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A FONTE DE ÁGUAS VIVAS

 



 

Estamos finalizando as comemorações da festa bíblica de Tabernáculos, conhecida no hebraico como Sucot. E aproveitando o tema dessa festa, gostaria comentar sobre o relato que encontramos da participação de Yeshua nessa festa.

 

Esse relato é encontrado no livro de João, capítulo 7. Lemos que Yeshua estava no Templo, em Jerusalém, por ocasião da festa de Sucot. Em um determinado momento, Yeshua vira-se para o povo e diz:

 

... Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre. João 7:37,38

 

Essa passagem é muito bonita, muito poética. Mas será que nós compreendemos a dimensão do que Yeshua quis dizer? Porque será que Yeshua disse isso? E o que será que o povo entendeu quando Yeshua disse isso? Será que todos olharam para Yeshua e acharam que ele estava louco, que ele estava embriagado?

 

Nesse capítulo de João, vemos que imediatamente após Yeshua ter dito essa frase alguns viraram e disseram: Esse é o Profeta! Ou seja, eles entenderam a mensagem de Yeshua. Mas, então, o que significa ter “rios de água viva” correndo no nosso interior?

 

Se Yeshua disse que ocorrer “rios de água viva” do nosso interior é sinal de que cremos nele, então é importante que nós entendamos esse significado e que nós possamos refletir e nos perguntarmos se realmente do nosso interior tem corrido “rios de água viva”.

 

A Enciclopédia Judaica nos revela, sobre a festa de Sucot/Tabernáculos, que havia algo de diferente na rotina do Templo. No serviço matutino, os sacerdotes iam até o tanque de Shiloar (Siloé), retiravam a água, davam voltas ao redor do altar e adicionavam essa água na libação do sacrifício. A libação era, normalmente, composta por vinho e esse vinho era derramado sobre o sacrifício. Isso ocorria nos dias normais. Mas nos dias de Sucot/Tabernáculos era adicionada a água, que simbolizava a alegria da festa de Sucot.

 

O Shiloar (Siloé) segundo a tradição Judaica, era um duto de água, de cerca de meio quilômetro, construído pelo Rei Salomão e que terminava em um tanque. E era justamente desse tanque que os sacerdotes retiravam a água que utilizavam nas cerimônias matutinas de Sucot. Ou seja, esse tanque era alimentado por água corrente.

 

O Talmude relata ainda que, ao retirarem a água do tanque de Shiloar, os sacerdotes iam cantando algumas passagens bíblicas, dentre elas estava a passagem de Isaías 12.3, que até hoje é recitada nas sinagogas. Essa passagem, normalmente recitada na cerimônia de Havidalá, que a cerimônia de encerramento do Shabat, diz o seguinte:

 

USH’AVTÊM MÁYIM BESSASSON, MIMAAYENÊ HAYESHUÁ

Vós com alegria tirareis águas das fontes da salvação

 

Isaías 12 é um capítulo bem pequeno, que fala justamente da salvação de Israel e termina dizendo: exulta e canta de gozo, ó habitantes de Sião, porque grande é o santo de Israel no meio de ti. Ou seja, na festa de Sucot, o povo cantava sobre a presença da salvação do ETERNO no meio deles!

 

Recapitulando, os sacerdotes retiravam a água do tanque de Shiloar e iam até o Templo, davam umas voltas ao redor do altar e derramavam a água, e ao longo de todo esse processo cantavam sobre a presença da salvação no meio do povo e a água era justamente o símbolo dessa salvação.

 

Agora, imaginem a cena: a procissão dos sacerdotes caminhava com a água para a libação enquanto o povo vinha atrás, cantando ush’avtêm máyim bessasson, mimaayenê hayeshuá. De repente Yeshua para, olha para multidão e proclama: se alguém tem sede venha a mim e beba... ou seja, o que ele estava dizendo ali? Que essa água de salvação estava nele! Em outras palavras, estava dizendo ao povo: o dia chegou, eu sou o ETERNO tabernaculando no meio de vós! Venham a mim e recebam a salvação!

 

Foi por isso que alguns dos prushim/fariseus queriam prendê-lo. Eles entendiam o tamanho da implicação do que Yeshua estava dizendo. Se Isaías 12 falava da presença do ETERNO no meio deles e isso era simbolizado pelas águas da salvação, então Yeshua ao dizer essas palavras estava alegando que ele era o ETERNO tabernaculando com o povo.

 

Outro fato interessante sobre o tanque de Shiloar é que, segundo a Enciclopédia Judaica, acreditava-se que ele ficava exatamente no centro da terra de Israel. Ou seja, as águas do Shiloar fluíam do centro da terra de Israel para purificar toda nação através desse cerimonial, feito nos dias da festa dos Sucot. Isso explica o porquê de Yeshua dizer que “rios de água viva” correriam justamente do nosso ventre, do meio do nosso corpo. A palavra, no aramaico original, que consta em João é ventre embora algumas traduções traduzam como interior.

 

E o ventre é o centro do corpo e Yeshua, como grande rabino que era, fazendo uma drashá, ou seja, dando uma explicação metafórica, estava indicando que ele era como o Shiloar. E assim como Shiloar purificava Israel como uma fonte constante de águas para o serviço no Templo, assim também a presença dele em nossas vidas nos purificaria continuamente.

 

Esse é, portanto, um dos sinais do verdadeiro seguidor de Yeshua. Você tem sido purificado continuamente por Yeshua? A água corrente, na medida em que ela passa, vai tornando mais limpo aquilo que ela atinge. Assim também deve ser com as nossas vidas: à medida em que buscamos a Yeshua, nossas vidas devem se tornar mais e mais limpas. Se elas têm permanecido turvas, então algo está errado e precisamos avaliar se nós, de fato, estamos seguindo a Yeshua de forma correta.

 

E a drashá, a explicação de Yeshua não para por aí. A palavra Shiloar vem da mesma raiz de shaliach, que no hebraico significa emissário. Essa palavra certamente se refere ao duto de água que havia sido construído. Ele era um emissário de águas. E assim como esse duto percorria uma grande extensão de terra, fornecendo a água para purificação, nossa função também como shlichim de Yeshua/ emissários de Yeshua é conduzirmos a palavra do Messias para purificação.

 

Agora que entendemos qual é a função da fonte iremos, então, entender o significado da expressão “água viva”.

 

Na realidade, essa expressão não é uma expressão esotérica como muitos entendem. Essa expressão tanto no hebraico como no aramaico significa apenas água corrente. Água viva é uma água que não está parada. Mas qual a importância no judaísmo da água viva?

 

Na tradição Judaica, que é a linguagem que aquele povo, naquela época entendia, a água corrente ela tem um alto poder de purificação. Segundo os sábios, a água corrente (água viva) purifica tudo aquilo que ela toca e ainda, segundo o Talmud, mesmo um filete de água corrente, de água viva seria suficiente para purificar, porque ele carrega as impurezas.

 

Agora se um filete seria suficiente, imagina então rios de água viva que é o que promete Yeshua. Um rio não purifica apenas aquilo que está no seu curso, como um filete. Um rio transborda, jorra pelas margens. Um rio não lava só o que está no seu interior, mas ele lava também aquilo que está ao seu redor. Agora, fica bem claro o que Yeshua dizer. Se temos, de fato, a Yeshua como nossa fonte, como nosso Shiloar, então o nosso grau de santidade se tornará tamanho que transbordaremos com poder de purificação de Yeshua e seremos capazes de purificar aquilo que está ao nosso redor.

 

Alguma vez alguém te disse que gostava de você porque você transmitia paz? Pois esse é o efeito do rio que corre do Shiloar e pode ser sentido até no ambiente em que nós estamos. Assim como o povo vinha com alegria tirar a água do Shiloar, assim também o verdadeiro seguidor de Yeshua atrairá outros pelos seus frutos.

 

E quando isso ocorrer, lembre-se que você é um shaliach, você é um emissário. Não guarde está água para si. Mas siga a vontade do Criador e dê de beber dessa água de Yeshua, mas também demonstre ao próximo como ele pode fazer para ter, nele próprio, a fonte do Shiloar. Se você não tem sentido essa experiência ao seu redor, então avalie sua relação com ele e busque segui-lo de verdade.

 

Último ponto que eu gostaria de compartilhar é um motivo pelo qual isso ocorre em Sucot: a libação que era derramada sobre o altar não era apenas de vinho, mas também de água. Segundo os rabinos, a água simboliza a adoração verdadeira.

 

Porque você bebe o vinho? Porque a cor é chamativa, o aroma é agradável e o sabor é suave. As pessoas bebem o vinho por interesse nessas características do vinho. Agora a água não tem cheiro, nem cor, nem sabor. Ou seja, assim como acontece no vinho, nós podemos buscar o ETERNO por interesse nas bênçãos, na cura e no poder dEle, mas ele quer a água. Ele quer de nós adoração verdadeira, desinteressada.

Apesar do vinho nos dar um prazer imediato, somente a água é capaz de matar a nossa sede. Todos nós temos sede de Elohim e somente tendo a fonte de Shiloar, Yeshua em nossas vidas, é que podemos saciar essa sede.

 

E quando Yeshua vive em nós, começamos a buscar ao ETERNO assim como a água, desinteressadamente, somente por amor a ele. Os rabinos que tiveram o privilégio de verem o Templo, de participarem das suas atividades, dizem que quem não conheceu a alegria de retirar a água do Shiloar e derramá-la sobre o altar, então, não sabe o que é alegria. Eu não duvido nem um pouco das palavras desses rabinos. Contudo, existe uma alegria maior!

 

A maior alegria de todas é ter a fonte de Shiloar, Yeshua HaMashiach vivendo dentro de nós e através da sua água viva, derramarmos o nosso próprio coração no altar do Pai.

 

 

Por Sha’ul Bentsion

Texto revisado por Francisco Adriano Germano


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