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O VERDADEIRO DONO



Certa vez o Rav Moshé Schreiber zt"l (Alemanha, 1762 - Eslováquia, 1839), mais conhecido como Chatam Sofer, emprestou a um vizinho uma grande quantidade de dinheiro, para que ele investisse em seus negócios. O homem investiu o dinheiro sabiamente e, em pouco tempo, foi capaz de devolver o empréstimo adquirido. Para mostrar sua profunda apreciação pelo enorme favor que o Chatam Sofer havia feito, o vizinho presenteou-o com um lindo diamante.

 

O Chatam Sofer, ao receber aquele presente, segurou o diamante em sua mão e ficou durante um longo tempo admirado a beleza daquela pedra. Ele aproximou-se da luz e examinou o diamante detalhadamente. Então ele agradeceu muito ao seu vizinho e devolveu a pedra para ele, dizendo que não poderia aceitar.

 

- Você não quer aceitar o meu presente, a minha demonstração de gratidão? Há algo de errado com este diamante? - Perguntou o vizinho, incomodado - Por acaso esta pedra tem alguma falha? Eu paguei muito dinheiro por ela!

 

- De jeito nenhum - disse o Chatam Sofer - Seu diamante não tem absolutamente nenhum defeito, é uma pedra perfeita e maravilhosa. Porém, se eu o aceitasse, eu é que teria uma falha, pois estaria recebendo juros pelo meu empréstimo, algo que é proibido pela Torá.

 

- Me desculpe, mas não estou entendendo - disse o vizinho - Se a sua intenção era me devolver o diamante, então por que você o examinou tão cuidadosamente?

 

O Chatam Sofer sorriu e respondeu:

 

- Eu olhei para o diamante justamente para admirar sua beleza e perfeição. Desta maneira, consegui fortalecer em meu coração como é ainda mais bonita a Mitzvá de não cobrar juros.

 

Podemos muitas vezes achar que ganhamos algo fazendo o que é errado. Mas isso é uma grande autoenganação. Não há nada mais bonito e valioso do que fazer o que D'us nos pediu.

 


Uma das Mitzvót (Mandamentos) trazidas pela Torá é a proibição de cobrar juros em um empréstimo, como está escrito:

 

Não lhe darás teu dinheiro com usura, nem darás do teu alimento por interesse.

Levítico 25:37

 

Cobrar juros, apesar de ser algo aparentemente "leve", é tratado pela Torá como uma transgressão muito grave. Mas por que esta transgressão é assim tão grave? Afinal de contas, a pessoa que empresta dinheiro está fazendo uma grande bondade com a pessoa necessitada. Quem precisa de dinheiro desesperadamente prefere devolver futuramente um valor maior do que foi emprestado, pois ao menos pode resolver seus problemas financeiros momentâneos. Então o que há de tão errado em cobrar juros em um empréstimo?

 

Explica Rashi (França, 1040 - 1105) que "juros" em hebraico é "Neshech". A palavra "Neshech" vem da mesma raiz da palavra "Neshichá", que significa "picada de cobra". Qual é a relação entre a cobrança de juros e a picada de uma cobra?

 

Quando a cobra pica, deixa na pessoa apenas dois pequenos furinhos, como se nada tivesse acontecido. Porém, com o tempo, o veneno injetado vai se espalhando por todo o corpo da pessoa, até que ela morre. Da mesma forma, os juros de um empréstimo parecem, em um primeiro momento, algo pequeno e sem importância, apenas uma pequena porcentagem a mais. Porém, com o passar do tempo, a dívida se transforma em uma "bola de neve", até chegar ao ponto no qual a pessoa não tem mais condições de pagá-la, tornando-se escravo da situação. Emprestar dinheiro com juros, portanto, é uma enganação, pois parece uma bondade no início, mas se torna uma crueldade no final.

 

De maneira semelhante, o Sefer HaChinuch explica que Elohim, em Sua bondade ilimitada, nos criou com o propósito de podermos conviver de forma harmoniosa e sustentável. Por isso, Ele nos ordenou tirarmos os tropeços no nosso relacionamento com o próximo, entre eles a cobrança de juros nos empréstimos, para que uma pessoa não consuma os bens de seu companheiro sem que ele perceba, deixando sua casa completamente vazia e fazendo-o perder tudo. De forma invisível e sem que a pessoa possa perceber, os juros vão consumindo tudo o que a pessoa tem, o que é uma grande crueldade e a destruição do propósito da criação Divina.

 

Já o Rav Chaim Shmulevitz zt"l (Lituânia, 1902 - Israel, 1979) explica de outra maneira a gravidade existente na transgressão de cobrar juros em um empréstimo. Normalmente estamos acostumados a fazer as coisas esperando receber algo em troca. Por exemplo, damos presentes na expectativa de recebermos presentes de volta.

 

Na verdade, desde criança acabamos sendo educados desta maneira, a fazermos as coisas apenas quando recebemos uma recompensa por isso. Porém, na área de fazer bondades, é muito importante termos a intenção de fazer as coisas apenas pelo ato de bondade, pelo bem dos outros, sem esperar receber nada em troca. Aprendemos este comportamento de Elohim, que nos faz bondades o tempo todo sem receber absolutamente nada em troca. É por isso que participar de um enterro é chamado de "Chessed shel Emet" (Bondade de verdade), pois é um ato que fazemos pela honra do falecido sem esperar dele nada em troca.

 

Portanto, ao nos proibir de cobrarmos juros nos nossos empréstimos, a Torá quer nos "treinar" a realizarmos atos de bondade com os outros sem receber nenhum ganho por isso. Não apenas é proibido receber um valor a mais por ter emprestado dinheiro a um companheiro, como também a pessoa que pegou o dinheiro emprestado não deve fazer nenhum tipo de retribuição ou favor especial à pessoa que lhe emprestou dinheiro, pois isso se caracterizaria como sendo juros.

 

Ensina o Rav Zelig Pliskin que há uma tendência natural das pessoas pensarem, em tudo o que fazem na vida, "o que eu vou ganhar com isso?". Ao não vislumbrarem nenhum tipo de lucro ou benefício no que estão fazendo, as pessoas frequentemente perdem a motivação em realizar algo. No entanto, a Torá nos ensina que devemos nos motivar e desenvolvermos a vontade de ajudar os outros sem ganhos pessoais. Devemos fazer bondades apenas pela vontade de fazer o bem aos outros. Esta é a lição contida no mandamento de emprestar dinheiro sem juros.

 

Porém, há outro importante ensinamento em relação à proibição da cobrança de juros. Elohim escreveu esta proibição na mesma Parashá em que são ensinadas as leis de Shemitá, o Ano Sabático no qual todas as terras em Eretz Israel precisavam descansar, sendo proibido arar, semear, irrigar e ter qualquer lucro com a venda dos frutos da terra. Qual é a conexão entre estes dois assuntos?

 

A arrogância do ser humano faz com que passemos a vida achando que as coisas que temos são realmente nossas. Afinal, racionalizamos que elas foram adquiridas com o fruto do nosso esforço e da nossa sabedoria. Porém, esquecemos que tudo o que temos na verdade pertence a Elohim. Foi Ele que nos criou e fez tudo o que existe no universo, e foi Ele que nos deu a força e a inteligência para trabalharmos e ganharmos nosso sustento.

 

Um dos motivos pelos quais Elohim nos deu a Mitzvá de Shemitá é justamente para nos lembrar que a terra que utilizamos diariamente não é nossa, mas é um presente de Elohim. Tudo o que temos, portanto, é apenas um "empréstimo", para que possamos usar, em especial para cumprir as Mitzvót e fazer o bem ao próximo.

 

Esta é a conexão entre a Mitzvá de Shemitá e a proibição de cobrar juros em um empréstimo. Sentimos que o dinheiro que temos é nosso, fruto do nosso esforço. A proibição de cobrar juros é um lembrete de que o dinheiro que emprestamos aos outros pertence, na realidade, a Elohim, e por isso não é adequado receber juros por ele.

 

Quando o ser humano adquire esta consciência, certamente se comporta com mais bondade e com mais humildade. Este é um trabalho que devemos fazer em todas as áreas da nossa vida, procurando fazer o bem a todos sem esperar nada em troca e lembrando que tudo o que temos pertence a D'us. Ele, o verdadeiro Dono de tudo, quer que utilizemos o que temos em prol da construção de um mundo mais justo, harmonioso e sustentável.

 

R' Efraim Birbojm

Texto adaptado por Francisco Adriano Germano

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