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O CHAMADO DE ELOHIM PARA ABRAÃO

 


Quando entramos na Porção da Torá Lech Lecha, inicia uma fase totalmente nova. Até agora, vimos a intervenção de Elohim pelo julgamento, tanto no dilúvio como na torre de Babel, onde Ele castigou o homem por seu pecado e rebelião.

 

Mas quando Elohim chama Abrão, intervém pessoal e ativamente pela misericórdia. A eleição e seleção do que se tornaria o povo de Elohim começa aqui. A partir deste ponto, a relação de Elohim com os filhos de Abrão dominará o restante da Bíblia, apesar do fato de que ela também deixa bem claro que o objetivo final desse relacionamento é a restauração do mundo inteiro.

 

A importância de Abraão, tanto no Judaísmo como no Cristianismo, não pode ser superestimada. Muitas questões centrais para ambas as religiões estão ligadas à figura de Abraão. Tanto o Judaísmo como o Cristianismo afirmam ser os verdadeiros descendentes de Abraão e ambos reivindicam a aliança que Elohim iniciou com Abraão como sua herança especial.

 

No entanto, a aliança de Elohim e as suas promessas são compreendidas e interpretadas de forma muito diferente em ambas as religiões.

 

Em Gênesis 12, onde começa essa porção da Torá, inicia com as famosas palavras de Elohim para Abraão – Lech Lecha, לךְ־לְךָ֛: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei”.

 

Os sábios perguntam: por que Lech Lecha? Por que, em vez de simplesmente dizer: Lech, Vá, Elohim disse Lech Lecha? Existem diferentes explicações para isso, mas há uma em particular que gostaria de compartilhar com vocês. Lech Lecha pode ser lido como: “vá por si mesmo” – e isso é o que Elohim diz a todos: Lech Lecha , vá por si mesmo, vá para dentro de si mesmo. Mesmo aqueles que não são chamados a deixar sua casa ou sua terra, Elohim envia para essa jornada interior de fé: vá por você mesmo – para a essência da sua alma, para o seu propósito final, para essa terra interior que eu irei mostrar para você.

 

Como todos sabemos, Abrão tinha 75 anos. Por que Elohim escolheu um homem tão avançado em idade e por que ele? O texto fica em silêncio sobre este assunto, porém há duas interpretações diferentes sugeridas.

 

A primeira diz que a razão de Elohim não é humanamente discernível. Não sabemos por que Elohim escolheu Abrão, uma vez que a Bíblia não diz nada sobre a sua justiça (embora tenha feito comentários sobre a justiça de Noé, por exemplo). Abrão é apenas um vaso, o destinatário da graça de Elohim e, pelo que sabemos, ele não fez nada para merecer isto.

 

A segunda interpretação diz que Abrão mereceu ser escolhido. Assim como Noé se destacou como um homem excepcionalmente justo e moral em seu tempo, o caráter único de Abrão fez com que Elohim o separasse. Geralmente favorecida pela tradição Judaica, essa abordagem geralmente descreve Abrão buscando Elohim desde sua juventude.

 

Acredito que, em certo sentido, ambas as interpretações estão corretas. Nós não sabemos nada sobre a justiça de Abrão antes do chamado de Elohim. No entanto, sabemos o quão fiel e obediente ele foi depois que foi chamado. E mesmo que gerações de rabinos, pregadores e estudantes das Escrituras tenham sido impressionados, encorajados e inspirados por este famoso “lech lecha”, para mim pessoalmente, não são essas as palavras que tornam essa história tão especial. É como Abraão respondeu a essas palavras.

 

Deixe-me explicar o que quero dizer. Em resposta ao chamado de Elohim, Abraão partiu para a terra de Canaã. “Partiram para a terra de Canaã” (Gênesis 12:5) e na verdade depois de algum tempo chegaram à terra de Canaã: “E lá chegaram” (Gênesis 12:5b). Nada, ao que parece, poderia ser mais óbvio e evidente do que essa frase simples. Não é preciso dizer que, quando as pessoas começam uma jornada, pretendem terminar a jornada e chegar ao lugar para o qual estavam indo? No entanto, apenas alguns versículos antes, no final do capítulo anterior, lemos:

 

Tomou Terá à Abrão, seu filho, e a Ló, filho de Harã, filho de seu filho, e a Sarai, sua nora, mulher de seu filho Abrão, e saiu com eles de Ur dos Caldeus, para ir à terra de Canaã; foram até Harã, onde ficaram. (Gênesis 11:31)

 

Embora o início desta passagem seja o mesmo: eles saíram para ir para a terra de Canaã, termina de uma maneira completamente diferente. O pai de Abraão, Terá, também começou a ir para a terra de Canaã; no entanto, ele nunca completou a jornada. Ele nunca chegou.

 

Em primeiro lugar, por que Terá começou a dirigir-se para Canaã? Talvez, antes que Elohim falasse com Abraão, Ele falara com seu pai; de outra forma, por que Terá deixaria a cidade avançada e confortável de Ur e iria para Canaã? Sabemos que Terá não adorou o único Elohim verdadeiro:

 

Antigamente vossos pais, Terá, pai de Abraão e de Naor, habitaram dalém do Rio Eufrates, e serviram a outros deuses. (Josué 24:2)

 

De maneira nenhuma isso significa, no entanto, que Terá nunca tinha ouvido falar sobre o único e verdadeiro Elohim, ou que ele nunca tinha ouvido falar do único Elohim verdadeiro. Talvez o primeiro lech lecha foi realmente falado com Terá; talvez fosse Terá quem deveria ter se tornado o pai das nações. Porém, “muitos são chamados, mas poucos escolhidos”. (Mateus 22:14)

 

Todos desejamos ouvir Sua voz; todos desejamos ter um encontro divino, mas não nos enganemos: não é o encontro divino que define o nosso destino, mas o que fazemos depois desse encontro. Não basta ser chamado, é preciso permanecer fiel a essa chamada. Não é o que Ele nos diz que nos define, é como respondemos ao que Ele diz!

 

Nesse sentido, o pequeno versículo relativo a Abraão “partiram para a terra de Canaã… e lá chegaram” é muito mais do que meramente um comentário técnico. A descrição bíblica da grande fé de Abraão começa aqui, em Gênesis 12.5; não só ele se propôs a fazer aquilo para o que foi chamado e ordenado a fazer, mas ele completou isto.

 

Se Terá foi chamado por Elohim, e talvez ele foi mesmo, respondeu ao chamado de Elohim ao começar a jornada, mas ele nunca a terminou. Abraão foi chamado por Elohim, e nós sabemos que ele foi, respondeu ao chamado de Elohim, não apenas começando, mas na verdade completando e realizando tudo o que ele foi chamado a fazer. Isso é o que significa fé, e não é de se admirar que Abraão e o seu pai terminaram seus dias de forma tão diferente: Abraão tornou-se o pai de um povo e de povos, enquanto a Escritura não nos diz nada sobre Terá, exceto o fato de ele ser descendente de Sem e pai de Abraão.

 

Esta é uma lei espiritual que todos devemos estar cientes: escolhemos o nosso destino pela forma como respondemos ao chamado de Elohim.

 

Por Julia Blum

Texto revisado por Francisco Adriano Germano

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