato que o ayin (ע), no aramaico, teria um som mudo.

 

Portanto, ao ser transliterado do aramaico para o hebraico, o nome pronunciado como "Ieshu" ou "Ishu" seria escrito da forma Yud-Shin-Vav (ישו)

 

Há indícios históricos, alguns dos quais veremos abaixo, que devido à influência do aramaico (especialmente na Galil/Galiléia), os primeiros seguidores de Yeshua se referiam a Ele dessa maneira. Contudo, como vimos, é uma forma derivada de transliteração e, portanto, não é a grafia completa.

 

Mito: "Yeshu" é um acróstico criado pelos rabinos do Talmud para ofender Yeshua, cujo significado é "que o seu nome seja riscado".

A Verdade: O Talmud NÃO fala de Yeshua. Há pelo menos 2 ou 3 personagens chamados pelo Talmud de "Yeshu" - nenhum deles foi sequer contemporâneo de Yeshua. Reconhecemos o fato de que até mesmo alguns antimissionários, ao repetirem de forma ignorante o argumento de terceiros sem investigarem por si próprios, também alegam que o Talmud faz ofensas a Yeshua. Historicamente, contudo, isso simplesmente não é verdade.

 

Além disso, seria muita ingenuidade imaginar que os rabinos não seriam capazes de criar um acróstico baseado no nome completo, se assim o desejassem. Na realidade, historicamente se sabe que essa grafia está associada à forma de pronúncia aramaica, não contendo qualquer elemento satânico ou provocativo.

 

III - O Testemunho dos Manuscritos Semitas

 

Isso posto, estando familiarizados com as três formas, seus mitos e verdades, vejamos agora como se verifica, na prática, o testemunho dos principais manuscritos semitas. Para esse artigo, julgamos que o leitor esteja familiarizado com as principais fontes semitas da Bíblia.

 

- Tanach (“Velho” Testamento)

 

Hebraico:

Torá Samaritana: ישוע

Texto Massorético: יהושע e ישוע

 

Aramaico:

Peshitta Aramaica: יהושע e ישוע

 

- Brit Chadashá (“Novo” Testamento)

 

Hebraico:

Münster Matitiyahu (Mateus) [1]: ישוע no texto principal; יהושע no prefácio

Münster Ivrim (Hebreus): יהושע

DuTillet Matitiyahu (Mateus) [2]: ישוע, ישו, יהושע

Shem Tob [3]: ישו

 

Aramaico:

Siríaco Antigo: ישוע

Peshitta Aramaica: ישוע

Manuscrito Crawford (Apocalipse): ישוע

 

Observações:

[1] - O uso de יהושע no prefácio indica que o escriba de Münster teve acesso pelo menos a algumas fontes com essa grafia. Isso é reforçado pelo fato de ser a grafia de uso em Ivrim/Hebreus.

[2] - O escriba DuTillet parece ter trabalhado com fontes de diversas grafias. Provavelmente, o uso de ישו indica não necessariamente uma fonte hebraica com essa grafia, mas talvez o uso de uma fonte aramaica. A predileção de DuTillet por ישוע talvez indique sua predominância mesmo nas fontes hebraicas.

[3] - O uso de ישו por parte de Shem Tob não surpreende e possivelmente indica influência talmúdica, visto que esse manuscrito, na realidade, fazia parte de obra antimissionários da Idade Média.

 

Análise das Formas Escritas

 

O uso de ישו é bem restrito, e não indica uma grafia inicial, mas sim uma mera transliteração. Sua presença indica influência do aramaico. A escassez de testemunhos históricos indica que, na escrita, essa não era uma forma popular e muito menos pode ser considerada como a forma original.

 

Dentre os demais manuscritos, ambas as demais formas aparecem nos textos hebraicos, em boa quantidade de testemunhos. A forma mais antiga é mais presente no hebraico, enquanto a forma mais recente é mais usada no aramaico.

 

IV - Formas Equivocadas de escrita

 

Dentre esses grupos, algumas formas equivocadas de escrita surgiram, a saber, seguem as duas mais populares:

 

Existe a forma יהשוע (Yud-Hey-Shin-Vav-Ayin)?

 

Alguns grupos dentre os chamados "sacred-namers" (nomes sagrados) defendem que a forma correta seria uma variante da forma ישוע, porém contendo um Hey a mais, devido ao nome de YHWH. Normalmente, tal forma é transliterada como "Yahshua".

 

Observação: O problema aqui não é a transliteração "Yahshua", que será discutida mais adiante quando for abordada a questão da pronúncia, mas sim a adição artificial do Hey à forma ישוע. Vale ressaltar que nem todos os que aderem à pronúncia como "Yahshua" concordam com a adição do Hey.

 

Existe a forma יהוהשוע ou יהוישע (Yud-Hey-Vav-Hey-Shin-Vav-Ayin ou Yud-Hey-Vav-Hey-Shin-Ayin)?

 

Ainda mais bizarra, essa forma parte de uma interpretação completamente literal da premissa de que "o Nome do Mashiach deve conter o Nome de YHWH". Como vimos anteriormente, não há nada na Bíblia que diga tal coisa. O fato de a Bíblia dizer que YHWH é o Nome que traz salvação e, ao mesmo tempo, apontar para o Nome do Mashiach como sendo o Nome que traz salvação não implica em uma bizarrice linguística, mas sim na premissa de que o Mashiach seria o próprio YHWH encarnado.

 

Todas as formas supracitadas têm três pontos em comum:

 

1) Radicalismo teológico (típico de seitas);

2) Premissas infundadas baseadas em textos tirados do contexto;

3) Nenhuma evidência histórica que lhes dê base.

 

V - A Pronúncia

 

Tendo visto as possíveis grafias do Nome do Mashiach, resta agora entender qual a pronúncia de cada forma.

 

As Principais Fontes

 

As duas principais fontes existentes para a pronúncia das principais formas escritas: o Texto Massorético e a Peshitta Aramaica. O Texto Massorético foi vocalizado por volta do século IX, enquanto a Peshitta Aramaica foi vocalizada por conta do século IV.

 

Por um lado, o Texto Massorético leva vantagem por ser uma vocalização do hebraico, ao passo que a Peshitta é uma vocalização do aramaico. Isto significa que algumas vocalizações da Peshitta podem ter sofrido influência da pronúncia aramaica, muito embora o aramaico e o hebraico sejam línguas muito próximas.

 

Por outro lado, a Peshitta Aramaica é a vocalização mais antiga de que se tem notícia, e não sofreu influência da tentativa rabínica de evitar a pronúncia acidental do Nome de YHWH.

 

A Forma "Yeshua"

 

Nas 29 ocorrências da grafia ישוע no texto massorético, encontramos a vocalização "Yeshua" no texto massorético. A Peshitta Aramaica também concorda com essa vocalização, em todas as instâncias do Nome.

 

A Forma "Ieshu/Ishu"

 

Alternativamente, em alguns dialetos do aramaico (possivelmente isso é verdade para o aramaico galileu da época de Yeshua), a pronúncia seria "Ieshu" ou "Ishu". Essa pronúncia, já fortemente aramaica, não é equivocada, nem ofensiva, porém dista do hebraico. Contudo, pode ser considerada uma pronúncia válida e historicamente correta.

 

A Forma "Yahshua" ou "Yashua"

 

Depende. Muito do material que se tem hoje nos movimentos de restauração das raízes israelitas vem dos EUA. Isso significa que, frequentemente, nos deparamos com uma transliteração para o inglês.

 

Lembramos que transliterar significa transpor os sons de uma língua para a grafia de outra língua. Assim sendo, pode haver mais de uma maneira de transliterar uma palavra, além do fato de que uma transliteração em uma língua pode apresentar grafia diferente de outra. Por exemplo, no espanhol, a palavra "baruch" poderia ser transliterada como "baruj", considerando-se que o "j" neste caso teria o mesmo som gutural representado pelo "ch" na transliteração para o português.

 

Ocorre que "Yahshua" ou "Yashua" é uma transliteração no inglês. Por característica, o inglês é uma língua cuja dicção baseia-se muito mais nas sílabas tônicas do que o português brasileiro, que é uma língua silábica, como a maioria das línguas latinas (curiosamente, o português de Portugal nesse aspecto é a língua que mais se assemelha ao inglês.)

 

Nesse caso, seria indiferente transliterar como Yashua, Yahshua e Yeshua. PORÉM... Existem grupos que fazem questão de pronunciar o "a" como no fonema /Ɔ/, que é o som da nekudá (pontuação de pronúncia) kamats no hebraico - um som intermediário entre o "o" e o "a", inexistente no português.

 

Tais grupos alegam que como o Nome de YHWH começa com "Yah", essa seria a pronúncia correta. Podemos apontar três problemas existentes nessa teoria:

 

1°) Não existe qualquer evidência histórica, quer do Texto Massorético, quer da Peshitta que suporte tal pronúncia.

2°) Possui base em textos fora do contexto.

3°) Total desconhecimento da dinâmica do hebraico, cujas vogais variam conforme a flexão das palavras.

 

Isso ocorre porque no hebraico, as vogais têm importância inferior, por isso mesmo não são escritas (aliás, isso é outro problema para grupos que insistem que uma vogal faz a diferença entre o céu e o inferno).  Tomemos como exemplo o plural de algumas palavras como "moed" (tempo apontado). O plural seria "moadim". Reparem na alteração da vogal. E o que dizer de palavras como "kadosh", "kedushá", "kodesh", "kodashim" etc.? Isso prova que essa teoria não tem fundamento algum.

 

Existem ainda grupos no Brasil que optam por essa transliteração. Entendemos que na maioria das vezes, podem fazê-lo por herança da pronúncia americana, contudo ressaltamos que como no português do Brasil não há redução de vogais não-tônicas, pelo menos, não da forma norte-americana, seria um erro transliterá-lo dessa forma, e levaria a uma pronúncia incorreta do nome do Mashiach.

 

Portanto, concluímos que no português brasileiro, a forma correta de transliterar o nome seria "Yeshua" (ou "Ieshua" ou qualquer outra variação dentro da mesma sonoridade)

 

A Forma "Yehoshua"

 

Já com relação à forma gráfica יהושע, a primeira pronúncia que possui testemunho histórico é a forma "Yehoshua".

 

Tal forma, como vimos, aparece no Texto Massorético por volta de 219 vezes. Alguns textos, por influência da Massorá, também trazem essa vocalização, como é o caso de Münster Ivrim/Hebreus. Sabemos, contudo, que a vocalização é bem posterior à Peshitta.

 

A grande polêmica acerca dessa forma está na diferença de vocalização entre o texto Massorético e a Peshitta em nomes que se iniciam com o chamado Trigrama, isto é, as três primeiras letras do nome de YHWH. Enquanto nos demais nomes, a diferença é muito pequena entre ambos, podendo ser facilmente explicada pela variação fonética entre as duas línguas (hebraico e aramaico), não é isso que acontece nos nomes iniciados pelo Trigrama. Nesses, a diferença é muito grande.

 

Enquanto o Texto Massorético vocaliza o Trigrama enquanto prefixo como "Yeho", a Peshitta Aramaica o vocaliza como "Yahu". Curiosamente, o Texto Massorético também vocaliza o Trigrama enquanto sufixo (exemplo: Yeshayahu) como "Yahu".

 

Portanto, torna-se extremamente provável supor que, ao passo que um sufixo não posava "perigo" por ser a parte final de uma palavra, é possível que o Trigrama enquanto prefixo tenha sido alterado, para evitar a pronúncia acidental do Nome de YHWH, tida como proibida pelos rabinos.

 

Assim sendo, torna-se pouco provável que a forma "Yehoshua" seja original, e possivelmente "Yeho" tenha a mesma origem da forma "Yehowah" - na verdade, vogais de nomes substitutivos - tese que a maioria dos acadêmicos, inclusive judeus, concorda.

 

Mesmo assim, existe a evidência histórica do Texto Massorético e, portanto, o argumento daqueles que defendem essa pronúncia não seria de todo um argumento vazio.

 

A Forma "Yoshua"

 

Na comunidade judaica, o nome "Yehoshua" é frequentemente abreviado como "Yoshua", assim como "Yehudit" é pronunciado "Yudit", entre outros. Tal pronúncia é apenas uma pronúncia popular, não devendo ser encarada com uma real "candidata" à forma correta de pronúncia do  nome  do Mashiach, embora algumas pessoas, por influência do Judaísmo, possam utilizá-la. Nesse caso, as mesmas questões referentes à forma "Yehoshua" se aplicariam a essa forma.

 

A Forma "Yahushua"

 

Essa seria a forma conforme a vocalização da Peshitta Aramaica, adotando também o mesmo critério usado para o Trigrama quando usado como sufixo no Texto Massorético. Essa forma, argumentativamente, é a mais próxima do original para a grafia יהושע.

 

A Forma "Yahoshua"

 

Novamente, a resposta é depende. Mais uma vez temos uma influência do inglês. Quando dizemos que a pronúncia adequada do Vav seria "u" (no caso de "Yahushua"), nos referimos na realidade ao fonema /Ʊ/, ou talvez à sua forma longa /Ʊ:/ (beirando o som da semivogal "w")

 

No inglês, seria possível que a letra "o" simbolizasse o fonema /Ʊ/ ou mesmo o fonema /Ʊ:/. Um exemplo disso é o verbo "do" (pronuncia-se /dƱ:/)

 

Muito provavelmente, grupos que advogam essa forma no Brasil deriva tal ensinamento do inglês. Contudo, talvez por faltar um maior entendimento de fonologia - o que, diga-se de passagem, não é crítica, pois ninguém em sã consciência espera que um ministro seja formado em Letras, não lhes ocorre que uma transliteração válida no inglês possa não fazer sentido no português. É o caso aqui. A transliteração "Yahoshua", no português, não teria nenhuma base histórica ou testemunho textual, e ficaria parecendo uma forma híbrida de "Yehoshua" com "Yahushua".

 

A Forma "Yaohushua"

 

Nem deveríamos perder nosso tempo com insanidades como essa, mas apenas para efeito de concluir nosso raciocínio, abordaremos essa aberração distorcida.

 

O argumento para tal forma, baseada na forma escrita יהושע, é o mais estranho possível: Supõe-se que a pronúncia do kamats (uma das nekudot) seria uma vogal longa entre o "a" e o "o". Até aí, tudo bem, sem problemas. Trata-se de uma referência à vogal /Ɔ:/, uma variação de som prolongado da vogal que abordamos acima.

 

Se o argumento parasse por aí, tirando as famosas baboseiras de "não pronunciou corretamente vai pro inferno", já seria complicado, pois não existe no texto massorético a vocalização, de modo a se concluir que é um kamats. E mais: um kamats pode ter som longo ou curto. Mas esse nem é o principal problema.

 

A maior aberração fica por conta da solução dada para viabilizar a pronúncia, já que o som não existe de maneira integral no português. Propõe-se, então, a troca pelo ditongo (!!!) /aƱ/, dando-se origem à transliteração /Ÿao/. É um verdadeiro assassinato fonético!

 

Mesmo que admitíssemos que as duas premissas deles são verdadeiras (que se trata de um kamats, e que o kamats é longo - e não há qualquer prova para nenhuma das duas), ainda assim, esse ditongo está muito longe da pronúncia proposta. Nesse caso, a pronúncia mais próxima seria do "a" mesmo. Ou seja, voltaríamos a "Yahushua" - ou, quem sabe, "Yaahushua".

 

Tal forma grotesca nem mereceria comentário aqui, se não tivesse se tornado popular na Internet.

 

VI - Dois Nomes?

 

O último ponto a ser abordado é a questão da razão por trás das duas formas. Por que temos ambas as formas nos manuscritos semitas do “Novo” Testamento?

 

Indubitavelmente, o nome dado por Gavri'el HaMalach (o anjo Gabriel) foi Yeshua, devido ao jogo de palavras com Yeshuá (salvação), conforme já demonstrado no artigo. Tal texto é confirmado por praticamente todas as fontes semitas.

 

Existem três possíveis explicações:

 

a) Explicação #1 - Intercambiáveis

Uma das explicações é que, como os nomes são intercambiáveis (haja vista Ezra usar Yeshua e Yahushua como sinônimos), é possível que cada escriba tenha utilizado a forma que mais lhe conviesse.

 

b) Explicação #2 - Hebraico e Aramaico

Uma possível explicação para tal situação seria a de que "Yeshua" seria um nome usado mais no contexto aramaico, e "Yahushua" um nome mais usado no contexto hebraico. Essa explicação tem sofrido inúmeras contestações atualmente, até porque mesmo os textos hebraicos trazem o termo "Yeshua". Ainda assim, é uma explicação plausível

 

c) Explicação #3 - Corrente e de Sinagoga

Contudo, Yeshua possivelmente era um nome corrente, do dia a dia. Ao passo que na sinagoga, ao ser chamado para o cerimonial (especialmente para a leitura dos manuscritos sagrados), seria utilizado o nome "mais tradicional", digamos assim.

 

O autor deste estudo não tem por objetivo tomar partido de nenhuma das três explicações, deixando ao encargo do leitor a decisão de qual delas é a mais adequada.

 

VII - Conclusão

 

Por meio desse estudo, vimos que existem duas grafias possíveis, ישוע e יהושע, ambas igualmente adequadas com base nas evidências históricas.

 

Vimos ainda que as pronúncias mais prováveis são "Yeshua" e "Yahushua", respectivamente.

 

Vimos também que existem outras pronúncias possíveis, tais como "Ieshu" e "Ishu" no aramaico, variantes de dialeto. Vimos ainda a forma massorética "Yehoshua" e sua derivação "Yoshua" - embora pouco provavelmente se refiram à forma original.

 

Vimos ainda que as formas "Yashua/Yahshua" e "Yahoshua" podem até fazer sentido no inglês como transliterações alternativas (porém com fonética equivalente) a "Yeshua" e "Yahushua", mas que, transpostas para o português brasileiro, deveriam sofrer adaptações na grafia para não levaram a uma pronúncia incorreta.

 

Vimos, por fim, que as demais formas popularizadas pela internet são absurdos históricos e linguísticos e, portanto, sem qualquer valor ou validade para nós.

 

Por Sha'ul Bentsion

 

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