Um homem estava em Paris. De
repente, ele viu um pitbull atacando uma criança. Ele agiu rápido, conseguiu
matar o pitbull e salvar a vida da garota. Um repórter, ao ver a cena, correu
para entrevistar aquele herói. Seria uma incrível história para escrever em seu
jornal.
- Diga-me, qual é o seu nome?
Toda Paris vai amar você! A manchete de amanhã será: "Herói de Paris salva
garota de um cão raivoso!"
- Mas eu não sou de Paris -
disse o homem.
- Tudo bem - continuou o
repórter - Então toda a França amará você e a manchete de amanhã será:
"Herói francês salva menina de ataque de cachorro cruel!"
- Eu também não sou da França
- corrigiu o homem.
- Não tem problema - continuou
o repórter - Toda a Europa vai amar você. As manchetes de amanhã gritarão:
"Herói europeu salva garota de um cão cruel!"
- Eu também não sou da Europa
- corrigiu mais uma vez o homem - Eu sou de Israel.
- Ah, Ok, entendi - disse
secamente o repórter.
Na manhã seguinte, saiu a
manchete: "Judeu cruel mata cachorrinho de menina francesa!"
Pode ser uma piada, mas é um
reflexo de como infelizmente a mídia distorce os fatos. Na realidade, não é
apenas a mídia. Em nosso cotidiano, costumamos enxergar as situações da maneira
como queremos. Distorcemos a realidade para que tudo se encaixe na forma como
nós queremos ver cada situação.
Nessa semana lemos a Parashá
Balak, que se conecta com o assunto final da Parashá da semana passada. O povo israelita
se aproximava de sua entrada na Terra Prometida, depois de quase quarenta anos
vagando pelo deserto. Quando foram passar pela terra de Seon, rei dos amorreus,
os israelitas pediram permissão para atravessar em paz, sem nenhum tipo de dano
ou ameaça à soberania deles. Porém, os amorreus se levantaram contra o povo hebreu
e os atacaram, mas foram derrotados. Logo depois foi a vez de Og, o rei de
Bashan, que também tentou se levantar contra o povo israelita e foi derrotado.
Nossa Parashá começa justamente
com a descrição de como Balak, o rei de Moabe, se sentiu ao ver o que havia
acontecido com Seon e Og, dois reis extremamente poderosos. Ele sentiu muito
medo do povo israelita, imaginando que seu povo seria a próxima vítima deles.
Após ver que os israelitas haviam passado como um trator sobre seus inimigos,
Balak entendeu que tentar guerrear contra um povo tão poderoso, com tamanha
proteção espiritual seria tolice. Ele então resolveu mudar de tática e, ao
invés de uma guerra material, ele quis atacar o povo espiritualmente. Balak
contratou um dos maiores profetas da época, Bilaam (Balaão), cujo potencial
espiritual estava no mesmo nível de Moisés.
Bilaam possuía um incrível poder
na fala. Quem ele amaldiçoava era efetivamente amaldiçoado e sofria as
consequências. De onde Balak conhecia Bilaam? Ele havia sentido na pele a força
de suas maldições. Quando Moabe estava em guerra contra os amorreus, o rei Seon
não conseguia derrotá-lo. Então ele contratou Bilaam para amaldiçoar Moabe, e
foi somente depois da maldição que o rei Seon saiu vitorioso. Portanto, Balak
tinha visto que o poder da fala de Bilaam era algo real e extremamente
poderoso, e se apoiou na força de sua maldição para tentar vencer o povo israelita.
Como Balak sabia que Bilaam
gostava de honra e dinheiro, mandou pessoas importantes para contratá-lo,
oferecendo uma quantia enorme de ouro. Apesar de Bilaam saber que Elohim não
queria que ele fosse, mesmo assim decidiu ir com os emissários de Balak. E,
quando estava no caminho, algo incrível aconteceu. O jumento no qual ele
montava se recusou a continuar andando e, de repente, abriu a boca e começa a
conversar com Bilaam. Desde o início da história tal evento nunca havia
ocorrido, de um animal conversar com um ser humano.
Mas qual é o grande ensinamento
que este acontecimento traz para as nossas vidas? Infelizmente acabamos lendo a
Torá sem refletir sobre os detalhes e, por isso, acabamos perdendo incríveis
lições.
Para entendermos o que ocorreu,
precisamos tentar trazer as histórias da Torá para a nossa realidade. Imagine
se estivéssemos, em um dia qualquer, dirigindo tranquilamente nosso carro pela
estrada e, de repente, nos deparássemos com uma bifurcação. Sem o aplicativo waze1
para auxiliar, ficaríamos na dúvida sobre qual dos caminhos seria o correto,
isto é, qual nos levaria à cidade de nosso destino. Neste momento, escolhemos
aleatoriamente o caminho da esquerda.
O que aconteceria se, neste exato
momento, o nosso carro parasse e falasse conosco: "Ei! Você está indo
no caminho errado! O caminho correto era o da direita!". O que
faríamos? Ao menos não pararíamos para refletir se realmente estamos indo no
caminho correto?
Será que alguém poderia ignorar
este acontecimento e continuar no caminho da esquerda como se nada tivesse
acontecido? Dificilmente isso aconteceria, até mesmo com alguém meio avoado,
não muito inteligente e perspicaz.
Portanto, esperaríamos que
Bilaam, uma pessoa inteligente e perspicaz, dono de incríveis dons espirituais,
parasse para questionar suas atitudes. Como uma pessoa como ele deveria ter
reagido ao fato de o seu jumento estar falando que ele estava errado?
Certamente deveria ter parado para refletir sobre aquele incrível
acontecimento, completamente fora das leis da natureza. Ele deveria ter
concluído que não estava utilizando seu poder da fala corretamente e que
deveria retornar imediatamente para casa, arrependido por ter ido, sem a
autorização de Elohim, acompanhar pessoas ruins para fazer o mal. Isso não é
claro como o dia? Isso não deveria ter deixado uma marca, uma impressão forte
em Bilaam?
Mas, por incrível que pareça,
este incrível evento não deixou absolutamente nenhuma marca em Bilaam. Ao final
desse episódio, a Torá nos conta que "Bilaam levantou-se e retornou ao
seu lugar" (Bamidbar/ Números 24:25). Isso não significa que ele
retornou ao seu lugar apenas em termos físicos, mas também em termos
espirituais. Mesmo após aquele milagre aberto, tudo voltou a ser o que era
antes, não houve absolutamente nenhuma mudança. Bilaam, mesmo com todo o seu
potencial, não conseguiu enxergar a incrível mensagem Divina.
De acordo com o Rav Yssocher
Frand, essa é a importante lição a ser aprendida da nossa Parashá: o quão
cego uma pessoa pode ser. Quando a pessoa tem algum motivo pessoal, que pode
ser dinheiro, poder ou qualquer outro desejo, verdadeiros subornos ao nosso julgamento,
ela pode ficar cega.
Elohim pode enviar uma mensagem
claríssima, mas ela não conseguirá enxergar. Isso é assustador. Queremos sempre
fazer o que é o correto. Ninguém quer intencionalmente fazer o mal e prejudicar
os outros. Porém, uma situação pode estar clara como o dia para um observador
atento, porém a própria pessoa que está indo no caminho da transgressão não
consegue enxergar o que está diante dos seus próprios olhos. E o mais
assustador é o fato de que, se isso pôde acontecer com Bilaam, alguém com um
potencial espiritual tão elevado que podia falar diretamente com Elohim, pode
acontecer a qualquer um de nós. Se até mesmo Bilaam ficou completamente
"cego" por causa de seus subornos, qualquer um de nós também pode
ficar.
Explica o livro "Messilat
Yesharim", de autoria do Rav Moshe Chaim Luzzato zt"l (Itália,
1707 - Israel, 1746), que o mundo material se assemelha a uma noite escura. A
escuridão pode trazer dois problemas para o ser humano. O primeiro problema é a
pessoa não conseguir enxergar nada, mesmo o que está diante dela. Por isso,
quando aparecem obstáculos no caminho, a pessoa simplesmente cai, sem nem mesmo
ter percebido o perigo que estava diante dela.
Porém, o segundo problema é
certamente muito mais grave. A escuridão pode causar na pessoa uma ilusão de
ótica, de forma que ela pensa que um pilar é uma pessoa e uma pessoa é um
pilar. Em outras palavras, uma pessoa pode passar uma vida inteira achando que
o mal é algo bom e vise e versa. Desta maneira, a pessoa vai fortalecer
seus maus atos, pois não apenas não enxerga a verdade, mas também inverte os
valores e procura evidências para apoiar suas teorias e ideias falsas. O grande
problema desta "cegueira espiritual" é que a pessoa não engana
os outros, ela engana a si mesma.
Este é o principal ensinamento
que pode ser extraído do incidente com Bilaam: não há maior cego do que
aquele que não quer ver. Sabemos o final medíocre da vida de Bilaam,
alguém com potencial de Moisés, mas que escolheu um caminho de prazeres e
honra. Que possamos abrir os nossos olhos.
R' Efraim Birbojm
Texto revisado por Francisco Adriano
Germano
Nota
1. Waze é
uma aplicação para dispositivos móveis, baseada na navegação por GPS e que
contém informações de usuários e detalhes sobre rotas, dependendo da localização
do dispositivo portátil na rede. Foi desenvolvida pela start-up Waze Mobile de
Israel, empresa que foi adquirida pela Google em 2013
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