- Tenho dó de você, meu amigo.
Sua vida é um tormento interminável, carregando cargas pesadas o dia inteiro,
sem tempo para descansar. Acho que nosso dono não gosta muito de você. Se eu
fosse você, fingiria um desmaio ao lado do fosso, para que lhe deem um descanso
de alguns dias.
O asno, inocente, não percebeu
a maldade da cabra e aceitou seu conselho. Algum tempo depois, fingindo um
desmaio, deixou seu corpo cair ao lado do fosso. Porém, o asno não havia
calculado a profundidade daquele fosso e, na queda, machucou todo o corpo,
ficando entre a vida e a morte.
O dono do asno, desesperado
pela situação de seu animal, chamou rapidamente o veterinário. Ele examinou o
asno e receitou um remédio que era muito eficiente para devolver o vigor. Este
remédio tinha como ingrediente principal o fígado de uma cabra. Sem outra
opção, a cabra foi morta para que o remédio do asno fosse preparado. Após algum
tempo, para a alegria do dono, o asno finalmente estava completamente curado.
Quem age com maldade acaba
provando do seu próprio veneno. A cabra ficou cega pela inveja, que era
completamente infundada. Se não tivesse tentado prejudicar o asno, poderiam
estar vivendo em paz.
Nesta semana lemos a Parashá
Vaetchanan (literalmente "E eu supliquei"), que con
tinua
trazendo os discursos finais de Moshé (Moisés), em sua recordação dos
principais acontecimentos durante os quarenta anos em que o povo passou no
deserto.
Moshé começa relembrando das suas
inúmeras súplicas para poder entrar na Terra de Israel, mas que foram sem
sucesso, tendo em vista que Elohim, o único que realmente sabe o que é o melhor
para cada um de nós, entendeu que o melhor para Moshé em consequência do seu
erro de golpear a pedra, era não entrar na Terra de Israel. Moshé aceitou a
vontade de Elohim e imediatamente parou de suplicar.
Também em sua preparação para a
entrada do povo na Terra Prometida, Moshé lembrou os perigos da prosperidade,
que podem levar a pessoa a se tornar orgulhosa e a se esquecer de Elohim.
Outro trecho importante dessa
Parashá é a recordação dos Dez Mandamentos, entregues por Elohim no Monte
Sinai, sob o testemunho de mais de três milhões de pessoas. Apesar dos Dez
Mandamentos trazido nesta Parashá ser praticamente igual aos Dez Mandamentos
trazido na Parashá Itró, há algumas pequenas diferenças.
O Rav Yehuda Loew zt"l
(Polônia, 1525 - República Checa, 1609), mais conhecido como Maharal de Praga,
explica que estas diferenças são resultado das naturezas distintas dos dois
Livros da Torá, Shemot (Êxodo) e Devarim (Deuteronômio). O Sefer Shemot traz a "visão"
de Elohim dos acontecimentos, enquanto o Sefer Devarim traz a visão de Moshé.
Portanto, a Parashá Itró traz os Dez Mandamentos exatamente como Elohim
transmitiu a Moshé, enquanto na nossa Parashá são trazidos os Dez Mandamentos
de acordo com a percepção e o entendimento de Moshé. Grande parte do povo que
escutava os discursos naquele momento não havia presenciado a entrega da Torá
no Monte Sinai. Moshé aproveitou para ensinar os Dez Mandamentos em suas
próprias palavras, de acordo com a capacidade das pessoas de compreender.
Entre os Dez Mandamentos, há um
que desperta um enorme questionamento:
"Você não
deve cobiçar a esposa do seu companheiro, você não deve desejar a casa do seu
companheiro, seu escravo, sua serva, seu boi, seu burro, ou qualquer coisa que
pertença ao seu companheiro" (Devarim/Deuteronômio 5:18)
Comenta o Rav Avraham ben Meir zt"l
(Espanha, 1092 - 1167), mais conhecido com Ibn Ezra, que muitas pessoas ficam
surpresas com este Mandamento e questionam: como é possível uma pessoa não
cobiçar em seu coração as coisas boas dos outros, que ela também desejaria ter?
Em outras palavras, o Ibn Ezra
está questionando o que é, aparentemente, uma Mitzvá impossível de ser
cumprida, pois a inveja é um sentimento natural do ser humano. Será que
conseguiremos controlar um sentimento? Como a Torá pode nos comandar a não
sentir uma emoção que surge naturalmente quando alguém tem algo que gostaríamos
de ter? Quando alguém reforma a casa ou constrói uma linda piscina, como
esperar que seu vizinho não deseje ter também uma casa reformada ou uma piscina
bonita?
Nossos sábios explicam que a Torá
não foi entregue aos anjos, e sim aos seres humanos. Elohim conhece nossa má
inclinação, Ele sabe das nossas dificuldades. Tudo o que está acima do nosso
controle, Elohim não nos proibiu, pois Ele não quer que a Torá seja um tropeço
para nós, e sim uma escada para o nosso crescimento. Portanto, se a Torá
nos proibiu de sentirmos inveja do nosso companheiro, isto significa que é algo
possível de colocarmos em prática. Mas como podemos fazer isso?
O Ibn Ezra responde com uma
interessante parábola. Havia um camponês que, apesar de ser uma pessoa muito
simples, era extremamente inteligente. Certo dia, caminhando para o trabalho,
ele viu passando nas ruas a carruagem real, e na janela estava a linda
princesa. O camponês ficou deslumbrado com a beleza dela, mas logo voltou à realidade
e continuou seu caminho. Certamente este camponês não terá pensamentos de
cobiça e nem o desejo de se casar com a princesa, pois ele sabe que é algo
impossível, que nunca acontecerá. Ninguém com o mínimo de intelecto deseja o
que é impossível.
Por isso, a pessoa inteligente
não desejará nem cobiçará. Uma vez que um homem sabe que Elohim proibiu a
esposa de seu vizinho para ele, esta mulher será mais distante em seus olhos do
que a princesa nos olhos do camponês. Ele ficará feliz com o que lhe foi
destinado e não permitirá que seu coração cobice e deseje o que não lhe
pertence, pois ele sabe que aquilo que Elohim não lhe deu, ele não poderá
adquirir por sua própria força ou plano.
Ele, portanto, confiará em seu
Criador, para que o sustente e faça sempre o que é o melhor aos Seus olhos.
Devemos educar nossa mente para perceber que se Elohim deu a piscina para nosso
vizinho, é algo que Ele quer que o vizinho tenha, e não nós. Desta forma, será
algo que estará fora dos nossos desejos. Pessoas normais não desejam se casar
com parentes de primeiro grau, mesmo que sejam pessoas muito bonitas, pois
foram ensinadas desde a infância que este casamento é proibido. Assim também
devemos ensinar aos nossos filhos, desde muito cedo, que o que pertence ao
outro é certamente algo que Elohim deu para eles, e não para nós, sendo,
portanto, proibido para nós. Quanto mais trabalharmos este conceito no nosso
intelecto, mais fácil será para não sentirmos inveja dos outros.
O Rav Simcha Zissel Ziv Broida
zt"l (Lituânia, 1824 - 1898), mais conhecido como Saba MiKelem, ensina
outra maneira de como podemos controlar nossa cobiça e inveja. Por acaso
existem pais ou mães que desejem que seus filhos tenham menos posses e passem
dificuldades pelo fato de terem sido pobres quando eram pequenos? Obviamente
que não. Os pais ficam emocionados quando seus filhos têm mais do que eles e
não precisam passar pelas dificuldades que eles passaram. Por que isto
acontece? Pois eles amam seus filhos tanto quanto a si mesmos e, às vezes, até
mais do que a si mesmos, e por isso eles ficam felizes quando seus filhos
alcançam o que desejam.
Se realmente cumpríssemos a mitzvá/mandamento
de "amar ao próximo como a si mesmo", não sentiríamos inveja
por outra pessoa possuir algo que não está ao nosso alcance. Ficaríamos felizes
por ela, assim como ficamos felizes quando nossos filhos têm mais do que nós
possuímos.
A inveja é, portanto, um
sentimento muito negativo, além de ser uma demonstração de falta de Emuná no
Criador do Mundo, de que Ele pode nos dar tudo o que Ele quiser, e se não deu,
é porque não era necessário para o nosso trabalho neste mundo. Somente Ele sabe,
de verdade, o que é melhor para nós.
Não obstante, a inveja é uma
força espiritual muito poderosa, que pode inclusive causar danos ao próximo.
Porém, o invejoso não sabe que ele é o principal prejudicado por sua própria
inveja, como ensina o mais sábio de todos os homens, Shlomo Hamelech: "A
inveja apodrece os ossos" (Mishlei/Provérbios 14:30b), isto é,
apodrece os ossos do próprio invejoso, pois a energia negativa criada acabará
muitas vezes recaindo sobre ele mesmo.
Ensinam os nossos sábios: "Quem
é o rico? Aquele que está feliz com sua porção" (Pirkei Avót 4:1). A
pessoa com Emuná é uma pessoa mais tranquila. Viveremos mais leves quando
sabemos que é Elohim que controla tudo, e que somente Ele sabe o que é o melhor
para nós de verdade.
Devemos ficar felizes pelo que os
outros têm, pois é isso que eles precisam, é isso o que Elohim decretou para
eles. Imagine que paraíso seria se pudéssemos ficar felizes com o que os outros
têm da mesma maneira que ficamos felizes com o que nós temos. Este paraíso Elohim
nos entregou no último Mandamento. Não cobice e seja feliz.
R' Efraim Birbojm
Texto revisado e adaptado por
Francisco Adriano Germano
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