Pular para o conteúdo principal

INVEJA APODRECE OS OSSOS

 


Uma cabra e um asno viviam juntos no mesmo estábulo. No início era uma convivência pacífica, pois cada um respeitava o espaço do outro. Porém, com o passar do tempo, o relacionamento se deteriorou. Tudo começou porque a cabra passou a invejar o asno, acreditando que ele estava sendo mais bem alimentado do que ela. Na verdade, não passava de um equívoco, pois como o asno mastigava mais a comida, dava a impressão de que ele estava o tempo todo com comida na boca. Chegou um momento em que a inveja da cabra se transformou em ódio e, sem poder suportar mais, ela quis se vingar do pobre asno, que na realidade nada tinha feito de errado. Certo dia, a cabra disse ao asno:

 

- Tenho dó de você, meu amigo. Sua vida é um tormento interminável, carregando cargas pesadas o dia inteiro, sem tempo para descansar. Acho que nosso dono não gosta muito de você. Se eu fosse você, fingiria um desmaio ao lado do fosso, para que lhe deem um descanso de alguns dias.

 

O asno, inocente, não percebeu a maldade da cabra e aceitou seu conselho. Algum tempo depois, fingindo um desmaio, deixou seu corpo cair ao lado do fosso. Porém, o asno não havia calculado a profundidade daquele fosso e, na queda, machucou todo o corpo, ficando entre a vida e a morte.

 

O dono do asno, desesperado pela situação de seu animal, chamou rapidamente o veterinário. Ele examinou o asno e receitou um remédio que era muito eficiente para devolver o vigor. Este remédio tinha como ingrediente principal o fígado de uma cabra. Sem outra opção, a cabra foi morta para que o remédio do asno fosse preparado. Após algum tempo, para a alegria do dono, o asno finalmente estava completamente curado.

 

Quem age com maldade acaba provando do seu próprio veneno. A cabra ficou cega pela inveja, que era completamente infundada. Se não tivesse tentado prejudicar o asno, poderiam estar vivendo em paz.

 


 

Nesta semana lemos a Parashá Vaetchanan (literalmente "E eu supliquei"), que con
tinua trazendo os discursos finais de Moshé (Moisés), em sua recordação dos principais acontecimentos durante os quarenta anos em que o povo passou no deserto.

 

Moshé começa relembrando das suas inúmeras súplicas para poder entrar na Terra de Israel, mas que foram sem sucesso, tendo em vista que Elohim, o único que realmente sabe o que é o melhor para cada um de nós, entendeu que o melhor para Moshé em consequência do seu erro de golpear a pedra, era não entrar na Terra de Israel. Moshé aceitou a vontade de Elohim e imediatamente parou de suplicar.

 

Também em sua preparação para a entrada do povo na Terra Prometida, Moshé lembrou os perigos da prosperidade, que podem levar a pessoa a se tornar orgulhosa e a se esquecer de Elohim.

 

Outro trecho importante dessa Parashá é a recordação dos Dez Mandamentos, entregues por Elohim no Monte Sinai, sob o testemunho de mais de três milhões de pessoas. Apesar dos Dez Mandamentos trazido nesta Parashá ser praticamente igual aos Dez Mandamentos trazido na Parashá Itró, há algumas pequenas diferenças.

 

O Rav Yehuda Loew zt"l (Polônia, 1525 - República Checa, 1609), mais conhecido como Maharal de Praga, explica que estas diferenças são resultado das naturezas distintas dos dois Livros da Torá, Shemot (Êxodo) e Devarim (Deuteronômio). O Sefer Shemot traz a "visão" de Elohim dos acontecimentos, enquanto o Sefer Devarim traz a visão de Moshé. Portanto, a Parashá Itró traz os Dez Mandamentos exatamente como Elohim transmitiu a Moshé, enquanto na nossa Parashá são trazidos os Dez Mandamentos de acordo com a percepção e o entendimento de Moshé. Grande parte do povo que escutava os discursos naquele momento não havia presenciado a entrega da Torá no Monte Sinai. Moshé aproveitou para ensinar os Dez Mandamentos em suas próprias palavras, de acordo com a capacidade das pessoas de compreender.

 

Entre os Dez Mandamentos, há um que desperta um enorme questionamento:

 

"Você não deve cobiçar a esposa do seu companheiro, você não deve desejar a casa do seu companheiro, seu escravo, sua serva, seu boi, seu burro, ou qualquer coisa que pertença ao seu companheiro" (Devarim/Deuteronômio 5:18)

 

Comenta o Rav Avraham ben Meir zt"l (Espanha, 1092 - 1167), mais conhecido com Ibn Ezra, que muitas pessoas ficam surpresas com este Mandamento e questionam: como é possível uma pessoa não cobiçar em seu coração as coisas boas dos outros, que ela também desejaria ter?

 

Em outras palavras, o Ibn Ezra está questionando o que é, aparentemente, uma Mitzvá impossível de ser cumprida, pois a inveja é um sentimento natural do ser humano. Será que conseguiremos controlar um sentimento? Como a Torá pode nos comandar a não sentir uma emoção que surge naturalmente quando alguém tem algo que gostaríamos de ter? Quando alguém reforma a casa ou constrói uma linda piscina, como esperar que seu vizinho não deseje ter também uma casa reformada ou uma piscina bonita?

 

Nossos sábios explicam que a Torá não foi entregue aos anjos, e sim aos seres humanos. Elohim conhece nossa má inclinação, Ele sabe das nossas dificuldades. Tudo o que está acima do nosso controle, Elohim não nos proibiu, pois Ele não quer que a Torá seja um tropeço para nós, e sim uma escada para o nosso crescimento. Portanto, se a Torá nos proibiu de sentirmos inveja do nosso companheiro, isto significa que é algo possível de colocarmos em prática. Mas como podemos fazer isso?

 

O Ibn Ezra responde com uma interessante parábola. Havia um camponês que, apesar de ser uma pessoa muito simples, era extremamente inteligente. Certo dia, caminhando para o trabalho, ele viu passando nas ruas a carruagem real, e na janela estava a linda princesa. O camponês ficou deslumbrado com a beleza dela, mas logo voltou à realidade e continuou seu caminho. Certamente este camponês não terá pensamentos de cobiça e nem o desejo de se casar com a princesa, pois ele sabe que é algo impossível, que nunca acontecerá. Ninguém com o mínimo de intelecto deseja o que é impossível.

 

Por isso, a pessoa inteligente não desejará nem cobiçará. Uma vez que um homem sabe que Elohim proibiu a esposa de seu vizinho para ele, esta mulher será mais distante em seus olhos do que a princesa nos olhos do camponês. Ele ficará feliz com o que lhe foi destinado e não permitirá que seu coração cobice e deseje o que não lhe pertence, pois ele sabe que aquilo que Elohim não lhe deu, ele não poderá adquirir por sua própria força ou plano.

 

Ele, portanto, confiará em seu Criador, para que o sustente e faça sempre o que é o melhor aos Seus olhos. Devemos educar nossa mente para perceber que se Elohim deu a piscina para nosso vizinho, é algo que Ele quer que o vizinho tenha, e não nós. Desta forma, será algo que estará fora dos nossos desejos. Pessoas normais não desejam se casar com parentes de primeiro grau, mesmo que sejam pessoas muito bonitas, pois foram ensinadas desde a infância que este casamento é proibido. Assim também devemos ensinar aos nossos filhos, desde muito cedo, que o que pertence ao outro é certamente algo que Elohim deu para eles, e não para nós, sendo, portanto, proibido para nós. Quanto mais trabalharmos este conceito no nosso intelecto, mais fácil será para não sentirmos inveja dos outros.

 

O Rav Simcha Zissel Ziv Broida zt"l (Lituânia, 1824 - 1898), mais conhecido como Saba MiKelem, ensina outra maneira de como podemos controlar nossa cobiça e inveja. Por acaso existem pais ou mães que desejem que seus filhos tenham menos posses e passem dificuldades pelo fato de terem sido pobres quando eram pequenos? Obviamente que não. Os pais ficam emocionados quando seus filhos têm mais do que eles e não precisam passar pelas dificuldades que eles passaram. Por que isto acontece? Pois eles amam seus filhos tanto quanto a si mesmos e, às vezes, até mais do que a si mesmos, e por isso eles ficam felizes quando seus filhos alcançam o que desejam.

 

Se realmente cumpríssemos a mitzvá/mandamento de "amar ao próximo como a si mesmo", não sentiríamos inveja por outra pessoa possuir algo que não está ao nosso alcance. Ficaríamos felizes por ela, assim como ficamos felizes quando nossos filhos têm mais do que nós possuímos.

 

A inveja é, portanto, um sentimento muito negativo, além de ser uma demonstração de falta de Emuná no Criador do Mundo, de que Ele pode nos dar tudo o que Ele quiser, e se não deu, é porque não era necessário para o nosso trabalho neste mundo. Somente Ele sabe, de verdade, o que é melhor para nós.

 

Não obstante, a inveja é uma força espiritual muito poderosa, que pode inclusive causar danos ao próximo. Porém, o invejoso não sabe que ele é o principal prejudicado por sua própria inveja, como ensina o mais sábio de todos os homens, Shlomo Hamelech: "A inveja apodrece os ossos" (Mishlei/Provérbios 14:30b), isto é, apodrece os ossos do próprio invejoso, pois a energia negativa criada acabará muitas vezes recaindo sobre ele mesmo.

 

Ensinam os nossos sábios: "Quem é o rico? Aquele que está feliz com sua porção" (Pirkei Avót 4:1). A pessoa com Emuná é uma pessoa mais tranquila. Viveremos mais leves quando sabemos que é Elohim que controla tudo, e que somente Ele sabe o que é o melhor para nós de verdade.

 

Devemos ficar felizes pelo que os outros têm, pois é isso que eles precisam, é isso o que Elohim decretou para eles. Imagine que paraíso seria se pudéssemos ficar felizes com o que os outros têm da mesma maneira que ficamos felizes com o que nós temos. Este paraíso Elohim nos entregou no último Mandamento. Não cobice e seja feliz.

 

R' Efraim Birbojm

Texto revisado e adaptado por Francisco Adriano Germano

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A INCOERÊNCIA TEOLÓGICA

    Dias atrás estava conversando com alguns evangélicos e sobre o porquê de seguirem aquilo que seguem. Por exemplo: a mulher não poder usar calça, o crente não poder fazer tatuagens, dentre outras coisas.   Quando questionados, claramente em alto e bom som, a maioria fala que não! Retruquei com um simples por quê? Um respondeu: - "Acho que pode sim, não vejo problema algum!"   Outro contrariando, falou: - "O pastor diz que a mulher não pode usar calça e pronto!"   E outro complementou: - "O pastor disse, mas eu não vejo nada na Bíblia que fala de mulher não poder usar calça!"   Um mais ferrenho disse: - "Isto é doutrina, então deve ser seguido!"   Aí perguntei: - "Doutrina? Baseada em que? Por acaso está na Bíblia?"   Recebi uma resposta: - "Tem sim! Na Bíblia, numa parte fala que a mulher não pode usar roupa de homem, e homem não pode usar roupa de mulher!"   Está aí a resposta, ent

EM QUE DIA MORREU YESHUA: SEXTA OU QUARTA-FEIRA?

    É verdade que Yeshua (Jesus) ressuscitou no domingo de manhã? Alguns advogam que o domingo se tornou o dia de guarda, baseados nesta ideia. Seria isto verdade? É certo considerar parte de um dia, como sendo 24 horas?   O MASHIACH E O SINAL DE JONAS   Sem levar em conta a história de Jonas, não haveria prova positiva com a qual refutar o protesto de que o Mashiach (Messias) da Bíblia era um impostor; porque Ele mesmo disse para alguns incrédulos escribas e fariseus, os quais duvidaram de sua verdadeira identidade, embora o tenham visto fazer milagres, que não seria dado outro sinal além daquele de Jonas, para justificar a sua afirmação messiânica.   Então alguns escribas e fariseus lhe disseram: Mestre, gostaríamos de ver da tua parte algum sinal. E Ele lhes respondeu: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas. Pois como Jonas esteve três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim estará o Filho do home

FÉ NO FUTURO

    Alguma medida do radicalismo que é introduzido no mundo pela história do Êxodo pode ser vista na tradução errada das três palavras-chave com as quais Elohim Se identificou a Moisés na Sarça Ardente.   A princípio, Ele se descreveu assim:   “Eu sou o Elohim de teu pai, o Elohim de Abraão, o Elohim de Isaque e o Elohim de Jacó” .   Mas então, depois que Moisés ouviu a missão para a qual seria enviado, ele disse a Elohim:   “ Suponha que eu vá aos israelitas e lhes diga: 'O Elohim de seus pais me enviou a vocês', e eles me perguntam: 'Qual é o nome dele?' Então o que devo dizer a eles? Foi então que Elohim respondeu, enigmaticamente, Ehyeh Asher Ehyeh (Ex. 3:14).   Isto foi traduzido para o grego como ego eimi ho on , e para o latim como ego sum qui sum , significando 'Eu sou quem sou', ou 'Eu sou Aquele que é'. Todos os teólogos cristãos primitivos e medievais entenderam que a frase falava de ontologia, a natureza metafísica da e