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UMA ADORAÇÃO DIFERENTE

  


Porque eles vos afligiram a vós com os seus enganos com que vos enganaram no caso de Peor, e no caso de Cosbi, filha do príncipe dos midianitas, irmã deles, que foi morta no dia da praga no caso de Peor. (Bamidbar/Números 25:18)

 

Nas duas últimas porções de estudo da Torah (Parashiot), fomos apresentados ao plano de Balak (Balaque) para que Yisra'el tropeçasse: Fizeram com que o povo adorasse ao ídolo pagão Ba'al Peor. Vimos, no último versículo da Parashá Balak, que o número de israelitas que morreram da praga que os afligiu pela adoração a Ba'al Peor chegou a vinte e quatro mil!

 

E, pelo texto de Bamidbar (Números) 25, vemos que YHWH não chegou a afligir totalmente o povo em razão desta praga – Sua ira foi, justamente, aplacada pelo gesto de Pinchas.

 

Mas, afinal, uma pergunta se coloca diante de nós: Por que um povo, acostumado aos sinais e prodígios de YHWH, sucumbiria a tão simples armadilha? O que haveria de tão atraente acerca da adoração a Ba'al Peor que pudesse desviar o povo do Caminho de YHWH?

 

O nome “Ba'al Peor” significa literalmente “senhor da cavidade”, e a adoração a esse ídolo era realizada através das cavidades do corpo humano – tanto por meio do sexo, quanto por meio da defecação.

 

Segundo comentários rabínicos em Sifrei Balak 1, a adoração a Ba'al Peor ocorria conforme o seguinte rito: As sacerdotisas seduziam o povo a ter as formas de relacionamento sexual mais sórdidas, como forma de preparação, e o ato de adoração a Ba'al Peor, o “senhor da cavidade”, consistia em defecar em sua presença.

 

O texto de Bamidbar (Números) 25 começa justamente dizendo que o primeiro ato nesse jogo de Balak era o de levar o povo a comer com eles. O Talmud relata que eram consumidos alimentos de propriedade laxativa, justamente para que se pudesse posteriormente “servir” a Ba'al Peor. Há, inclusive, uma história de uma dessas pessoas que, durante tal adoração, se limpou no nariz do ídolo, e as sacerdotisas o elogiaram por ter inovado em sua forma de adoração.

 

Ora, mas como é que tal ato tão grotesco poderia ser considerado uma forma de adoração?

 

O rabino Chaim Shmuelevitz responde a esta pergunta, dizendo que a principal característica de Ba'al Peor era “libertar” as pessoas da responsabilidade por seus atos. A pessoa poderia fazer qualquer coisa, simplesmente qualquer coisa, sem qualquer remorso ou sem temer a responsabilidade.

 

Um dos impulsos morais que o ser humano possui é o sentimento de vergonha. Esse sentimento frequentemente é responsável por refrearmos os nossos impulsos. O “medo de ser pego" em um determinado ato é algo que está presente no inconsciente das pessoas, e que as impede de exercerem o seu yetser hará (inclinação ao mal) a despeito da sua consciência. Ou seja, essa inibição natural serve como um monitor de nossos atos, que nos impede de irmos longe demais.

 

O que o ídolo Ba'al Peor fazia era justamente treinar a pessoa a perder essa inibição. Até mesmo os atos mais privativos possíveis – a relação sexual e a defecação - eram realizados em público e poderiam ser realizados sem qualquer consequência. E nem mesmo o próprio ídolo estava acima dessa liberdade. O ser humano estava “livre” para fazer o que quisesse na presença de seu deus.

 

O ídolo Ba'al Peor levava o ser humano a uma forma de exaltação jamais vista anteriormente. Segundo o rabino Tzvi Freeman, um idólatra ainda é melhor do que um ateu. Pelo menos, ele comenta, um idólatra reconhece que existe acima dele algum tipo de força externa, à qual ele está sujeito. Já o ateu, ele é o seu próprio deus, pois ele não conhece qualquer limite. Aquele que idolatrava Ba'al Peor era semelhante a um ateu, no sentido de não conhecer qualquer limite.

 

Assim sendo, Ba'al Peor encorajava o homem a pensar que a humanidade era, de alguma maneira, livre e superior. Os que idolatravam a Ba'al Peor estavam acima de qualquer lei ou responsabilidade, e ainda se sentiam justos em estarem assim. Eram justificados por Ba'al Peor para viverem exatamente como bem entendiam, sem qualquer responsabilidade por seus atos. Era exatamente isso o que havia de mais atraente em Ba'al Peor.

 

O culto a Ba'al Peor era exatamente o extremo oposto da Torá. A Torá é nada menos do que o reconhecimento de que pertencemos a um Reino e que há um Rei superior a nós. E se amamos a esse Rei e querermos, de fato, sermos justos, devemos obediência a Ele.

 

A Torá é caracterizada pelo total equilíbrio em nosso relacionamento com YHWH. Ela provê o amor, a misericórdia e a obtenção do perdão – ela reconhece a nossa dependência da graça de Elohim, e sem ela nossos atos são vãos e vazios.

 

Contudo, ela também prevê a responsabilidade, o temor e a necessidade de não desprezar a graça, vivendo na desobediência. O culto a Ba'al Peor era justamente o oposto: qualquer coisa era possível. A pessoa tudo podia, sem qualquer responsabilidade, pois estava sob a graça de Ba'al Peor.

 

Até hoje, o culto a Ba'al Peor, é bem mais popular do que a verdadeira adoração a YHWH. Porém, sabemos que o destino daqueles que se alinham com Ba'al Peor é a ira de YHWH. Afinal, acaso não jogará o Rei nas trevas exteriores ao súdito que tentar se rebelar contra Ele ou de Sua Palavra? Acaso aceitará o Rei a presença daquele que se coloca em franca oposição às Suas leis?

 

Merecendo a Kehuná

 

Pinchas Ben El'azar Ben Aharon haCohen, desviou a minha ira de sobre os filhos de Yisra'el, pois foi zeloso com o meu zelo no meio deles; de modo que, no meu zelo, não consumi os filhos de Yisra'el. (Bamidbar/Números 25:11)

 

O ato de Pinchas (Finéias) foi, acima de qualquer coisa, um ato de coragem. Reparem que Pinchas matou justamente o líder da tribo de Shimeon (Simeão). Pinchas arriscou sua própria vida, pois poderia facilmente ter sido morto pela tribo de Shimeon!

 

Mas o zelo de Pinchas se deveu a um detalhe muito importante: ahavat Yisra'el – o amor por seu povo, Yisra'el. O amor por seu povo, e por YHWH Seu Elohim, fez com que Pinchas fosse às últimas consequências para protegê-lo, arriscando sua própria vida ao tomar a atitude de eliminar o mal do meio do povo.

 

Pinchas, ao fazer tal coisa, colocou a saúde espiritual do povo, e o destino do Reino, acima de seus próprios interesses pessoais, acima de qualquer coisa material, acima até mesmo de sua própria vida.

 

Foi justamente por isso que fez com que Pinchas merecesse o “B'rit Shalom”, a aliança de shalom, e a kehuná (sacerdócio) eterno.

 

Ao conceder a Pinchas tal privilégio, YHWH nos indica aquilo que deve estar na essência de um cohen (sacerdote.) O objetivo que YHWH tem para nós é nos tornarmos uma nação de cohanim (sacerdotes.) Somos chamados, por Yeshua, à ordem de Malki-Tsedek (Melquisedeque), uma kehuná (sacerdócio) eterno a YHWH.

 

Para que possamos atingir esse estágio espiritual, é preciso preenchermos de ahavat Yisra'el - amor por Yisra'el - ao ponto de que nossas próprias existências sejam encaradas por nós como algo inferior ao bem-estar espiritual do povo.

 

Nós somos chamados para uma difícil tarefa – a de sermos como Pinchas – dispostos a irmos até as últimas consequências, arriscando nossas próprias vidas, para tirarmos Yisra'el do meio da adoração a Ba'al Peor.

 

Profeticamente, YHWH, falando através de Rav. Sha'ul (Paulo), já disse que não seríamos muitos:

 

Mas que lhe diz a resposta de Elohim? Reservei para mim sete mil homens, que não dobraram os joelhos a Ba'al. (Ruhomayah/Romanos 11:4)

 

Pinchas é associado pelos sábios a Eliyahu HaNavi (o profeta Elias), que é justamente o objeto da comparação de Rav. Sha'ul (Paulo) nesta mensagem. Segundo os sábios, ambos tinham esse mesmo “ahavat Yisra'el” - amor por Yisra'el - ao ponto de sacrificarem suas próprias vidas.

 

E o que mais têm Pinchas e Eliyahu em comum?

 

Ambos eram apenas uma pessoa contra miríades e miríades de adoradores de Ba'al, cegos para a verdade da Torá de YHWH, mas ainda assim amados por Ele. E, tanto Pinchas quanto Eliyahu, em sendo apenas uma pessoa, foram capazes de reverter o estado espiritual de todo um povo.

 

Dessa forma, se formos revestidos do temor de YHWH, do ahavat Yisra'el (amor a Yisra'el), e se estivermos dispostos a sermos firmes no nosso testemunho de Yeshua, não nos envergonhando dEle, e na nossa vida na Torá, não abrindo mão dela, então seremos dignos da kehuná (sacerdócio) eterno, e capazes de sermos precursores de um tempo em que YHWH chamará de volta a Casa de Yisra'el para perto de Si.

 

Por Sha'ul Bentsion

 

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