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CONEXÃO SAGRADA

 


 

Elohim falou a Moisés dizendo:

 

Falou mais YHWH a Moisés, dizendo: Fala a toda a congregação dos filhos de Israel, e dize-lhes: Santos sereis, porque eu, YHWH vosso Elohim, sou santo.

Levítico 19:1,2

 

Um mandamento muito inspirador. Mas o que significa ser santo, afinal?

 

Pouco antes desse mandamento, a Torá nos dá uma lista de relações sexuais proibidas. A Torá declara que para se conectar com Elohim, a observância desses mandamentos não é suficiente, por mais rigorosa que seja. Você tem que tentar alcançar a santidade.

 

Uma lição a ser aprendida com esse mandamento para ser santo é que podemos ser plenamente observadores sem necessariamente ser muito diferentes do resto do mundo em termos de perseguir o materialismo ou levar uma vida devotada ao consumo. Podemos abrir restaurantes que não estejam de acordo com os padrões do cordão azul e ainda assim sejam estritamente kosher. Podemos vestir nossas esposas e filhas com a última moda sem violar a letra das leis da modéstia. Podemos aspirar a viver em mansões e dirigir carros de luxo e passar nossas férias em lugares românticos distantes sem violar nenhuma das restrições da Torá de nenhum grau. Em suma, a observância não exclui a possibilidade de levar uma vida materialista.

 

Porém, há de se fazer uma importante observação. Enquanto uma pessoa não praticante dos mandamentos, que se envolve em tal estilo de vida não tem ilusões de que está levando uma vida espiritual, uma outra pessoa, estritamente praticante dos mandamentos, que se envolve no mesmo estilo de vida com pequenas variações pode facilmente concluir que ele está imerso na espiritualidade, mesmo quando se afoga no materialismo.

 

É para evitar essa atitude que a Torá nos exorta à santidade.

 

Santidade x Materialismo

 

Sendo direto, a santidade é uma separação da paixão pelo materialismo. Um afastamento deste mundo físico e material, se voltando para Elohim. Seu foco deixa de estar no cumprimento técnico do mandamento e passa por se conectar com Elohim, para compreender seus desígnios. Quem adota esse padrão não cai no erro de confundir a mera observância com a santidade.

 

Assim, de acordo com essa opinião de Nachmanides, que também é a opinião de Rashi em sua explicação deste versículo, a ordem à santidade está principalmente ligada ao final da Parashat Acharei Mot (onde as formas proibidas de relação sexual são listadas), bem como ao final da Parshat Kedoshim (que também enumera as relações físicas proibidas).

 

Maimônides nos "Oito Capítulos", seu trabalho introdutório a Avot ("Ética dos Pais"), parece manter uma opinião diferente, que também serve para destacar o conceito da Torá de santidade humana. No capítulo 6 desta obra, Maimônides estuda uma aparente contradição entre as autoridades da Torá quanto à definição dos atributos do ser humano superior.

 

Ele nos apresenta dois indivíduos. Um é naturalmente atraído para a realização de boas ações e as realiza com entusiasmo genuíno e verdadeiro prazer da autoexpressão, enquanto o outro só é capaz de realizar suas boas ações após uma difícil luta interior com uma natureza inerentemente má. Para essa pessoa, a realização de boas ações é acompanhada pela angústia da abnegação e do conflito. Ambos os indivíduos levam uma vida de virtude e de boas obras. Qual deles é superior?

 

Dois pontos de vista da Inclinação do Mal

 

Maimônides apresenta a opinião dos filósofos de que o desejo do mal é um defeito espiritual; portanto, o indivíduo justo que realiza suas boas ações apenas como resultado da vitória sobre seu impulso maligno não pode ser comparado à pessoa que não tem nenhum traço de mal em sua constituição. Maimônides encontra apoio para essa visão no livro de Provérbios, onde o rei Salomão escreve: A alma má deseja o mal[...] a execução da justiça é uma alegria para os justos (21:10,15).

 

Por outro lado, Maimônides encontra apoio na tradição oral para a visão contrária. "Quem é maior do que seu amigo tem uma maior inclinação para o mal" (Sucah 52a); "a recompensa é sempre proporcional ao esforço" (Avot 5:23).

 

Maimônides, então, propõe que não há contradição. O homem tem dois tipos de impulsos negativos. Ele tem um impulso para o prazer físico e o materialismo por si só, e ele tem um lado venal, um impulso para a selvageria - ele pode prejudicar os outros através de assassinato, roubo, calúnia etc. quando isso significa um lucro pessoal. E quando se trata do impulso para o materialismo, quanto maior a luta interior, melhor.

 

De acordo com Maimônides, seguir a ordem de santidade exige uma batalha em duas frentes diferentes:

 

Em termos de sua atração por prazeres físicos, a pessoa justa é intimada a lutar contra formas proibidas de comportamento, em vez de simplesmente se separar do desejo por tal comportamento. E em termos de sua busca pela santidade, a pessoa justa deve abraçar o desenraizamento do próprio desejo de cometer todos os atos venais.

 

Uma tentativa de traçar o raciocínio para essa visão leva ao seguinte:

 

Onde a atividade proibida é inerentemente estimulante do prazer, o desejo por ela não interfere em nossa capacidade de nos conectarmos com Elohim. Tais desejos se originam no corpo e não na alma, e o corpo foi moldado por Elohim para encontrar prazer em várias formas de estimulação. Destruir a capacidade do corpo de encontrar estímulo em sensações inerentemente prazerosas é destruir a obra de Elohim na tentativa de tornar o cumprimento de Seus mandamentos mais fácil de executar, e não há mérito em tal destruição.

 

O desejo de cometer atos proibidos onde não há prazer físico no ato em si, como no caso de assassinato ou roubo ou calúnia, obviamente se origina na inteligência, ou na alma. O corpo só é atraído por atos que são inerentemente prazerosos. Nem mesmo trama em antecipação de prazeres futuros, mas apenas satisfaz desejos presentes. Todos os assuntos que envolvem planejamento necessariamente se originam na inteligência ou na alma. A moralidade é uma função da alma. O corpo é amoral.

 

Polos Opostos

 

Nossas noções de santidade e de abordagem da Torá estão próximas de serem diametralmente opostas. Normalmente percebemos a santidade como sendo semelhante ao ascetismo ou de imersão em uma vida de contemplação e abnegação física, enquanto a Torá não encontra contradição entre a atração pela fisicalidade e a santidade. É apenas a indulgência excessiva que inflige danos espirituais.

 

No livro de Números, somos apresentados ao nazir - uma pessoa que opta por se abster de certos prazeres corporais (como o vinho, por exemplo). Em certas circunstâncias, o nazir tem que trazer uma oferta pelo pecado ao Templo. O Talmud pergunta:

 

Com que pessoa esse nazireu pecou? [Ele pecou contra si mesmo.] Ele negou a si mesmo o prazer do vinho. A partir disso podemos extrapolar; se o nazir, que se negava apenas ao prazer de beber vinho, é considerado um pecador, quanto mais isso é verdade sobre uma pessoa que nega a si mesma o prazer em geral e se envolve em uma vida de ascetismo? (Talmud, Nazir 19a)

 

Na área da fisicalidade, a santidade consiste em usar de sua vitalidade para seguir os mandamentos de Elohim. Quanto mais vitalidade é colocada sob restrição, maior a santificação do nome de Elohim. Mas uma redução da própria vitalidade é um pecado, pois necessariamente reduz a possibilidade de santificar o nome de Elohim.

 

Santidade e os Relacionamentos

 

Há um outro aspecto da santidade, conforme entendido pela Torá, com o qual a mentalidade moderna encontra grande dificuldade, que é em se relacionar, pois a santidade não pode ser alcançada isoladamente. A santidade é uma função pública. O versículo nos ordena a sermos santos “porque eu, YHWH vosso Elohim, sou santo”.

 

Todos os comentaristas perguntam: "Como Elohim pode apresentar Sua própria santidade como razão para a santidade humana?" Por definição, a santidade divina é inatingível para os seres humanos. Não se pode ser santo "exatamente" como Elohim. Os comentaristas explicam que Elohim está se referindo à possibilidade de conexão.

 

Porque tanto Elohim quanto Israel desejam um relacionamento próximo. Ele não pode se conectar ao povo judeu quando eles estão em um estado profano. O mandamento é dirigido à Assembleia de Israel e não aos Filhos de Israel como é costume.

 

Nachmanides explica que esta parte foi lida ao público durante o Hakhel, a reunião de sete anos de toda a nação judaica, quando o monarca reinante repassava os mandamentos mais importantes com a população.

 

Quando as consequências da não observância são mencionadas no final da Parashat Kedoshim, elas claramente têm um aspecto público.

 

Guardai, pois, todos os meus estatutos, e todos os meus juízos, e cumpri-os, para que não vos vomite a terra, para a qual eu vos levo para habitar nela. E não andeis nos costumes das nações que eu expulso de diante de vós, porque fizeram todas estas coisas; portanto fui enfadado deles. E a vós vos tenho dito: Em herança possuireis a sua terra, e eu a darei a vós, para a possuirdes, terra que mana leite e mel. Eu sou YHWH vosso Elohim, que vos separei dos povos.

Levítico 20:22-24

 

Esse é o maior problema para a mentalidade moderna, comprometida com a tolerância e a concessão das liberdades civis a todo custo. Para a sociedade atual, a santidade é apenas um assunto privado. No que diz respeito ao domínio público, a promoção e busca de valores morais é no mínimo desagradável, se não totalmente ilegal. A maneira como outra pessoa se veste, a maneira como fala, a maneira como cria sua família, seus valores morais e sua filosofia de vida não são absolutamente da conta da sociedade. As práticas de uma pessoa na privacidade de seu próprio quarto não são um assunto de interesse adequado para a sociedade.

 

No entanto, de acordo com o ensinamento da Torá, esse ponto de vista está incorreto. A busca de meu vizinho por essas atividades "privadas" resultará na terra expelindo toda a nação judaica. Assim, todos sofrerão as consequências dos erros morais do meu próximo. Nestas circunstâncias, ninguém pode dizer que eles não são da minha conta.

 

Mas isso não é um preço muito alto a pagar? Um interesse público na moralidade não reverteria necessariamente todo o progresso em direção às liberdades civis que fizemos como sociedade desde os tempos medievais?

 

A resposta a esta pergunta depende de como enxergamos a sociedade. A razão pela qual relegamos a moralidade à esfera privada é porque, em nossa percepção, não podemos causar danos uns aos outros fazendo escolhas morais privadas em relação ao comportamento sexual e coisas semelhantes. Enquanto esta continuar a ser a nossa percepção do mundo, é improvável que a nossa visão das liberdades civis se altere.

 

Mas a lição que a Torá está tentando ensinar é que a nossa segurança física depende muito de nossas escolhas morais. A segurança de Israel depende da força de sua conexão com Elohim, e isso, por sua vez, depende do estado de santidade do povo. Mas, de acordo com a Torá, essa santidade depende tanto do que consideramos comportamento privado quanto daquelas leis direcionadas à redução da falsidade que todos entendemos estar sob domínio público.

 

Conclusão


O preço de manter uma sociedade santa versus uma sociedade secular deve ser pago em alguma redução das liberdades civis. Assim como a sociedade secular reconhece a perturbação da paz como uma ofensa social, uma sociedade santa reconhece uma ofensa social como uma perturbação da santidade.

 

A Torá visa mais. A Torá visa uma sociedade santa, onde a própria atmosfera torna impensáveis ​​certas formas de comportamento em relação ao próximo. Maimônides aponta para dois tipos de santidade. Mas no final eles devem se unir. A santidade da alma, a liberdade da própria tendência aos desejos venais e consistente com o desejo pelo prazer físico, porém não consistente com a indulgência excessiva.

 

Israel só poderá ser uma "luz para as nações" quando conectado a Elohim - o povo judeu precisa ser santo.

 

Rabino Noson Weisz

Texto revisado e adaptado por Francisco Adriano Germano

 

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