Ao longo da história da igreja, muitos
teólogos foram defensores da teologia que afirma que Paulo era contrário à Torá
(Lei). Até mesmo judeus afirmam que
Paulo não viveu como um judeu porque os desmotivou a viverem como tais. Nesse artigo tentaremos provar de forma
resumida a inverdade contida neste conceito.
A primeira coisa necessária para
entender a relação entre Paulo e a Lei, é entender o verdadeiro sentido desta
palavra nos originais grego e hebraico.
O termo "Lei"
usado em nossas bíblias é um termo limitado e inadequado, pois não expressa com
exatidão o seu sentido original. A palavra hebraica usada no chamado "Antigo
Testamento" (Tanach) é a palavra "Torá", que
pode ser traduzida como "instrução". Sem dúvida, é importante observar que só
nesta adequada definição do termo "Torá" já teremos um grande
avanço, por removermos a ideia de "legal" (termo jurídico) associada
à expressão "Lei".
Na verdade, a tradução de Torá
para Lei nas bíblias modernas está sob influência da Vulgata Latina que traduz
tendenciosamente a expressão por "Lex", trazendo a ideia de
que a Torá só tem aplicação legal, o que uma inverdade.
A Torá é uma instrução
divina dada prioritariamente à Casa de Israel com o objetivo de preservar o
povo, como um povo separado dentre todos os povos do mundo. Uma cultura divinamente revelada com
princípios morais, espirituais, sanitários, administrativos, alimentares e
legais. A Torá possui leis, mas ela não
é somente "leis" como alguns pensam, é um engano achar que ela
é apenas legal. Mas a Torá, sem dúvida, é mais bem traduzida com "instrução"
ou "ensino".
A segunda coisa que devemos
entender seria a opinião de Yeshua (Jesus) sobre a Torá. Paulo como apóstolo do Messias Yeshua, jamais
iria contrariar a opinião de seu mestre sobre o assunto. Sendo assim disse Yeshua:
Não penseis que
vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir (Mt
5.17 - ARA).
Para uma compreensão sincera
deste texto deve-se observar novamente as palavras chaves, neste caso "revogar"
e "cumprir". A palavra
grega usada nesta passagem que foi traduzida por "revogar" é o
verbo grego katalisai [katalusai] que pode ser traduzido como: anular,
abolir, destruir, desfazer, revogar etc.
A edição bíblica de Almeida
Revista e Corrigida traduz primeiramente a palavra como "destruir"
que é mais clara. Baseados neste
princípio deve-se entender primeiro que: YESHUA DISSE CLARAMENTE, QUE ELE
NÃO VEIO PARA DESTRUIR, ABOLIR, ANULAR OU DERRUBAR A TORÁ (LEI).
Este é um princípio básico, mas
Yeshua veio fazer mais, ele veio também para "cumprir". Só que
este verbo grego que no original é plerosai [plerwsai] que é melhor
traduzido como: completar, acrescentar, aperfeiçoar, “plenificar”
etc. Yeshua em nenhum momento foi
contra a Torá, muito pelo contrário ele veio apresentar o sentido pleno da
torá, veio completar seu significado, ele veio "plenificar"
seu objetivo. Como diz o Talmud
(a tradição oral dos judeus):
"Não vim para
tirar a Torá de Moisés, mas pelo contrário, vim para acrescentar" (Tratado
Shabat 116b).
Lição I - A Torá (Instrução - "lei")
foi Abolida?
Porque ele é a
nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derrubado a parede de separação que
estava no meio, a inimizade, ABOLIU, na sua carne, A LEI DOS MANDAMENTOS EM
FORMA DE ORDENANÇAS, para que dos dois criasse em si mesmo, um novo homem,
fazendo a paz. (Ef 2.14-15).
Esta parece ser uma contradição
entre as palavras de Yeshua (Jesus) e as palavras do apóstolo. Yeshua disse que não veio para "abolir"
a Torá e o apóstolo dos gentios (Paulo) disse que Yeshua aboliu na sua carne a "Torá
dos Mandamentos na Forma de Ordenanças". Na verdade, são os detalhes do texto que
provam que não!
Muitos teólogos se baseiam neste
texto para afirmarem que Yeshua aboliu a Lei.
Mas, cometem um erro básico de interpretação. Paulo é explícito ao
afirmar o que YESHUA aboliu: a "LEI DOS MANDAMENTOS EM FORMA DE
ORDENANÇAS" isto é apenas um elemento com várias expressões. Na verdade, deve-se entender a palavra "ordenanças"
no original para uma compreensão precisa.
"Ordenanças" no
grego é a palavra "dogmas". Esta expressão pode ser traduzida
como interpretação, dogma, doutrina de homens etc. Ela aparece no “Novo Testamento”
sempre associado com "ordenanças de homens" e nunca com
ordenanças dadas pelo ETERNO. A palavra
grega para ordenanças no “Novo Testamento” é dikaioma [dikaiwma] e não
dogma. Esta é a diferença básica.
Concluímos, com isto, que Yeshua
aboliu "AS ORDENANÇAS DO HOMEM OU AS INTERPRETAÇÕES DOS HOMENS SOBRE
A TORÁ, QUE É FORMADA POR MANDAMENTOS".
Se observarmos o início do trecho
citado e analisarmos a história perceberemos que isto faz sentido. O texto diz que Yeshua derrubou a parede de
separação que estava entre judeus e gentios, fazendo a paz. Esta parede era literal! No Templo de Jerusalém
existiam compartimentos para os visitantes do templo. Estes compartimentos eram separados por
paredes ou muros. Existia o pátio dos sacerdotes, dos homens judeus, dos
gentios e das mulheres. Sendo assim os
judeus estavam mais próximos do templo e os gentios separados destes, pois estavam
mais distantes. Mas, pergunta-se: Onde está na Torá ou nos Profetas uma
ordenança que diz que os gentios que temiam ao ETERNO deveriam ficar longe dos
judeus ou separados por um muro deles? Em lugar nenhum!
Na verdade, esta era uma "INTERPRETAÇÃO
ou UMA ORDENANÇA DE HOMENS", um dogma que afastava os não-judeus
da Torá e da presença de Elohim. Foi
exatamente esta distinção que Yeshua veio abolir. Para que judeus e gentios
fizessem apenas UM POVO nele, mas tendo Yeshua como o centro de
todas as coisas. Isto é o que Rav Shaul
(apóstolo Paulo) chama de "Mistério". Sem dúvida algo
maravilhoso para refletirmos.
Lição II - As Festas Bíblicas
Acabaram?
Guardais dias,
meses e tempos, e anos. Receio de vós
tenha eu trabalho em vão para convosco.
(Gl 4.10,11).
Se lermos este versículo isolado
e não observarmos o contexto que está envolvido neste texto teremos problemas
teológicos sérios. Uma pessoa ávida por refutar a Torá (lei) pode tomar este
versículo facilmente como um suposto argumento contra as Festividades da Bíblia,
o que é um equívoco e um desrespeito ao contexto do trecho.
Aproveitando a oportunidade
gostaria de fazer uma observação saudável à Versão de Almeida Revista e
Corrigida, que intitula o trecho supracitado como: "O valor transitório
dos ritos judaicos". Este
título é tendencioso e carregado de interpretações pessoais. Na verdade, ele
está baseado na interpretação do versículo acima, que afirma serem as palavras
de Paulo, exortações direcionadas a judeus ou judaizantes que insistiam em
guardar dias sagrados como: o Shabat (Sábado), Páscoa, Pentecostes, Dia do
Perdão, Tabernáculos etc.
Se lermos com cuidado
simplesmente os dois versículos que antecedem o trecho, perceberemos que não é
bem isso o que Paulo estava dizendo. Na verdade, o versículo nem se quer foi
direcionado aos judeus, mas aos gentios.
Observe:
Outrora, porém,
não conhecendo a Elohim, servíeis a deuses que, por natureza não o são; mas,
agora que conheceis a Elohim ou, antes, sendo conhecidos por Elohim, como
estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo,
quereis ainda escravizar-vos? (v.8 e 9).
Primeiro detalhe: No versículo 8 diz: "...outrora
servíeis a deuses...". Sabemos
que desde o retorno dos judeus da Babilônia, Israel estava curado da idolatria,
o pavor dos judeus em relação a este pecado é tão intenso até em nossos dias,
que muitos deles não recebem Yeshua simplesmente com medo de caírem em
idolatria. Sem dúvida, o texto se refere a gentios (não-judeus) de Galácia (a
quem é endereçada a epístola), que haviam se convertido ao Elohim de Israel e a
seu Messias (Yeshua/Jesus) e que agora estariam voltando ao culto pagão em
memória dessas falsas divindades.
Paulo é ainda mais categórico ao
afirmar: “... estais voltando outra vez aos RUDIMENTOS..."
(ARA). Mais uma vez precisa-se da ajuda
dos originais, assim compreenderemos a expressão "rudimentos"
com maior precisão. O que significa esta expressão?
A palavra grega usada é o
substantivo pluralizado "stoikeion" [stoiceion] que segundo o
Dicionário do Novo Testamento Grego do professor W.C. Taylor é:
"as causas
materiais do universo pyr (fogo), ydôr (água), aêr (ar) e gê (terra)... os
corpos celestes, sinais do zodíaco, etc, rudimento, princípio elementar, ou
astro ou talvez (?) espírito, demônio".
Estes princípios de elementos da
natureza, signos, elementares, espíritos cósmicos, sempre foram princípios da
antiga mitologia greco-latina e babilônica. Sem dúvida, estes crentes estavam
sendo escravizados por estes elementos, por isto Paulo encerra dizendo: "Guardais
dias, e meses, e tempos, e anos" (v. 11).
Na verdade, estes dias que
estavam sendo guardados pelos Gálatas não tinham nada a ver com as Festas da
Torá. Eram festas pagãs em honra aos "stoikeion"
[stoiceion]. Seria como se uma pessoa
advinda na bruxaria, da umbanda ou de uma religião esotérica, depois de
convertida ao Senhor Yeshua (Jesus), ainda fosse atraída para as festividades
pagãs outrora celebradas em honra às respectivas divindades. Sem dúvida, isto
seria um “trabalho vão” conforme as palavras do apóstolo do Messias.
Concluímos que, em nenhum momento,
Paulo está fazendo referência a afirmativa de que "Os Ritos Judaicos
são Transitórios" conforme a "ARA" (Almeida Revista e
Atualizada). Mas, sim exortando os
crentes recém-convertidos do paganismo, para que não voltem às suas
festividades demoníacas e cheias de misticismo pagão.
De sorte não és
escravos, porém filho; e, sendo filho também herdeiro por Elohim (Gálatas.
4.7).
Lição III - A Antiga Aliança foi removida?
Mas os sentidos
deles se embotaram. Pois até o dia de hoje, quando [os judeus] fazem a leitura
da Antiga Aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, no
Messias (em Cristo), é removido. (II
Coríntios 3.14).
Outro problema de interpretação
tendenciosa. Recentemente ouvi um
pregador conhecido fazendo uma aplicação deste texto, como se a Antiga Aliança
tivesse sido abolida por Yeshua, afirmando ainda que em “Cristo a Antiga
Aliança é removida”.
Não há nada pior do que sermos
desonestos com o que está claro no texto.
Não podemos ir a um texto das Escrituras com uma teologia formada, mas
devemos formar a nossa teologia das Escrituras. Do contrário não seremos
sinceros com as pessoas e nem com Elohim.
Novamente um problema de
contexto, pois no versículo 13 Paulo diz:
Não somos como
Moisés, que punha VÉU sobre a face, para que os filhos de Israel não
atentassem na terminação do que desvanecia.
Observe que Paulo neste versículo
faz um comentário sobre o véu que Moisés teve que pôr sobre seu rosto a fim de
que ninguém olhasse para ele, pois sua face estava resplandecendo, quando da
sua descida do Monte Sinai (com as segundas Tábuas da Torá). Mas, no versículo 14 ele explica o motivo
deste comentário. Neste caso ele explica
que até hoje quando os judeus fazem a leitura da Antiga Aliança - aqui Paulo
está fazendo referência ao costume judaico de ler porções do Tanach ("Antigo
Testamento") nos Shabatot (sábados) - claramente ele
continua: "... o mesmo véu
permanece...". Na verdade,
Paulo está querendo dizer que os judeus estão com seus sentidos "espirituais"
inativos, estão cegos, não percebendo que Yeshua é o Messias, pois se eles
tivessem fé Nele, este "VÉU" e não a "Antiga
Aliança" seria removido.
Paulo ainda complementa: "Mas
até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando, porém, algum deles se converte ao
Senhor, o véu lhe é retirado" (v.15 e 16). Está claríssimo que a
referência de Paulo no texto não está sendo aplicada a uma suposta remoção da
Antiga Aliança, mas a remoção da cegueira espiritual dos judeus quanto a
revelação de Yeshua na mesma "Leitura da Antiga Aliança". O
apóstolo demonstrou isto claramente em Atos 13.14 e seguintes, em uma sinagoga
em Antioquia, exatamente na leitura da Torá e dos Profetas.
Lição IV - As Leis Alimentares foram abolidas?
Ora, o Espírito
afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por
obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos
que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o
casamento e EXIGEM ABSTINÊNCIA DE ALIMENTOS QUE ELOHIM CRIOU para serem
recebidos, com ações de graças, pelos fiéis..." (I Tm 4.1-3).
Este texto é mais um que não pode
ser aplicado aos judeus, pois sem dúvida perceberemos que Paulo agora está
fazendo referência ao Gnosticismo.
O Gnosticismo é uma filosofia
esotérica, uma religião de mistérios, que concorreu intensamente com o
cristianismo no primeiro e no secundo século de nossa era. Eles ensinavam, em síntese, que existiam dois
mundos paralelos e ambíguos. Este mundo
físico e histórico habitado pelos homens (este pensamento é influência do
platonismo) e o espiritual e metafísico habitado por deus e por anjos ou
demiurgos (pequenos deuses).
Baseados neste conceito
elementar, eles entendiam que quanto mais eles se desligassem da vida terrena,
mais próximo de deus e do mundo espiritual eles estariam. Assim eles seriam
mais "pneymáticos" (espirituais) e menos "sarkikos"
(carnais).
Eles praticavam o que nós
chamamos de ascetismo. Abstém-se de
alimentos, de casamento, do sexo, de algumas bebidas, de festas, de alegrias terrenas
etc. Aparentemente isto parece bom, mas
não é! A bíblia nunca foi um livro de “ascetismos”,
segundo o pensamento judaico, a abstenção de um prazer lícito pode ser tão
pecado, quanto algo ilícito.
Infelizmente estes gnósticos
estavam sendo levados por espíritos imundos a ensinarem a abstinência de "Alimentos
que Elohim criou...". Algumas pessoas podem dizer: "Viu? Paulo
disse que a abstinência de alimentos e diabólica!". Sem dúvida, a abstinência de "ALIMENTOS
QUE ELOHIM CRIOU" é um erro. Mas, pergunto: O que é alimento
segundo a Bíblia?
Alimento segundo a bíblia é o
descrito em Levítico 11. Porco não é
alimento, Urubu não é alimento, Cobra não é alimento etc. O problema dos
Gnósticos é que eles estavam exigindo a abstinência de alimentos bíblicos, pois
Elohim os criou para nossa alimentação.
Não somente isto, ainda escravos de seus princípios ascéticos, ensinavam
a abstinência do casamento, como se o sexo e a vida a dois fossem um problema
espiritual. Um exemplo da influência do
gnosticismo no cristianismo católico romano é o celibato dos sacerdotes, como
se o sexo fosse um problema.
Os princípios aqui estabelecidos
e ensinados pelo apóstolo Paulo podem ser vividos pelos crentes em Yeshua. E aqueles
que optarem em guardar estes princípios, sem dúvida serão abençoados, pois a
palavra de Elohim nunca volta vazia:
Portanto, lembrai-vos de que
vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos
que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens; Que naquele tempo
estáveis sem Mashiach (Cristo), separados da comunidade de Israel, e
estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Elohim no mundo.
Mas agora no Mashiach Yeshua, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue do
Mashiach chegastes perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os
povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na
sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em
ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e
pela cruz reconciliar ambos com Elohim em um corpo, matando com
ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e
aos que estavam perto; Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
Espírito. Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas
concidadãos dos santos, e da família de Elohim; edificados sobre o fundamento
dos apóstolos e dos profetas, de que Yeshua HaMashiach é a principal pedra da
esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo
santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Elohim
em Espírito.
Efésios 2:11-22
Igor Miguel
Revisado e adaptado por
Francisco Adriano Germano
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