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PRESENTES OCULTOS

 


 

Ao construir um santuário no deserto, Elohim convida os israelitas a contribuírem com os dons que nem sequer sabem que possuem.

 

Depois dos trovões e relâmpagos do Monte Sinai, quando o povo foi mantido à distância para não chegar muito perto da presença Divina, Elohim os convida a construir um espaço mais íntimo onde Ele possa habitar entre eles enquanto continuam sua jornada pelo deserto. Para obter os materiais para este mishkan, ou santuário portátil, Elohim diz a Moisés: “Diga ao povo israelita para me trazer presentes; você aceitará presentes para mim de cada pessoa cujo coração o comove”.

 

O comentarista medieval Rashbam observa que o uso da palavra terumah (pode ser traduzido por presente, dádiva, oferta), implica que isso é algo que cada pessoa deve separar de seus próprios pertences. Porém, por mais que essas dádivas devam vir do coração, não é apenas o pensamento que conta. Elohim é muito específico sobre o que é necessário: “Estas são as dádivas que aceitareis”, diz. “Ouro, prata e cobre; fios azuis, roxos e carmesim; linho fino e pêlo de cabra; peles de carneiro curtidas, peles de tachash e madeira de acácia, [junto com óleo, especiarias e incenso].

 

É assim que o rabino Irwin Keller retrata os israelitas no deserto. Ele imagina:

 

“esses pobres filhos de Israel carregando consigo não apenas itens obviamente preciosos, mas também itens estranhos, que quando foram embalados não tinham nenhuma utilidade particular. Presentes escondidos, transportados pelo deserto. Ou não exatamente presentes, mas presentes em potencial, aguardando a chance de se tornar uma insígnia sagrada.”

 

Todos nós temos presentes, é claro. Alguns de nós temos talento para música ou arte, ou talento para planilhas. Esses presentes, escreve Keller, são nosso ouro e prata. “Mas lembre-se, o Mishkan não foi construído apenas com ouro e prata. Há também madeira de acácia e peles de tachash, que foram carregadas, aguardando a oportunidade de serem úteis.”

 

Então Keller nos desafia a olhar além dos nossos dons óbvios:

 

“Qual é o presente que você ainda não ofereceu? Aquele que ninguém sabe que você carrega. Aquele que você talvez nem tenha pensado como um presente. Aquele que estava apenas esperando. E pergunte-se: 'Quando irei oferecer isso?' Quando você vai usá-lo para construir um Mishkan, para tornar este mundo um lugar mais sagrado?”

 

Eu levaria a sugestão de Keller um passo adiante e sugeriria que nem sempre conseguimos identificar nossos dons por conta própria. Estamos tão habituados a definir-nos pelos nossos papéis específicos – como advogados ou contabilistas, pais ou prestadores de cuidados – que podemos não saber que também carregamos conosco dons de liderança, escuta ou criatividade. Assim como não podemos perceber o arco-íris contido num raio de luz até que ele seja refratado através de um prisma, às vezes só podemos identificar nossos próprios dons quando eles são refletidos de volta para nós através dos olhos de outra pessoa. 

 

Alguns versículos depois de identificar o material aceitável para a construção do mishkan, Elohim diz que a arca que conterá as tábuas de pedra da aliança dEle com o povo deveria ser encimada por duas figuras com asas de ouro, os querubins. Os querubins devem encarar um ao outro – ish el achiv, diz Elohim, literalmente como um homem para seu irmão. E é entre estas duas faces que Elohim promete tornar conhecida a sua presença.

 

É muito apropriado que, no centro deste projeto de construção, que acolherá os dons dos corações de todos, Elohim apareça entre dois rostos colocados um em frente ao outro, como se estivessem conversando.

 

Isso nos ensina que para identificar os nossos dons mais preciosos e escondidos, precisamos passar algum tempo interagindo com as pessoas, para ouvir profundamente e com curiosidade, abertos à possibilidade de encontrarmos talentos escondidos na pessoa à nossa frente. E quando encontrarmos um, parar e refletir o que vemos. Porque nada é melhor do que alguém apontando um presente que você não sabia que tinha.

 

Esta, em última análise, é a receita para construir uma comunidade – ver-nos uns aos outros e permitir-nos ser vistos. Desta forma, podemos ajudar-nos uns aos outros a encontrar os dons ocultos que cada um de nós possui e depois partilhá-los com corações abertos e generosos, permitindo que a presença de Elohim brilhe e preencha o espaço entre nós.

 

NICOLE AUERBACH

Texto revisado e adaptado por Francisco Adriano Germano

 

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