Um ônibus israelense fazia uma
viagem para o Mar Morto. Era época das férias de verão e o ônibus estava
lotado. Em um dos primeiros bancos estava sentado um rabino, famoso por suas
palestras. No meio da viagem, em uma curva acentuada, o motorista do ônibus, um
homem extremamente impaciente e inconsequente, decidiu ultrapassar um veículo
que trafegava um pouco mais lento. Infelizmente havia um caminhão vindo na
outra pista. O rabino, ao ver o caminhão vindo na direção do ônibus, mal teve
tempo de pronunciar o Shemá Israel. O choque foi tão forte que a maioria dos
passageiros morreu, inclusive o rabino.
Quando o rabino abriu os
olhos, viu que estava em um lugar paradisíaco, sob uma luz que emanava amor e
paz. Ele reconheceu muitas pessoas que estavam com ele dentro do ônibus que se
acidentou. Eles estavam em uma espécie de "sala de espera" e parecia
haver uma ordem para entrar no Gan Éden. Porém, para a surpresa do rabino, o
motorista do ônibus era o primeiro da fila, enquanto ele era um dos últimos.
Poucos instantes depois, passou por eles um anjo que parecia ser o encarregado
da "sala de espera". O rabino então questionou a ordem na qual eles
estavam organizados. Como poderia ser que ele, um rabino tão temente a D'us,
que conduziu fielmente sua Congregação por tantos anos, poderia estar no final
da fila, enquanto aquele motorista de ônibus irresponsável poderia ser o
primeiro da primeira fila? O anjo explicou:
- É simples. Quando você dava
suas palestras na sinagoga, as pessoas adormeciam. Porém, quando este motorista
dirigia seu ônibus, todos diziam sem parar o Shemá Israel...
Apesar de ser uma piada, nos
traz um profundo ensinamento: o que receberemos de recompensa no Mundo
Vindouro, para toda a eternidade, depende diretamente de cada ato que fazemos
neste mundo.
O assunto inicial da Parashá desta semana, Chukat (literalmente "Lei") é a enigmática Mitzvá da "Pará Adumá", uma vaca completamente vermelha cujas cinzas tinham o poder de purificar uma pessoa que havia entrado em contato com a impureza espiritual de um morto. Além disso, a Parashá também descreve as mortes de Aharon e Miriam, além da "sentença de morte" recebida por Moshé, por ter golpeado a pedra para que dela saísse água, ao invés de apenas ter falado com a pedra, conforme Elohim havia comandado. Parece que a morte é o assunto central desta Parashá. Afinal, qual é a visão judaica sobre a morte? É algo positivo ou negativo?
É interessante perceber que
fazemos muitas piadas sobre a morte. Talvez seja uma tentativa de, ao fazer da
morte algo mais leve e engraçado, isto nos ajude a diminuir a ansiedade que
sentimos em relação a ela. Mas talvez as piadas reflitam a dupla natureza da
morte. Por um lado, é o fim da vida como a conhecemos. Porém, ao mesmo tempo,
acreditamos que há algo melhor nos esperando "do outro lado",
depois da morte.
De acordo com o judaísmo, a morte
tem realmente uma natureza dupla e contraditória. Por um lado, temos uma grande
quantidade de leis referentes ao luto, que nos ajudam a lidar com o falecimento
de um ente querido e aliviar um pouco da dor. Paira sobre nós um sentimento de
que algo "ruim" aconteceu com os que partiram, especialmente
se a pessoa era jovem.
No entanto, por outro lado, o
judaísmo reconhece que há um Mundo Vindouro, onde os nossos entes queridos
experimentam uma realidade de prazer muito mais profunda do que é possível
neste mundo. A partir deste ponto de vista, a morte é algo bom, pois é o início
de uma nova existência, o momento de experimentar tipos de prazer mais elevados
e sublimes.
A tradição rabínica aborda esta
visão paradoxal através de um ensinamento aparentemente contraditório:
"É mais
preciosa uma hora de arrependimento e bons atos neste mundo do que toda a vida
no Mundo Vindouro" (Avót 4:17).
O início desta Mishná (parte da
Torá Oral) nos dá a entender que a vida neste mundo é o que temos de mais
precioso e, portanto, a morte é algo negativo. Porém, o paradoxo surge com a
continuação desta Mishná: "E é mais preciosa uma hora de tranquilidade
no Mundo Vindouro do que toda a vida neste mundo", o que nos dá a
entender que o Mundo Vindouro é mais precioso e, portanto, a morte é algo
positivo. Como entender esta contradição? Afinal, onde é melhor estar, neste
mundo ou no Mundo Vindouro?
Explica o Rav Simcha Barnett que
a solução para entender esta aparente contradição está justamente na Mishná
anterior:
"Este mundo é
como um corredor diante do Mundo Vindouro. Prepare-se no corredor para que você
possa entrar no salão de banquete" (Avót 4:16).
A primeira coisa que esta Mishná
nos transmite é que este mundo e o Mundo Vindouro são partes de uma única "moradia".
Em segundo lugar, a literatura rabínica enfatiza claramente que, embora o Mundo
Vindouro, representado pelo "salão de banquetes", seja o
principal, o corredor é parte indispensável para chegarmos ao "salão"
e aproveitarmos o que é oferecido lá.
Este ensinamento nos transmite
algo profundo sobre a vida e a morte. Se esta vida é comparada a um corredor
que conduz ao Mundo Vindouro, então ela tem uma enorme importância. Essa é a
razão pela qual a Mishná começa afirmando que uma vida bem vivida, isto é, na
qual estamos constantemente envolvidos com a Torá, com as Mitsvót (Mandamentos)
e com o nosso aprimoramento é mais valiosa do que todo o Mundo Vindouro. A
alegria que seremos capazes de sentir no Mundo Vindouro será diretamente
dependente de como moldamos nossa alma neste mundo.
Isto se compara a duas pessoas
que vão a um concerto de música clássica. Uma delas é uma profunda conhecedora
e amante da música clássica, enquanto a outra nunca estudou nada sobre teoria
musical. Ambas escutarão os mesmos sons, mas a qualidade de suas experiências
será muito diferente. No mesmo concerto de música, é possível dizer que uma delas
estará no céu, enquanto a outra estará no inferno!
Há realmente uma natureza
paradoxal em relação ao fenômeno de morte. Por um lado, há uma perda, enquanto,
por outro lado, há um ganho. A perda é não sermos mais capazes de acumular experiências
para nossa eternidade.
É como aquele programa de
televisão, no qual os concorrentes têm cinco minutos para pegar em uma loja de
departamentos tudo o que conseguirem colocar em seus carrinhos. Da mesma
maneira, tudo o que conseguirmos "pegar" na vida, em termos de
experiências, levaremos para sempre. Por analogia, a morte é o "fim do
jogo". É por isso que nossos sábios afirmam que uma hora na qual
estamos envolvidos com a Torá e suas Mitsvót é melhor do que o todo o Mundo
Vindouro. Isto porque não podemos ganhar uma existência eterna no Mundo
Vindouro exceto através do nosso aperfeiçoamento neste mundo.
Por outro lado, há um ganho com a
morte. Embora a nossa capacidade de acumular experiências termine com a morte,
finalmente tudo o que "adquirimos" com nossos atos pode ser
finalmente experimentado e apreciado em um nível muito mais profundo. Portanto,
a vantagem da morte é que a profundidade e a eternidade das experiências que
não podem ser alcançadas neste mundo serão finalmente vivenciadas.
É como se tivéssemos passado toda
a nossa vida escutando pequenos trechos de uma música, em um rádio AM cheio de
ruídos e saindo de uma única caixa de som. Imagine agora escutar essa música em
um CD digital, no sistema estéreo mais moderno, rodeado por alto-falantes de
alta fidelidade. A música reverberaria dentro de nós com uma intensidade,
clareza e beleza que nunca imaginaríamos ser possível. Isto é semelhante ao
prazer que estará disponível para nós no Mundo Vindouro. Nosso trabalho é
desenvolver nossa alma neste mundo para que ela possa apreciar a "música"
que estará tocando no Mundo Vindouro. A experiência certamente será incrível em
sua beleza e prazer.
A morte é a separação do corpo e
da alma. No Talmud (Brachót 8a) nossos sábios descrevem o momento da morte de
um Tzadik (pessoa justa) e de um Rashá (pessoa malvada). Para a pessoa que
viveu sua vida consciente de que está aperfeiçoando sua alma neste mundo em
preparação para o Mundo Vindouro, a separação entre a alma e o corpo é
comparada a algo suave e sem sofrimento, como retirar um único fio de cabelo.
No entanto, para a pessoa que
ignorou sua alma e se identificou completamente com seu corpo, a separação
entre eles será como puxar um novelo de lã do meio de um espinheiro. Será uma
experiência dolorosa, pois o corpo, com o qual ele tanto se identificou,
termina. Para o corpo, a morte iguala tudo. Não importa quem você foi na vida,
na morte todos os corpos encontram o mesmo destino. A alma, no entanto, desfrutará
a "qualidade de vida" que foi definida através das nossas
ações neste mundo.
Se vivermos com essa
consciência ao longo dos nossos dias, nossas vidas se tornarão mais ricas e
significativas. Veremos os nossos esforços e lutas nos levando a algum lugar.
Vivendo desta maneira, nenhuma alegria ou sofrimento é em vão. Tudo isso vai
moldando quem nós realmente somos. O que somos e o que fizemos nos acompanharão
para sempre.
É incrível perceber que, no final
das contas, o que vamos realmente receber no Mundo Vindouro será nós mesmos,
melhorados e aperfeiçoados, prontos para aproveitar os “tesouros que
acumulamos” aqui.
O verdadeiro poder da morte
é ajudar a nos concentrarmos sobre o que é realmente importante na vida.
Ninguém quer morrer, mas na visão judaica não é nesta vida que teremos a forma
mais real ou prazerosa de existência possível. Esta vida é apenas o corredor
para o Mundo Vindouro. Se vivermos plenamente e com sabedoria, poderemos
recolher as moedas de todo o nosso esforço no Mundo Vindouro.
R' Efraim Birbojm
Texto adaptado por Francisco Adriano
Germano
Comentários
Postar um comentário