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VOCÊ INVESTE NO MATERIAL OU NO ESPIRITUAL?



Nesta semana lemos a Parashá Ki Tavô (literalmente "Quando vocês vierem"), que traz os últimos ensinamentos de Moisés, inclusive a repetição das Brachót (Bençãos) e Klalót (Maldições) que já haviam sido ensinadas na Parashá Bechukotai.

 

Mas há algo muito interessante nesta repetição, pois Moisés nos acrescenta um motivo pelo qual estas Klalót podem recair sobre o povo:

 

Porquanto não serviste ao Senhor teu Elohim com alegria e bondade de coração, pela abundância de tudo. (Deuteronômio 28.47)

 

É compreensível alguém não conseguir fazer bem seu serviço espiritual em épocas de dificuldade, mas as épocas de tranquilidade e fartura são momentos de cobrança. Como fazemos para alcançar este nível elevado de servir a Elohim com alegria?

 

A resposta está em um profundo ensinamento do Rabeinu Yona zt"l (Espanha, século 12), em seu livro "Shaarei Teshuvá". Assim ele escreve:

 

"E saibam que a alma do perverso, cujo desejo em vida são as coisas do corpo, cujo desejo é separado do serviço ao Criador e removido de suas raízes, descerá em sua morte ao solo, ao lugar do seu desejo. E seu destino será como a natureza do solo, isto é, descer e não subir".

 

A que tipo de perverso o Rabeinu Yona se refere?

 

Explica o Rav Elyahu Lopian zt"l (Polônia, 1876 - Israel, 1970) que, se pararmos para refletir, perceberemos que certamente o Rabeinu Yona não está se referindo aos Reshaim Gmurim (completamente perversos), aqueles que absolutamente não se ocupam do Serviço a Elohim, pois sobre eles é desnecessário se alongar e descrever seu triste fim.

 

Mas aludem àqueles que, embora aparentemente justos por cumprirem os mandamentos, podem nos levar a uma falsa percepção de sua verdadeira natureza. Apesar de servirem a Elohim, fazem isso na categoria de "Mitzvót Anashim Melumadá", isto é, no "piloto automático".  Elas perseveram em suas práticas religiosas, mas a motivação parece não ter evoluído. A mesma criança que cumpria os mandamentos por obrigação, agora adulta, parece manter a atitude. Presos às ilusões materiais e à busca por prazeres efêmeros, esses indivíduos executam os preceitos religiosos de forma superficial, sem a sincera intenção e concentração que eles exigem.

 

Viver a vida em "piloto automático" infelizmente nos tira da categoria de seres humanos. Animais também podem ser ensinados e adestrados para executar diferentes atividades. Do ser humano, o ápice de toda a criação, espera-se muito mais do que isso. Por ser o único que pode escolher entre o bem e o mal, é exigido que um ser humano faça seus atos de forma pensada, sem ser movido apenas pelo hábito.

 

No entanto, a pior consequência de cumprir as Mitzvót por mera rotina é a ausência de vontade e atenção genuínas durante esses atos. Enquanto a Torá e as Mitzvót são realizadas de forma superficial, os assuntos mundanos, como comida e bebida, recebem toda a energia e concentração dessa pessoa. Paradoxalmente, no mundo espiritual, ela se contenta com o mínimo, mas no mundo material, busca incansavelmente o máximo.

 

Cada aquisição material é comemorada. As joias, carros e propriedades são seu objetivo de vida, e neles ele investe de forma incansável. É a isso que se refere o Rabeinu Yoná ao dizer "E saibam que a alma do perverso, cujo desejo em vida é pelas coisas do corpo, cujo desejo é separado do Serviço ao Criador".

 

Indivíduos que caminham por um caminho espiritual reto e profundo, conectados às suas raízes espirituais, experimentam uma alegria duradoura. Essa alegria se intensifica quando dedicam seu tempo ao serviço divino, seja através do estudo da Torá, da oração ou da prática de mitzvot, conforme os ensinamentos do rei Davi, que considerava essas atividades fontes de força e alegria:

 

Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro, e ilumina os olhos. (Salmo 19.8)

 

Já o contrário acontece com aqueles que se afundam no mar dos desejos materiais, pois desta maneira eles se desconectam das raízes espirituais. Estas pessoas nunca conseguirão saciar seus desejos, e estarão sempre imersas em tristeza e descontentamento, por não terem alcançado o que tanto buscavam e pela preocupação com as coisas que desejam alcançar no futuro.

 

A alegria é adquirida através da Emuná (Fé), pois é a Emuná é o que nos conecta com Elohim. Quando a pessoa confia plenamente em Elohim, não tem mais motivos para se preocupar com o futuro nem sofrer pelo passado. Portanto, aqueles que estão conectados com Elohim vivem com serenidade, todos os dias de suas vidas, mesmo nos momentos em que surgem dificuldades.

 

R' Efraim Birbojm

Texto revisado por Francisco Adriano Germano

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