No imaginário religioso judaico
contemporâneo, é comum a crença de que o ser humano possui uma alma imortal que
sobrevive à morte do corpo. No entanto, ao investigarmos as Escrituras
Hebraicas, surge uma pergunta essencial: essa crença tem fundamento bíblico?
A Enciclopédia Judaica reconhece
que a doutrina da imortalidade da alma foi introduzida no judaísmo “provavelmente
sob a influência grega”. Tal influência helenística, ao longo do tempo,
gerou uma tensão teológica entre duas concepções distintas: a ressurreição dos
mortos e a imortalidade da alma. Conforme exposto pela mesma fonte, “essas
duas crenças são, em essência, contraditórias”: enquanto a ressurreição
pressupõe que os mortos aguardam, na sepultura, um futuro despertar coletivo, a
imortalidade da alma pressupõe a existência contínua da alma em outra dimensão,
logo após a morte física.
De acordo com a tradição rabínica
posterior, tentou-se conciliar esse dilema com a ideia de que a alma segue viva
em outro plano, aguardando a ressurreição do corpo num tempo futuro. No
entanto, essa harmonização não encontra respaldo direto no texto bíblico.
O professor Arthur Hertzberg,
renomado estudioso do pensamento judaico, esclarece:
“Na própria Bíblia
hebraica, a arena da vida do homem é este mundo. Não existe doutrina clara
sobre céu e inferno, apenas um crescente conceito de uma derradeira
ressurreição no fim dos dias.”
Esse entendimento está alinhado
com diversas passagens bíblicas que descrevem a morte como um estado de
inconsciência:
Os mortos nada
sabem [...] pois no Sheol, para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem
conhecimento, nem sabedoria. Eclesiastes 9:5, 10
O profeta Daniel menciona a
ressurreição como um evento futuro e coletivo:
Muitos dos que
dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para
vergonha e desprezo eterno. Daniel 12:2
A Bíblia Hebraica, portanto,
retrata o ser humano como uma “alma vivente” — ou seja, um ser vivo
resultante da união entre corpo e fôlego de vida — e não como alguém que possui
uma alma imortal habitando um corpo perecível:
“YHWH Elohim
formou o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego de vida; e o
homem tornou-se alma vivente. Gênesis 2:7
Assim, quando a vida termina, a
alma — isto é, o próprio ser — deixa de existir. Essa visão é reiterada em:
Sai-lhe o
espírito, volta para a terra; naquele mesmo dia perecem os seus pensamentos. Salmo
146:4
A ideia da alma imortal, por sua
vez, é fortemente desenvolvida no Talmude e posteriormente na Cabala, ambos com
significativa influência externa, inclusive de tradições orientais como o
hinduísmo. A crença na reencarnação, por exemplo, ausente das Escrituras, é
ensinada por escolas místicas como a dos hassidistas, influenciando a teologia
judaica moderna, especialmente em correntes como o judaísmo cabalístico e
hassídico.
Curiosamente, o judaísmo
reformista moderno, ao mesmo tempo em que rejeita a ressurreição dos mortos —
removendo-a até mesmo de suas orações — adota a crença na alma imortal.
Contudo, essa posição se distancia claramente do ensinamento bíblico original, que
fundamenta a esperança futura dos justos na ressurreição dos mortos, e não na
continuidade consciente da alma após a morte.
Essa esperança é reafirmada em
Isaías 26:19:
“Os teus mortos
viverão, os seus corpos ressuscitarão. Despertai e cantai, vós que habitais no
pó, porque o teu orvalho é como o orvalho da alvorada.”
O patriarca Jó, em meio ao
sofrimento, expressa com convicção sua fé nessa promessa:
Se o homem morrer,
tornará a viver? Todos os dias da minha luta esperaria, até que me viesse a
mudança. Chamarás, e eu te responderei. Jó 14:14-15
Essa visão não termina no Tanach
(“Antigo Testamento”). O ensino da ressurreição dos mortos também é
central na mensagem de Yeshua (Jesus) e dos seus discípulos.
Vem a hora em que
todos os que estão nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito
o bem, para a ressurreição da vida, e os que tiverem feito o mal, para a
ressurreição da condenação. Yochanan (João) 5:28–29
O apóstolo Paulo enfatiza
fortemente:
Se não há
ressurreição dos mortos, então o Messias não ressuscitou. E, se o Messias não ressuscitou,
é vã a nossa pregação e também é vã a vossa fé. 1 Coríntios 15:13–14
E acrescenta:
O último inimigo a
ser destruído é a morte. 1 Coríntios 15:26
A esperança messiânica, portanto,
não está na alma imortal, mas na vitória sobre a morte por meio da
ressurreição. Paulo cita diretamente o Tanach ao dizer:
O primeiro homem,
Adão, foi feito alma vivente. 1 Coríntios 15:45
E completa:
Nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo.
Romanos 8:23
Essa coerência entre o Tanach e
os ensinamentos de Yeshua e seus emissários é um forte argumento para sustentar
a seguinte conclusão:
A ressurreição dos mortos — não a
imortalidade da alma — é a esperança bíblica e messiânica para os que morrem,
firmada na fidelidade de Elohim. Conforme o Salmo 147:4, o Senhor “conta o
número das estrelas, a todas chama pelo nome” — quanto mais não se
lembraria Ele daqueles que Lhe serviram com integridade?
Ele aniquilará a morte para sempre; YHWH Elohim enxugará as lágrimas de todos os rostos. Isaías 25:8
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