Pular para o conteúdo principal

APRENDENDO A FALAR

 


 

“Sê pronto para ouvir a palavra, a fim de entendê-la, e tardio para dar a resposta. Se tens a compreensão do assunto, responde; caso contrário, põe a mão à boca, para não seres surpreendido numa palavra descontrolada e saíres envergonhado.” (Ben Sirach/Eclesiástico 5:13-14)

 

É muito fácil encontrarmos pessoas dispostas a aconselharem os demais. Todavia, é muito difícil encontrarmos pessoas que estejam realmente dispostas a ouvir. Cada vez mais, a sociedade se enche de conselhos vazios, e que não surtem qualquer efeito. Porque as pessoas falam daquilo que estão cheias, sem antes se esvaziarem para permitirem ser permeadas pela realidade do outro.

 

Ben Sirach nos dá um conselho simples, porém profundo: Ouça o próximo, e seja tardio em responder. Porque ouvir o outro é trabalhoso. Para que possamos ouvir o próximo, devemos deixar de lado as nossas ideias pré-concebidas, aquilo que funciona para a nossa realidade, e aquilo que compreendemos.

 

As palavras do outro não contêm apenas um significado literal. Elas estão recheadas de subjetividade, de emoções, e muitas vezes, da dor do outro. Muitas vezes, o que o outro deseja dizer de fato não está nas palavras. E isso requer tempo para ser compreendido, absorvido.

 

Devemos reaprender a fazer silêncio. E a razão pela qual não conseguimos fazer silêncio para ouvir o outro é porque não conseguimos fazer silêncio para ouvirmos a voz de Elohim falando em nossos corações.

 

O rabino Reuven Lauffer, em seu artigo “The Sound of Silence” afirma:

 

“Na manhã que o Eterno deu ao povo de Israel a Torá, toda a criação ficou em silêncio. Todas as formas de vida ficaram emudecidas. O oceano ficou completamente quieto. Nada se moveu. Nenhum som. Silêncio puro. Imagine. Cada israelita foi forçado a olhar para seu próprio coração e reconciliar-se consigo mesmo sem a ajuda de nada externo. Nenhum palm pilot, nenhum celular, nem mesmo um pager. Apenas o bom e velho coração. Porque é a partir do coração que a pessoa define que tipo de relacionamento ela deseja com o Seu Criador.”

 

De fato, o silêncio incomoda. Porque no silêncio, nossos corações falam. Porém, se não escutarmos os nossos corações, não seremos capazes de realmente ouvirmos o outro.

 

No exemplo acima, o rabino Lauffer fala sobre celulares, pagers, e outros sons externos. Mas o que temos que ter em mente é que não somos “vítimas” dessa cacofonia sonora. Somos nós mesmos que nos cercamos desses sons, porque não aguentamos ficarmos sozinhos com a voz de Elohim em nossos corações. O que nos impede de desligarmos a TV, o celular, ou de ficarmos sozinhos em nossos quartos? No fundo, sabemos que as justificativas são meros pretextos, e que nos sentimos incomodados de não ouvirmos esses sons. Porque não queremos lidar com o nosso próprio interior.

 

Ser pronto para ouvir e tardio para responder também significa que devemos dar tempo à Torá para que possamos compreendê-la em nossos corações, antes de transmiti-la a terceiros. Para que possamos falar sobre a Torá, é preciso estar disposto a ouvir a transformação que Yeshua deseja realizar em nossos corações, através da Sua Torá.

 

Assim como as palavras do outro estão recheadas de uma subjetividade que demanda tempo para ser compreendida, também a Torá é muito mais do que uma mensagem única.

 

A Torá do Sha’ul não é a mesma Torá do Yosef, nem é a Torá da Miriam. Porque a Torá fala de forma muito particular a cada um de nós. Portanto, não é apenas uma questão de conhecer o que diz o texto bíblico, mas sim de estar atento ao que o texto bíblico está dizendo especificamente para nós. E como saber isso? É simples: Onde a Ruach HaKodesh (Espírito de Santidade) deseja agir para transformar nossas vidas, é onde sentimos o incômodo ao lermos a Palavra.

 

Mas se rapidamente quando sentimos esse incômodo, procuramos nos livrar dele, passando para outro texto bíblico (com o pretexto de aprendermos mais, ou de continuarmos nosso devocional), então estamos tendo uma resposta rápida demais, e não nos permitindo ouvir a Palavra da Ruach. A Torá não é apenas a Palavra. A Torá é o instrumento para que a palavra específica chegue a nossos corações.

 

Devemos nos reconciliar com nós mesmos, e permitirmos a reflexão sobre aquilo que clama em nosso interior por ser ouvido. Se fizermos isso, então poderemos dizer que verdadeiramente aprendemos a ouvir a nós mesmos.

 

E se aprendemos a ouvir a nós mesmos, aprendemos a ouvir. E se aprendemos a ouvir, podemos finalmente ouvir o outro. E seremos capazes de calarmos as nossas certezas e ouvirmos o que clama através das palavras do outro, exatamente como fomos capazes de ouvir aquilo que clamava dentro de nós. E aí sim, produziremos conselhos e respostas que de fato farão a diferença na vida do próximo.

 

Alguns podem estranhar o título da reflexão. Pois o título diz “aprendendo a falar”, mas discorremos sobre “aprender a ouvir”. Porém, a razão é proposital: Só aprenderemos a falar algo de significativo ao próximo, se antes aprendermos a ouvir.

 

Por Sha’ul Bentsion

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A INCOERÊNCIA TEOLÓGICA

    Dias atrás estava conversando com alguns evangélicos e sobre o porquê de seguirem aquilo que seguem. Por exemplo: a mulher não poder usar calça, o crente não poder fazer tatuagens, dentre outras coisas.   Quando questionados, claramente em alto e bom som, a maioria fala que não! Retruquei com um simples por quê? Um respondeu: - "Acho que pode sim, não vejo problema algum!"   Outro contrariando, falou: - "O pastor diz que a mulher não pode usar calça e pronto!"   E outro complementou: - "O pastor disse, mas eu não vejo nada na Bíblia que fala de mulher não poder usar calça!"   Um mais ferrenho disse: - "Isto é doutrina, então deve ser seguido!"   Aí perguntei: - "Doutrina? Baseada em que? Por acaso está na Bíblia?"   Recebi uma resposta: - "Tem sim! Na Bíblia, numa parte fala que a mulher não pode usar roupa de homem, e homem não pode usar roupa de mulher!"   Está aí a resposta, ent

EM QUE DIA MORREU YESHUA: SEXTA OU QUARTA-FEIRA?

    É verdade que Yeshua (Jesus) ressuscitou no domingo de manhã? Alguns advogam que o domingo se tornou o dia de guarda, baseados nesta ideia. Seria isto verdade? É certo considerar parte de um dia, como sendo 24 horas?   O MASHIACH E O SINAL DE JONAS   Sem levar em conta a história de Jonas, não haveria prova positiva com a qual refutar o protesto de que o Mashiach (Messias) da Bíblia era um impostor; porque Ele mesmo disse para alguns incrédulos escribas e fariseus, os quais duvidaram de sua verdadeira identidade, embora o tenham visto fazer milagres, que não seria dado outro sinal além daquele de Jonas, para justificar a sua afirmação messiânica.   Então alguns escribas e fariseus lhe disseram: Mestre, gostaríamos de ver da tua parte algum sinal. E Ele lhes respondeu: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas. Pois como Jonas esteve três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim estará o Filho do home

FÉ NO FUTURO

    Alguma medida do radicalismo que é introduzido no mundo pela história do Êxodo pode ser vista na tradução errada das três palavras-chave com as quais Elohim Se identificou a Moisés na Sarça Ardente.   A princípio, Ele se descreveu assim:   “Eu sou o Elohim de teu pai, o Elohim de Abraão, o Elohim de Isaque e o Elohim de Jacó” .   Mas então, depois que Moisés ouviu a missão para a qual seria enviado, ele disse a Elohim:   “ Suponha que eu vá aos israelitas e lhes diga: 'O Elohim de seus pais me enviou a vocês', e eles me perguntam: 'Qual é o nome dele?' Então o que devo dizer a eles? Foi então que Elohim respondeu, enigmaticamente, Ehyeh Asher Ehyeh (Ex. 3:14).   Isto foi traduzido para o grego como ego eimi ho on , e para o latim como ego sum qui sum , significando 'Eu sou quem sou', ou 'Eu sou Aquele que é'. Todos os teólogos cristãos primitivos e medievais entenderam que a frase falava de ontologia, a natureza metafísica da e