George, um pai de família,
chegou em casa após um longo dia de trabalho e encontrou a mesa de jantar já
posta, à sua espera. Quando todos se acomodaram para compartilhar aquele
momento familiar, que deveria ser de tranquilidade, George começou a narrar um
incêndio criminoso que havia ocorrido na cidade naquela tarde. Mencionou a
esperteza do criminoso responsável pelo ato e descreveu, nos mínimos detalhes,
todos os passos que ele havia dado para atingir seu objetivo. George estava tão
envolvido em sua narrativa que gesticulava intensamente, como se estivesse
reconstituindo a cena, enumerando todos os materiais que o incendiário
utilizara para dar início ao fogo.
Após o jantar, George e sua
esposa decidiram visitar rapidamente alguns amigos que haviam acabado de se
mudar para a vizinhança. Não havia transcorrido sequer meia hora quando George
foi chamado com urgência para retornar à sua casa. De longe, pôde ver sua
residência tomada pelas chamas. As labaredas consumiam tudo, e, apesar dos
esforços dos bombeiros, pouco pôde ser salvo.
Indignado, enquanto corria em
direção à casa, George refletia sobre quem poderia ter causado tamanha
tragédia. Pensava consigo mesmo que somente um insano poderia ser responsável
por tamanho ato. Diversos pensamentos cruzaram sua mente à procura de uma justificativa:
ele não tinha inimigos declarados, tampouco dívidas. Por fim, concluiu que o
incêndio só poderia ter sido fruto de um acidente.
Preocupado com os filhos,
procurou-os imediatamente em meio à fumaça e os encontrou protegidos sob uma
árvore no quintal. Entretanto, percebeu que Gabriel, seu filho de sete anos,
escondia-se atrás dos irmãos, demonstrando grande temor. Aproximando-se, George
perguntou-lhe se estava tudo bem. Foi então que descobriu que o pequeno Gabriel
havia sido o causador do incêndio. Mas de onde uma criança tão jovem teria
extraído tal ideia? E como conseguira reunir os materiais necessários para um
incêndio daquela magnitude? George então recordou-se que, horas antes, havia,
inadvertidamente, ministrado uma verdadeira "aula" sobre como
provocar um incêndio, detalhando todo o processo durante o jantar. Gabriel
apenas imitara fielmente a descrição feita por seu pai.
Muitas vezes, refletimos sobre
como melhorar a educação de nossos filhos. Pensamos na melhor escola, no
ambiente mais adequado, mas nos esquecemos de que as lições mais profundas são
transmitidas de maneira automática: os filhos absorvem e imitam aquilo que
observam nos próprios pais.
No início da Parashá desta
semana, Emor (אֱמֹר, literalmente "Fala"),
Elohim ordena a Moshé (Moisés) que instrua os Cohanim (כֹּהֲנִים – sacerdotes) a respeito de suas responsabilidades
particulares. Sendo representantes espirituais do povo e responsáveis pelos
serviços sagrados no Mishkan (מִשְׁכָּן – Tabernáculo),
cabia-lhes manter padrões elevados de santidade e pureza, superiores aos
exigidos do restante do povo. Por exemplo, um Cohen (Sacerdote) possui restrições quanto ao tipo
de mulher com quem pode se casar e deve zelar para não se expor a impurezas
espirituais, conforme está escrito:
Fala aos Cohanim, filhos de Aharon, e diga-lhes: 'Não se tornarão impuros por causa de um morto dentre o seu povo' Vayikrá/Levítico 21:1
Ao atentarmos para a linguagem da
Torá neste versículo, percebemos uma aparente redundância: a ordem de "falar"
aparece duas vezes, em duas formas distintas — Emor (אֱמֹר) e Veamarta (וְאָמַרְתָּ). Por que tal
repetição?
Segundo o Ramban (Nachmânides –
Espanha, 1194–Israel, 1270), esta duplicação não é exclusiva deste versículo,
mas ocorre em outros momentos da Torá, como na expressão recorrente "Daber
el Bnei Yisrael Veamarta" (דַּבֵּר אֶל־בְּנֵי
יִשְׂרָאֵל וְאָמַרְתָּ — "Fale com os filhos de Israel e
diga-lhes"). Para o Ramban, tal repetição serve para enfatizar a
importância do mandamento ou para destacar uma ordem que contraria práticas
sociais comuns. Assim, a duplicação neste versículo apenas segue uma regra
geral.
Contudo, Rashi (França,
1040–1105) discorda e interpreta que, neste caso específico, a duplicação tem
propósito especial. Baseando-se no Talmud (Yevamot 114a), Rashi explica que o
duplo uso de "falar" visa "advertir os adultos a respeito das
crianças" — isto é, a orientação dirige-se também aos filhos dos Cohanim.
Se assim é, por que essa
interpretação é feita aqui, e não em outros casos em que aparecem
"Daber" (דַּבֵּר) e
"Veamarta" (וְאָמַרְתָּ)?
O Rav Yohanan Zweig esclarece: na
língua sagrada (Lashon Hakodesh — לָשׁוֹן הַקֹּדֶשׁ), mesmo palavras que são sinônimos possuem diferenças sutis e
importantes. Tanto "Amirá" (אָמִירָה)
quanto "Dibur" (דִּבּוּר) significam
"falar", mas "Amirá" refere-se a uma fala suave, sem
imposição, enquanto "Dibur" carrega uma conotação de comando, de
imposição da vontade sobre o outro.
Essa distinção nos traz uma lição
profunda e atual. Quando os pais percebem que seus filhos estão se
influenciando negativamente por más companhias, muitas vezes tentam forçá-los a
mudar de comportamento. Todavia, a pressão geralmente fracassa, pois a criança
sente que está sendo privada de algo e não percebe o benefício do sacrifício
exigido.
Assim, para que as restrições
sejam aceitas positivamente, é crucial que os pais demonstrem, por meio de
atitudes e exemplos, que tais comportamentos são para o benefício próprio da
criança. Transmitir valores exige mais do que palavras: exige exemplos
vivos.
Se desejamos que nossos filhos
cumpram as Mitzvót (mandamentos) com entusiasmo e alegria, nós mesmos devemos
cumprir as Mitzvót dessa maneira. Muitos pais falham ao educar utilizando o
lema: "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". A
incoerência entre palavras e atos mina a credibilidade da mensagem.
É isto que o Talmud ensina ao
interpretar a duplicação da linguagem como uma advertência direcionada aos
adultos: para educar verdadeiramente, é imperativo que os próprios pais cumpram
as Mitzvót espontaneamente, como algo desejável e benéfico, e não como um fardo
imposto. Por isso a Torá usa "Emor" e "Veamarta"
— fala suave, espontânea — e não "Daber", que implicaria
coerção.
Essa lição não se restringe aos
Cohanim. Ela é fundamental para todos nós. O exemplo pessoal é, sem dúvida, a
forma mais eficaz de transmitir valores às próximas gerações. Quando há
dissonância entre o que se fala e o que se faz, é o comportamento — e não as
palavras — que molda a formação da criança.
Portanto, se desejamos ensinar
nossos filhos a serem boas pessoas, devemos primeiro sermos nós mesmos exemplos
vivos desses ideais. Como diz o antigo provérbio:
"Um ato vale mais do que
mil palavras."
Por R' Efraim Birbojm
Texto revisado e adaptado por
Francisco Adriano Germano
Comentários
Postar um comentário