A Parashá Behar, encontrada em Vayikra
(Levítico) 25:1–26:2, oferece um dos mais poderosos convites da Torá à reflexão
ética, econômica e espiritual. Com um único capítulo, esta porção apresenta os
preceitos dos anos sabáticos (Shmita) e do jubileu (Yovel), onde
a terra deveria descansar, os escravos seriam libertos, e as propriedades
retornariam aos seus donos originais.
A essência da Parashá é clara: a
terra e tudo o que nela há pertencem ao ETERNO. Como está
escrito:
A terra não será
vendida em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois estrangeiros e
peregrinos comigo. (Levítico 25:23)
Este princípio estabelece uma
visão contracultural de posse e poder: somos apenas administradores
temporários dos bens que pertencem a Elohim. Essa perspectiva ressoa
profundamente com a mensagem redentora do Messias Yeshua, que também ensinou
sobre a generosidade, o desapego e o cuidado com os necessitados.
A Redenção da Terra e do Homem
No ano do jubileu, a libertação
dos cativos e o retorno das terras apontam para um ideal divino de justiça e
restauração. Essa realidade se manifesta plenamente em Yeshua, que ao iniciar
seu ministério, leu na sinagoga as palavras de Isaías:
O Espírito do
Senhor está sobre mim, porque me ungiu para pregar boas-novas aos pobres.
Enviou-me para proclamar libertação aos cativos [...] e para pôr em liberdade
os oprimidos (Lucas 4:18, cf. Isaías 61:1)
Assim como a Parashá Behar trata
da libertação física e econômica, o ministério de Yeshua trata da libertação
espiritual e existencial. Ele é o cumprimento do Yovel eterno – a
restauração última do homem com Elohim, consigo mesmo e com o próximo.
O apóstolo Paulo, ao compreender
a obra de Yeshua, reconhece que a redenção é também uma libertação das dívidas
espirituais:
Porque fostes
comprados por preço; glorificai, pois, a Elohim no vosso corpo. (1 Coríntios
6:20)
Foi para a
liberdade que Messias nos libertou. (Gálatas 5:1)
Aqui, a libertação proposta por
Yeshua ecoa a mensagem de Behar: nenhum homem deve ser escravo para sempre. Nem
da terra, nem do outro, nem do pecado.
Tzedek – A Justiça que
sustenta o mundo
A ética da Parashá Behar gira em
torno do conceito de Tzedek – justiça. Essa justiça não é meramente
punitiva ou jurídica, mas relacional e comunitária, conforme o
mandamento:
Tzedek, tzedek
tirdof – Justiça, justiça perseguirás... (Deuteronômio 16:20)
No pensamento judaico e no ensino
apostólico, tzedek se manifesta na prática da misericórdia, na remissão
das dívidas, na restituição e na generosidade. Paulo reafirma esse princípio ao
instruir as comunidades a viverem em amor prático e mútuo:
A ninguém devais
coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros... (Romanos
13:8)
Essa justiça era compreendida
pelos rabinos como pilar do mundo:
O mundo se
sustenta sobre três coisas: a justiça, a verdade e a paz. (Pirkei Avot 1:18)
Shmita, Yovel e a Ética
Apostólica
A pausa da terra a cada sete anos
(Shmita) e a libertação no quinquagésimo ano (Yovel) não são apenas leis
agrárias, mas símbolos escatológicos da restauração final. Paulo
aponta para essa esperança ao dizer:
Pois a criação
aguarda com ardente expectativa a manifestação dos filhos de Elohim [...] na
esperança de que também a própria criação será libertada do cativeiro da
corrupção... (Romanos 8:19-21)
A criação, como a terra em Behar,
anseia por descanso e redenção. A missão dos seguidores de Yeshua, portanto, é
antecipar essa realidade em ações concretas de justiça, compaixão e equidade.
Uma Justiça que transcende ideologias
A justiça proposta em Behar
transcende qualquer sistema político moderno. Não se trata de comunismo,
socialismo ou capitalismo. Trata-se de uma ética teocêntrica,
fundamentada no fato de que tudo pertence ao ETERNO, e todos devem ter acesso à
dignidade e ao sustento.
O Rabino Abraham Joshua Heschel
já dizia:
“A essência do
profetismo é a preocupação com a justiça... a preocupação com o destino do
homem.”
Essa preocupação está na raiz do
evangelho de Yeshua e nas cartas de Paulo, como em 2 Coríntios 8:13-14, quando
ele trata da igualdade nas contribuições:
Porque não é para
que haja alívio para outros e aperto para vós, mas para que haja igualdade.
Conclusão: A Justiça que flui
como águas
A Parashá Behar nos recorda que o
mundo pertence a Elohim e que o Seu desejo é a liberdade, a dignidade e a
justiça para todos. Como proclamou o profeta Amós:
Corra, porém, a
justiça como as águas, e a retidão como um ribeiro perene. (Amós 5:24)
Que a obra de Yeshua continue
fluindo por meio de nossas mãos, e que o Espírito nos mova, como moveu os
apóstolos, a viver em comunhão, igualdade e reverência ao Criador. E que
possamos, como disse o rabino Jacques Cukierkorn, lembrar sempre que “tudo o
que possuímos é apenas um empréstimo do Eterno”.
Texto inspirado no artigo https://www.britbracha.org/post/parashat-behar-5784
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