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O PREÇO DA AMIZADE

  


Eduardo e Pedro eram amigos de infância. Era uma incrível amizade, que já durava muitos anos. Faziam muitas atividades juntos e curtiam as mesmas festas e eventos. Na época de faculdade, como os dois gostavam muito do contato com a natureza, decidiram passar as férias em um local montanhoso, onde havia uma linda floresta e uma vista encantadora.

 

Certa manhã, decidiram sair para explorar a floresta. Porém, no meio do caminho, começaram a escutar barulhos de galhos quebrando. Provavelmente não estavam sozinhos. Ficaram preocupados com a possibilidade de estarem próximos de algum animal selvagem, mas tentaram se acalmar, imaginando que provavelmente era apenas um bando de pássaros. Porém, o barulho foi se aproximando e os amigos foram ficando cada vez com mais medo. De repente, um enorme urso saiu do meio das árvores e começou a se aproximar, de forma ameaçadora. Os dois ficaram tão apavorados que não sabiam o que fazer.

 

Eduardo, que desde criança gostava muito de subir em árvores, conseguiu rapidamente escalar uma delas, se escondendo com segurança. Porém, Eduardo nem pensou no seu amigo, que não tinha a mínima ideia de como subir em uma árvore. Enquanto Eduardo estava tranquilamente sentado em um galho bem alto, Pedro tentava desesperadamente subir no primeiro galho, mas o nervosismo o fazia cair. O urso continuava vindo e a situação ficou desesperadora.

 

De repente, Pedro teve uma ideia salvadora. Ele lembrou-se de ter escutado, quando era pequeno, que os ursos não atacavam pessoas mortas. Sem outra opção para se salvar, ele se jogou no chão e prendeu a respiração. O urso se aproximou, desconfiado. Cheirou por alguns instantes Pedro, mas como achou que o rapaz estava morto, foi embora. Pedro, apesar do susto, estava salvo.

 

Somente depois de ver que o urso havia se afastado e que tudo estava tranquilo foi que Eduardo desceu da árvore. Curioso com a cena que havia visto, do urso cheirando o amigo, perguntou a ele:

 

- O que houve, Pedro? Parecia que o urso estava sussurrando algo em seu ouvido. O que foi que ele te disse?

 

Pedro, muito irritado com a falta de companheirismo do seu amigo, respondeu:

 

- O urso, na verdade, veio me dar um valioso conselho. Ele pediu para que eu me afastasse de maus amigos como você..."

 

Amigo de verdade não é aquele que está junto apenas nos momentos de alegria e diversão. Amigo é aquele que está junto também nos momentos de necessidade. É aquele que está lá, do seu lado, mesmo quando todas as outras pessoas já foram embora.

 


 

Nesta semana lemos a Parashá Tazria (literalmente "Concebe"), que começa a falar sobre o conceito de pureza e impureza nos seres humanos, em especial em uma mulher que acabou de dar à luz um bebê. Na sequência, a Parashá descreve uma doença espiritual, a Tzaráat, normalmente contraída pelas pessoas que falavam Lashon Hará, isto é, que denegriam a honra de outras pessoas através do mau uso da fala.

 

Apesar de ser uma doença espiritual, a Tzaráat tinha uma manifestação física: o aparecimento de manchas na pele. Um dos motivos desta manifestação é que, da mesma maneira que a pessoa quis manchar a honra de seu companheiro, denegrindo-o diante de outras pessoas, assim também ela ficava manchada diante de todos. Isto nos ensina o conceito de que as punições de Elohim são "Midá Kenegued Midá" (medida por medida), isto é, da forma como nós erramos, assim nós somos castigados. Isto é uma enorme bondade de Elohim, que quer nos ajudar a enxergarmos os nossos erros para consertá-los.

 

Além disso, o Metzorá (pessoa que contraiu Tzaráat) tinha que passar por um longo e difícil processo de purificação. Parte deste processo era ficar por algum tempo completamente isolado, fora do acampamento, como está escrito: "Durante os dias em que a Tzaráat o afligir, ele permanecerá impuro. Ele está impuro e deve ficar isolado. Ele deve morar fora do acampamento" (Vaikrá/Levítico 13:46). Mas por que justamente este tipo de castigo era aplicado ao Metzorá?

 

O Talmud (Erchin 16b) diz que esta parte do processo de purificação também era um castigo "Midá Kenegued Midá". Quando falamos mal de alguém, nossa intenção é que as pessoas que escutam se afastem daquele sobre quem estamos falando. Portanto, da mesma maneira que o Metzorá havia causado a separação entre as pessoas ao falar mal delas, ele também deveria ficar, por algum tempo, completamente separado das pessoas, sentindo na pele a solidão que ele quis causar aos outros.

 

Percebemos deste castigo infligido pela Torá que, da mesma forma que ter manchas na pele é algo que incomoda muito e nos faz parar para refletir, estar sozinho também é algo bastante perturbador, quase desesperador. Somos seres sociais, precisamos de outras pessoas à nossa volta, para interagir, conversar e desabafar sobre nossos problemas e dificuldades.

 

Algumas pessoas têm uma necessidade maior, enquanto outras têm uma necessidade menor, porém todos precisam de companhia. É por isto que o castigo de estar isolado, principalmente em um momento de grande dificuldade, no qual o Metzorá precisava muito de um "ombro amigo", causava muito sofrimento. Isto ajudava o Metzorá em seu processo de introspecção e conserto de seus maus atos.

 

Isto significa que ter amigos é algo muito importante para o ser humano, conforme afirmam os nossos sábios: "Qual é o caminho reto no qual uma pessoa deve se apegar?... Rabi Yehoshua diz: Um bom amigo". (Pirkei Avót 2:9). Porém, em relação à amizade, há outro ensinamento interessante: "Adquira para você um amigo" (Pirkei Avót 1:6). Por que a linguagem "adquira"? Será que precisamos pagar para ter bons amigos?

 

Para compreender este ensinamento, antes precisamos entender o que é um "amigo" de acordo com a Torá.

 

Normalmente estamos cercados de pessoas e, atualmente, a moda é termos "amigos" e "seguidores" no Facebook e Instagram, além de participar de dezenas de grupos no Whatsapp. Mas será que estes são os amigos aos quais a Torá se refere? Certamente que não. Amigo é aquele que está junto em todos os momentos, nas alegrias e nas dificuldades. Amigo é aquele que está junto para o que der e vier, não importa se está tarde ou se ele está cansado. Porém, acima de tudo, amigo é aquele que se importa tanto com você que te dá uma bronca quando te vê fazendo algo errado, pelo seu bem. Portanto, ter um amigo de verdade é tão difícil e, ao mesmo tempo, tão importante, que valeria a pena até mesmo pagar por isto se fosse necessário.

 

A maioria das pessoas que temos à nossa volta não são realmente amigos, como ensinam nossos sábios: "Estes fingem ser amigo de alguém somente para seu próprio benefício. Eles agem amigavelmente quando isso lhes convém, mas não apoiam a pessoa em uma hora de necessidade". (Pirkei Avót 2:3). Estas palavras do Pirkei Avót foram ensinadas em relação ao comportamento dos governantes, mas certamente se aplicam a todos os "maus amigos", isto é, aqueles que são apenas aproveitadores, que não se importam de verdade com você e, portanto, devem ser evitados, como está escrito: "Qual é o caminho do mal do qual um homem deve manter distância? Rabi Eliezer disse: Um mau amigo" (PirkeiAvót 2:9).

 

O R' Zelig Pliskin traz outra resposta para esta linguagem do Pirkei Avót, de "adquirir um amigo". Ter pessoas ao nosso redor é certamente a fonte de muitos benefícios. Portanto, precisamos estar cercados de amigos e pessoas que se importam conosco. Porém, também há um preço a ser pago por isto. Muitas vezes nossos amigos acabam fazendo coisas que nos incomodam. Nem sempre as pessoas são agradáveis, principalmente quando elas nos criticam.

 

A Torá está nos ensinando que vale a pena pagar este "preço". Quando internalizamos que a alternativa a este tipo de incômodo é o isolamento e a solidão, percebemos que os inconvenientes que podem surgir nos relacionamentos com os amigos de verdade é um preço que vale a pena pagar.

 

Há um exemplo prático de como fazer esta "conta". Quando adquirimos um produto, apesar de termos um benefício, nós também temos uma perda, pois pagamos por ele. Porém, nós sempre focamos no que estamos ganhando, não no quanto gastamos. Da mesma maneira, em relação aos nossos amigos de verdade, devemos manter o foco no quanto ganhamos ao estarmos perto de pessoas que se importam conosco. Assim, deixaremos de focar nos pontos que nos incomodam.

 

Finalmente, precisamos nos lembrar da importância de não apenas termos bons amigos, mas também de sermos bons amigos. Devemos nos preocupar verdadeiramente com os outros, buscando sempre o bem deles e ajudando, com elogios e, quando necessário, com críticas, para que todos possam cumprir seus objetivos espirituais.

 

R' Efraim Birbojm

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