Na Parashá desta semana, Bô (literalmente "Vai"), a Torá continua descrevendo as pragas que castigaram o Egito e destruíram sua infraestrutura. Nas primeiras cinco pragas, a Torá diz que o Faraó endureceu seu coração e não cedeu às pressões para libertar o povo judeu da escravidão. Porém, a partir da sexta praga, o tom da Torá muda e ao invés de escrever que o Faraó endureceu seu coração, está escrito que foi Elohim que endureceu o coração do Faraó. O que significa esta mudança?
Explica o Rav Yaacov Wainberg
zt"l que Elohim foi testando diversas vezes o Faraó, para saber se ele se
arrependeria de seus maus atos. Mas, a partir da sexta praga, Elohim retirou
completamente o seu livre-arbítrio, não dando mais a ele a escolha de permitir
que o povo judeu saísse até que as 10 pragas se completassem.
Isto desperta uma pergunta
fundamental. Toda a essência da criação do mundo é justamente a possibilidade da
pessoa escolher entre o certo e o errado, recebendo recompensas pelas escolhas
corretas e castigos pelas escolhas erradas. O Faraó foi duramente castigado com
as pragas por causa de suas escolhas equivocadas, por ter deixado sua vontade
de fazer maldades e seus desejos pelo mundo material desviarem suas escolhas.
Porém, a partir do momento em que
Elohim retirou dele o livre-arbítrio, então ele não tinha mais a escolha entre
o certo e o errado. Entretanto, mesmo sem o poder da escolha, o Faraó continuou
recebendo duros castigos de Elohim. Como alguém pode ser punido por um ato que
foi obrigado a fazer? Por que o Faraó continuou sendo castigado se Elohim havia
tirado dele a possibilidade de dizer "Sim"?
Para responder este
questionamento, precisamos antes entender o que é exatamente o livre-arbítrio e
porque ele nos foi dado. O conceito de livre-arbítrio é algo muito profundo e
de difícil entendimento, mas ao mesmo tempo, fundamental para a existência da
nossa vida neste mundo.
O livre-arbítrio é a capacidade do
ser humano em escolher o seu caminho na vida, ou seja, a possibilidade do homem
seguir o caminho indicado por Elohim ou de se rebelar e seguir o caminho
contrário. Sem o livre-arbítrio existiria apenas o poder de Elohim e, como
consequência, todo o universo existiria apenas de forma passiva. Ao dar o
livre-arbítrio ao ser humano, Elohim o dotou com um poder especial, de forma
que duas forças existiriam no universo.
Isto possibilitou que se firmasse
um pacto entre o Criador e Suas criaturas. Possibilitou também que existissem
os Mandamentos e um relacionamento entre o ser humano e Elohim, o que seria
algo sem sentido se o ser humano não tivesse escolha. Portanto, o
livre-arbítrio é um incrível presente que Elohim deu ao ser humano.
Por outro lado, da mesma forma
que Elohim dá o livre-arbítrio de presente ao ser humano, Ele pode retirar no
caso de uma pessoa não o merecer. Explica o Rambam (Maimônides) (Espanha, 1135
- Egito, 1204), nas Halachót de Teshuvá (Leis de Arrependimento), que o
livre-arbítrio possibilita que a pessoa faça uma transgressão tão grande, ou
uma grande quantidade de transgressões menores, ao ponto de ser rotulado como
um "rebelde". Neste momento, é retirado dele a oportunidade de
se arrepender e consertar seus atos, o que seria a sua cura espiritual. Quando
a pessoa chega ao limite, ela perde o presente do livre-arbítrio.
Foi isto o que ocorreu com o
Faraó. Quando a Torá diz que Elohim endureceu o seu coração, significa que
naquele momento ele atingiu seu limite e perdeu o direito ao livre-arbítrio.
Ele recebeu diversas oportunidades para se arrepender, através dos avisos e dos
duros castigos que recebeu, porém ele usou suas escolhas para oprimir e tentar
destruir o povo hebreu, fisicamente e psicologicamente.
Após demonstrar que não estava
utilizando da forma correta o presente do livre-arbítrio que havia recebido,
então seu livre-arbítrio e, consequentemente, sua possibilidade de se
arrepender, foram retiradas dele. Ele continuou a receber os castigos, mesmo
sem livre-arbítrio, pois já havia demonstrado, nos testes anteriores, quem era
ele de verdade.
Entretanto, se o livre-arbítrio
do Faraó já havia sido retirado após a sexta praga, então por que Elohim
continuou mandando Moisés advertir o Faraó e avisar que, caso ele não se
arrependesse de seus maus atos, sofreria as consequências?
Explica o Rambam que Elohim
queria ensinar justamente que temos muitas chances de nos arrepender e de
consertar nossos erros, mas a partir do momento em que Elohim tira o
livre-arbítrio daquele que cometeu atos muito errados, então não há mais forma
de consertar seus erros. Qualquer pessoa que estuda sobre as 10 pragas sabe que
nenhum ser humano desafiaria Elohim neste limite, mesmo sendo continuamente
advertido e castigado. Certamente qualquer um nesta situação já teria libertado
o povo judeu para terminar com seus sofrimentos.
A única forma de entender a
obstinação do Faraó, apesar de tanto sofrimento, é ele ter perdido o
livre-arbítrio. Após desperdiçar muitas chances de se arrepender, o Faraó ficou
gravado para sempre na Torá como um exemplo daquele que, ao abusar, acabou
perdendo o seu livre-arbítrio.
O livre-arbítrio é um dos maiores
paradoxos da existência humana. É a independência que Elohim dá a uma criatura
completamente dependente Dele. Precisamos refletir muito para entender que é
uma bondade imensurável Elohim dar ao ser humano a força e a inteligência para
que possamos nos rebelar contra Ele. O ser humano, sem o potencial de se
rebelar, também nunca poderia se aproximar de Elohim. Um pacto depende de duas
partes, não pode ser algo unilateral.
O relacionamento do povo judeu
com Elohim, que é o maior prazer que podemos alcançar, somente é possível por
causa do livre-arbítrio. Portanto, devemos nos questionar muito sobre como
estamos utilizando nossas escolhas na vida.
A Parashá desta semana nos ensina
uma lição muito importante. Muitas vezes tropeçamos em nossos atos e cometemos
erros. Muitos desanimam com seus tropeços e acabam caindo ainda mais.
Precisamos conhecer a força do nosso livre-arbítrio.
Quando Elohim nos deu este
presente, Ele nos deu a possibilidade de errar e, ao mesmo tempo, também nos
deu a chance de consertar os nossos erros, aprender com os nossos tropeços e
crescer. Quando erramos, nos afastamos de Elohim, mas quando nos arrependemos e
consertamos os nossos erros, nos conectamos a Elohim em um nível ainda mais
forte.
Devemos agradecer a Elohim todos
os dias de nossas vidas por esta enorme bondade. E a melhor forma de agradecer
é fazendo um bom uso do nosso presente.
Por R' Efraim Birbojm
Texto revisado por Francisco Adriano
Germano
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