A ideia de construir uma casa
para Elohim nos leva a questionar: como podemos sequer imaginar conter o
Infinito em algo tão limitado? É um conceito que se autocontradiz.
O Rei Salomão ressaltou esse
ponto quando inaugurou o Primeiro Templo:
Mas Elohim realmente habitará
na terra? Os céus, mesmo o céu mais altos, não podem contê-Lo. Quanto menos
esta casa que eu construí!
I Reis 8:27
Assim escreveu Isaías em nome do
próprio Elohim:
O céu é o meu trono, e a terra
é o estrado dos meus pés. Que casa vocês podem construir para mim? Onde será o
meu lugar de descanso?
Isaías 66:1
Não só parece impossível
construir um lar para Elohim. Deveria ser desnecessário. Ele pode ser acessado
em qualquer lugar, tão prontamente no poço mais profundo quanto na montanha
mais alta, em uma favela da cidade quanto em um palácio forrado de mármore e
ouro.
YHWH não vive em edifícios, mas
nos construtores. Ele não vive em estruturas de pedra, mas no coração humano. O
que os estudiosos judeus apontaram foi que nessa parashá Elohim diz: “Que eles
construam para Mim um santuário para que Eu possa habitar neles”
(Ex. 25:8), e não “para que eu possa habitar nela”.
Por que então Elohim ordenou ao
povo que fizesse um santuário? A resposta dada pela maioria dos comentaristas,
e sugerida pela própria Torá, é que Elohim deu a ordem especificamente após o
pecado do Bezerro de Ouro.
O povo fez o Bezerro depois que
Moisés esteve na montanha por quarenta dias para receber a Torá. Enquanto
Moisés estava no meio deles, o povo sabia que ele se comunicava com Elohim, e
Elohim com ele, e, portanto, Ele estava acessível, próximo. Mas quando Moisés
esteve ausente por quase seis semanas, eles se corromperam.
É por isso que Elohim disse a
Moisés: “Que eles construam um santuário para mim, para que eu possa habitar
entre eles.” A palavra-chave aqui é o verbo habitar (no hebraico - שחנ). Nunca ele havia sido usado em conexão
com Elohim. Eventualmente, ele se tornou uma palavra-chave do próprio Judaísmo.
Dele veio a palavra Mishkan, que significa santuário, e Shechinah,
a Presença Divina.
Proximidade é a chave. Shachen,
outra palavra derivada, em hebraico significa vizinho, o que evoca a maneira
como os israelitas precisavam e encontrariam a Elohim: tão perto quanto um
vizinho.
Foi o que aconteceu com os
Patriarcas. YHWH falou com Abraão, Isaque e Jacó intimamente, como um amigo.
Ele disse a Abraão e Sara que eles teriam um filho. Ele explicou a Rebeca por
que ela estava sofrendo uma dor tão aguda na gravidez. Ele apareceu a Jacó em
momentos-chave de sua vida dizendo-lhe para não ter medo.
Não foi isso que os israelitas
experimentaram até agora. Eles viram Elohim trazendo pragas sobre os egípcios.
Eles o viram dividir o mar. Eles o viram enviar maná do céu e água de uma
rocha. Eles ouviram sua voz de comando no Monte Sinai e acharam isso quase
insuportável. Eles disseram a Moisés: "Fale conosco você mesmo e nós
ouviremos. Mas não deixe Elohim falar conosco ou morreremos." YHWH
apareceu a eles como uma presença avassaladora, uma força irresistível, uma luz
tão brilhante que olhar para ela deixaria você cego, uma voz tão forte que deixaria
você surdo.
Então, para Elohim ser acessível,
não apenas aos pioneiros da fé, mas para cada pessoa que o encontre, era um
desafio, por assim dizer, para o próprio Elohim. Ele tinha que fazer o que os cabalistas
chamam de tzimtzum, “contrair” a Si mesmo, ocultar Sua luz,
suavizar Sua voz, esconder Sua glória dentro de uma nuvem espessa e permitir
que o infinito assumisse as dimensões do finito.
Mas isso, por assim dizer, foi a
parte fácil. A parte difícil não tinha nada a ver com Elohim e tudo a ver
conosco. Como podemos sentir a presença dEle?
Em outras palavras, como
você sente a presença de Elohim no meio da vida cotidiana? Não
quando ele está cercado por trovões e relâmpagos como foi na grande revelação,
mas hoje, apenas um dia entre dias?
Esse é o segredo transformador de
vida do nome da parashá desta semana. Terumá significa “uma contribuição”.
YHWH disse a Moisés: “Diga aos israelitas para tomarem para Mim uma
contribuição. Vocês devem receber a contribuição para Mim de todos cujo coração
os incitar a dar” (Ex. 25:2). A melhor maneira de encontrar YHWH é
dar.
O próprio ato de dar leva ao
entendimento de que o que contribuímos é parte do que nos foi dado. É uma forma
de agradecer, um ato de gratidão. Essa é a diferença na mente humana entre a
presença de Elohim e a sua ausência.
Se Ele está presente, significa
que o que temos é Dele. Ele criou o universo. Ele nos fez. Ele nos deu vida.
Ele soprou em nós o próprio ar que respiramos. Ao nosso redor está a sua majestade,
sua plenitude, sua generosidade: a luz do sol, o ouro da pedra, o verde das
folhas, o canto dos pássaros. É isso que sentimos ao ler os grandes salmos da
criação que recitamos todos os dias. O mundo é a galeria de arte de YHWH e Suas
obras-primas estão em todo lugar.
Quando a vida é algo
presente, você reconhece isso retribuindo.
Mas se a vida não é algo dado
porque não há um Doador, se o universo veio à existência somente por causa de
uma flutuação aleatória no campo quântico, se não há nada no universo que saiba
que existimos, se não há nada no corpo humano além de uma sequência de letras
no código genético, e na mente humana além de impulsos elétricos no cérebro, se
nossas convicções morais são meios egoístas de autopreservação, e nossas
aspirações espirituais meras ilusões, então é difícil sentir gratidão pelo
presente da vida. Não há presente se não há um doador. Há apenas uma
série de acidentes sem sentido, e é difícil sentir gratidão por um acidente.
A Torá, portanto, nos diz algo
simples e prático. Dê, e você verá a vida como um presente. Você não precisa
ser capaz de provar que Elohim existe. Tudo o que você precisa é ser grato por
existir – e o resto virá.
Foi assim que Elohim se aproximou
dos israelitas por meio da construção do santuário. Não foi a qualidade da
madeira, dos metais e das cortinas. Não foi o brilho das joias no peitoral do
sumo sacerdote. Não foi a beleza da arquitetura ou o cheiro dos sacrifícios.
Foi o fato de que ele foi construído com as dádivas de “todo aquele cujo
coração o move a dar” (Ex. 25:2). Onde as pessoas doam voluntariamente umas
às outras e para causas sagradas, é aí que a Presença Divina repousa.
Daí a palavra especial que dá
nome a esta parashá: Terumá. Ela é geralmente traduzida como “uma
contribuição”, mas na verdade ela tem um significado sutilmente diferente
para o qual não há um equivalente simples em português. O melhor sentido seria
equivalente a “algo que você eleva” ao dedicá-lo a uma causa sagrada.
Você eleva, então ela eleva você. A melhor maneira de escalar as alturas
espirituais é simplesmente dar em gratidão pelo fato de que lhe foi dado.
YHWH não mora em uma casa de
pedra. Ele mora no coração daqueles que dão.
Rabino Lord Jonathan Sacks
Texto revisado e adaptado por Francisco
Adriano Germano
Comentários
Postar um comentário