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NICOLAÍTAS: A PRIMEIRA GRANDE HERESIA DA IGREJA

 


A dura reprimenda aos efésios é seguida por uma exortação que, embora enigmática, nos ilumina sobre o assunto em questão. Essa afirmação, aparentemente contraditória, revela uma verdade mais profunda.

 

Tens, porém, isto: que odeias as obras dos nicolaítas, as quais eu também odeio.

Apocalipse 2.6

 

A exortação tem a ver com a afirmação do Messias Yeshua, de que os efésios odiavam as obras dos nicolaítas assim como Ele. Para entender quais poderiam ser essas práticas, devemos olhar para o que João foi convidado a escrever à congregação de outra grande cidade romana na Ásia Menor – a cidade de Pérgamo:

 

Conheço as tuas obras, e onde habitas, que é onde está o trono de Satanás; e reténs o meu nome, e não negaste a minha fé, ainda nos dias de Antipas, minha fiel testemunha, o qual foi morto entre vós, onde Satanás habita. Mas algumas poucas coisas tenho contra ti, porque tens lá os que seguem a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balaque a lançar tropeços diante dos filhos de Israel, para que comessem dos sacrifícios da idolatria, e fornicassem. Assim tens também os que seguem a doutrina dos nicolaítas, o que eu odeio.

Apocalipse 2.13-15

 

Nestes versículos, constata as más obras que Balaão ensinou Balaque para fazer os israelitas pecarem, mediante duas coisas:

 

1) comer alimentos sacrificados a ídolos e;

2) envolver-se em atos sexualmente imorais (Números 22-24).

 

Há uma conexão entre essas duas situações e a doutrina falsa dos nicolaítas. O Concílio de Jerusalém, embora tenha libertado os gentios da necessidade de seguir as tradições judaicas, impôs algumas restrições alimentares específicas, o que demonstra a complexidade das questões relacionadas à alimentação na Igreja primitiva:

 

Na verdade, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá.

Atos 15.28-29

 

Não é difícil perceber que dentre os quatro comportamentos proibidos aos gentios, dois tinham a ver com os nicolaítas e com questões relacionadas com Balaão/Balaque (como comer alimentos sacrificados a ídolos e imoralidade sexual).

 

Os apóstolos e anciãos judeus dedicaram especial atenção, em suas cartas aos gentios convertidos, à questão da imoralidade sexual e das transgressões alimentares. Essas práticas, que eram comuns no mundo romano pagão, representavam um obstáculo significativo para os novos cristãos gentios em suas vidas diárias.

 

Até agora, exploramos um dos maiores obstáculos que os seguidores de Yeshua enfrentaram nos primeiros anos da Igreja Primitiva. A partir de agora, vamos investigar quem eram os nicolaítas e de onde veio o nome desse grupo, mencionado nos capítulos 2 e 15 do Apocalipse.

 

A principal tentativa de compreender a etimologia desta palavra está muitas vezes ligada ao diácono Nicolau, designado em Atos 6.5:

 

E este parecer contentou a toda a multidão, e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, e Filipe, e Prócoro, e Nicanor, e Timão, e Parmenas e Nicolau, prosélito de Antioquia.

Atos 6.5

 

Acredita-se que, em algum momento posterior, Nicolau tenha começado a difundir os ensinamentos que mais tarde seriam conhecidos como as "más obras dos nicolaítas". No entanto, os detalhes sobre essas práticas são bastante nebulosos.

 

Entretanto, há uma interpretação alternativa, proposta há muito tempo pelo renomado estudioso John Lightfoot, que nos permite enxergar o Apocalipse sob uma nova luz: como um texto judaico anti-romano. Segundo Lightfoot, a figura de Nicolau pode ser uma pista falsa. Em vez disso, o termo “nicolaítas” poderia ser uma expressão hebraica, empregada para designar um grupo ou ideia específica.

 

E sete mulheres naquele dia lançarão mão de um homem, dizendo: Nós comeremos (heb. נאכל [nokal]) do nosso pão, e nos vestiremos do que é nosso; tão-somente queremos ser chamadas pelo teu nome; tira o nosso opróbrio.

Isaías 4.1

 

Aqui, a palavra hebraica 'nokal', traduzida para o grego por 'comeremos', pode ser a raiz do termo “nicolaítas”. Essa expressão era, possivelmente, um lema ou sentimento central para designar um grupo que desafiava as leis alimentares, ou seja, consumindo alimentos proibidos, como aqueles oferecidos a deuses pagãos. A partir dessa palavra, o termo “nicolaítas” pode ter se originado

 

Assim, τῶν Νικολ αϊτῶν (ton nikolaton) “os nicolitas” pode ser interpretado como um grupo doutrinário que surgiu no seio da igreja, em conexão com a história bíblica de Balaão e Balaque, indicando que a tentação de comer alimentos proibidos teve um papel central.

 

Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Elohim.

Apocalipse 2.7

 

Além desse hebraísmo, o versículo acima em grego contém um jogo de palavras. Aquele que tem ouvidos para ouvir “é aquele que conquista” τῷ νικῶντι (to nikoti) que é uma forma do verbo νικάω (nikao) que significa “vencer, conquistar, perseverar e sair vitorioso”. Isto parece, suspeitamente, muito parecido com o termo que só encontramos em Νικολαί̈της (nikolates) “um nicolaíta”.

 

Ou seja, se o lema dos nicolaítas é “queremos comer”, então, num jogo de palavras, é o que Elohim promete ao vencedor: se eles se abstiverem de comer alimentos sacrificados aos ídolos, comerão da Árvore da Vida e viverão.

 

A perseverança na fé e a rejeição de práticas idolátricas, como a ingestão de alimentos oferecidos a deuses falsos, está diretamente ligada à promessa de vida eterna, o que contradiz o ensino nicolaítas como apresentado aqui. Aqueles que demonstram essa fidelidade em todos os aspectos de suas vidas serão vistos como merecedores do prêmio final: o acesso à árvore da vida.

 

Bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas.

Apocalipse 22.14

 

O Todo-Poderoso, em Sua infinita sabedoria, cuida de Seus escolhidos. Embora os prove, Seu desejo final é que eles permaneçam fiéis e encontrem um lugar eterno em Seu reino, assim como árvores frutíferas em um jardim

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